Curitiba - O protótipo de um teste rápido que identifica a quantidade de toxinas urêmicas circulando no organismo de pacientes com doença renal crônica está em desenvolvimento por pesquisadores do Departamento de Patologia Básica da UFPR (Universidade Federal do Paraná). A tecnologia é importante para verificar precocemente o estadiamento, ou seja, o grau de disseminação da doença e para subsidiar informações para tratamentos adequados.

Imagem ilustrativa da imagem UFPR desenvolve teste rápido para doença renal crônica
| Foto: DPAT/UFPR

A doença renal crônica causa a perda gradual da função renal ao longo tempo e é responsável por milhões de mortes todos os anos. No Brasil, existem indícios de subnotificação de diagnóstico, porque a prevalência da doença renal crônica, de 50 a cada 100 mil habitantes, é inferior a de países como o Japão (205 por 100 mil). Isso pode significar um contingente grande de brasileiros que morrem sem acesso a tratamento.

Segundo o último censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, com dados de 2018, a estimativa era de que mais de 133 mil estavam em tratamento de diálise. A taxa de mortalidade anual desse grupo de pacientes foi calculada em cerca de 20% e havia quase 30 mil pessoas na fila de espera por um transplante de rim, o que representa 22% da lista.

Os rins dos pacientes