BRASÍLIA - O ministro Alexandre de Moraes se manifestou, nesta quarta-feira (14), sobre a revelação da Folha de S.Paulo de que ele usou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de maneira informal para investigar bolsonaristas no STF (Supremo Tribunal Federal).

Segundo Moraes, o "caminho mais eficiente para a investigação naquele momento era a solicitação [de relatórios] ao TSE" e que "naquele momento a Polícia Federal pouco colaborava".

O ministro se manifestou no início de sessão do Supremo desta quarta. "Seria esquizofrênico eu, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral [à época], me auto oficiar", afirmou.

"Nenhuma das matérias preocupa meu gabinete, me preocupa a lisura dos procedimentos. Todos os procedimentos foram realizados no âmbito de inquéritos já existentes", disse, citando os inquéritos das fake news e das milícias digitais, relatados por Moraes no Supremo.

"Esses inquéritos apuravam diversas condutas. As investigações eram realizadas pela Polícia Federal e, no curso desses inquéritos e das petições em anexo, várias vezes surgia que aqueles investigados estavam reiterando as condutas ilícitas realizadas nas redes sociais", disse.

Antes de Moraes falar, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, e o decano, ministro Gilmar Mendes, também se manifestaram a favor do colega.

A Folha de S.Paulo revelou que o gabinete de Moraes no STF ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do próprio ministro contra bolsonaristas no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal durante e após as eleições de 2022.

Diálogos aos quais a reportagem teve acesso mostram como o setor de combate à desinformação do TSE, presidido à época por Moraes, foi usado como um braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo.

As mensagens revelam um fluxo fora do rito envolvendo os dois tribunais, tendo o órgão de combate à desinformação do TSE sido utilizado para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não com a eleição daquele ano.

A Folha de S.Paulo obteve o material com fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilegal ou acesso hacker. O jornal teve acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles o seu principal assessor no STF, que ocupa até hoje o posto de juiz instrutor (espécie de auxiliar de Moraes no gabinete), e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo.

Na noite de terça, senadores e deputados federais do campo bolsonarista deram início a uma mobilização em defesa de uma CPI e do impeachment do ministro.

Por outro lado, aliados do presidente Lula (PT) defenderam publicamente e nos bastidores o ministro Alexandre de Moraes de críticas sobre sua atuação no cargo e descartaram comparações entre a conduta do magistrado e a do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil).

Pessoas próximas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) compararam o episódio ao da Vaza Jato, em que foram reveladas mensagens entre procuradores da Lava Jato e o então juiz federal Sergio Moro. Um ministro de Lula, por sua vez, afirmou tratar-se de um exagero a comparação.

Moraes declarou ainda que, no curso das investigações dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, nos termos regimentais, "diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos".

"Inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia e às instituições", afirmou.

O ministro acrescentou que os relatórios "simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais".

"Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria-Geral da República", disse.

OAB PEDE ESCLARECIMENTO

A OAB solicitou que o ministro Alexandre de Moraes esclareça se ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do próprio ministro contra bolsonaristas no inquérito das fake news no STF durante e após as eleições de 2022.

Em nota, o Conselho Federal, a Diretoria Nacional e o Colégio de Presidentes das Seccionais da OAB pedem que Moraes explique com urgência se houve a atuação de servidores ou gabinetes "para produzir provas ilegais para sustentar decisões judiciais desfavoráveis a pessoas específicas, como foi amplamente noticiado pela imprensa, ou se a atuação se restringiu aos limites do exercício do poder de polícia da Justiça Eleitoral."

No texto, a OAB afirma que a Justiça deve ser imparcial e respeitar os direitos e garantias estabelecidos pela Constituição e que fora do devido processo legal não há atuação legítima do Judiciário.

"Para avaliar as medidas cabíveis a serem adotadas, a OAB solicitará imediato acesso aos autos dos inquéritos que tramitam no STF, inclusive com a finalidade de garantir transparência às investigações, preservando-se o sigilo dos dados referentes à intimidade dos investigados", conclui.

ALIADOS RECHAÇAM COMPARAR MORAES COM MORO

Aliados do presidente Lula (PT) defenderam publicamente e nos bastidores o ministro Alexandre de Moraes, de críticas sobre sua atuação no cargo e descartaram comparações entre a conduta do magistrado e a do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil).

Pessoas próximas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) compararam o episódio ao da Vaza Jato, em que foram reveladas mensagens entre procuradores da Lava Jato e o então juiz federal Sérgio Moro. Um ministro de Lula, por sua vez, afirmou tratar-se de um exagero a comparação.

Para este auxiliar do presidente, é natural que a comunicação entre ministros e assessores incluam diretrizes e não há irregularidades nisso por não se tratar de diferentes partes do processo, ao contrário do que ocorreu na Lava Jato. O aliado de Lula avalia ainda que é ato de má-fé comparar a conduta com a relação que Sérgio Moro teve com procuradores no Paraná e que tentar dar visibilidade à questão é tentar apagar o 8 de janeiro.

Um outro aliado do presidente afirmou que a exigência para a lisura do processo é que as decisões estejam amparadas em provas obtidas licitamente. Na avaliação desse interlocutor de Lula, a coleta de postagens em redes sociais, como foi conduzida, não compromete a licitude da investigação sobre fake news.

Um terceiro interlocutor do presidente alerta, no entanto, para o risco de uso político do episódio, na tentativa de desqualificar o inquérito das fake news.

Ao menos três ministros de Lula defenderam Moraes publicamente. O ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) afirmou nas redes sociais não ver irregularidades na conduta de Moraes.

"O ministro Alexandre de Moraes @alexandre sempre se destacou por seu compromisso com a justiça e a democracia. Do mesmo modo, tem atuado com absoluta integridade no exercício de suas atribuições na Suprema Corte", escreveu Messias.

"Suas decisões contaram com a fundamentação e regularidade próprias de uma conduta honesta, ética e colaborativa que merece nossa admiração e apoio", continuou o ministro.

O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) endossou o comentário do colega de Esplanada no post no X.

"Alguns fizeram comparações indevidas com irregularidades cometidas por um certo juiz. Mais uma tentativa frustrada de questionar a devida apuração e punição dos crimes contra a democracia", afirmou Padilha.

O ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) disse que as acusações são uma tentativa de desacreditar o STF.

"A matéria da Folha de S.Paulo que acusa o ministro Alexandre é sensacionalista e não corresponde à verdade. A matéria só tem o efeito de alimentar o movimento de tentar desacreditar o STF para incidir no julgamento do inelegível", disse Teixeira no X, antigo Twitter.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também defendeu Moraes publicamente e disse que ele atuou "simultaneamente" como presidente do TSE e relator do inquérito das fake news, a defesa da democracia.

"''Fora do rito', de qualquer rito, estavam Bolsonaro e seus cúmplices, mentindo sobre o processo eleitoral, ameaçando as instituições e urdindo um golpe contra a posse de Lula, o eleito. É a esses golpistas que serve a campanha desencadeada pela @folha contra o ministro Alexandre de Moraes e o STF, quando se aproxima o momento em que Bolsonaro terá de enfrentar a Justiça pelos crimes que cometeu", argumentou Gleisi.

EPISÓDIO É GRAVE, DIZEM BOLSONARISTAS

Aliados de Bolsonaro, por sua vez, discordam. Eles dizem que o episódio é ainda mais grave que o da Lava Jato, porque neste caso houve a utilização de um órgão eleitoral para produção de provas criminais. Mas, para eles, o desfecho ainda é incerto, por isso adotaram cautela.

Pessoas próximas ao ex-presidente ponderam que um juiz de primeira instância provavelmente perderia a relatoria dos inquéritos, mas, como Moraes é do Supremo, é preciso aguardar a repercussão entre os colegas de corte o tema. Bolsonaro optou por permanecer em silêncio e ver como evolui o episódio tanto na opinião pública quanto no Judiciário.

Enquanto isso, Moraes continua, ao menos até o momento, sendo relator de todos os inquéritos que têm o ex-presidente e seus aliados no alvo.

O caso poderia, eventualmente, levar à contaminação das provas ou ao questionamento dos inquéritos relatados por Moraes, segundo um interlocutor.

No Congresso, a reação é um pouco menos cautelosa. A reação coordenada da oposição deve vir nesta quinta, após reunião conjunta de integrantes das duas Casas.

"Para quem ainda duvidava do que temos denunciado há anos, as provas obtidas pela reportagem são claras como a luz do dia: mostram seríssimos abusos de autoridade que jogam no lixo o devido processo legal. (...) Tudo isso, vale salientar, tem como motivação a perseguição político-jurídica contra o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores", disse o líder da oposição na Câmara, Filipe Barros (PL-PR).

Alguns parlamentares bolsonaristas fizeram coro nas redes sociais contra o magistrado, com base na reportagem, e falam de usar as informações para reforçar o pedido de uma CPI de abuso de autoridade na Câmara.

No Senado, já havia uma articulação de apresentar um pedido de impeachment contra Moraes, que agora será reforçado com as novas revelações. A ideia é apresentar o documento em coletiva de imprensa, na tarde desta quinta.

"Já tem vários pontos, um material robusto, várias assinaturas de senadores e de apoiamento de dezenas de deputados federais. E a gente vai lançar a campanha nacional para recolher mais assinaturas e apoiamentos até o dia 7 de setembro. E no dia 9 de setembro a gente protocola na presidência do Senado", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), autor da proposta.

"Acredito que essa matéria atraiu mais atenção ainda e pode ajudar muito no aumento dos parlamentares de apoiamento", completou.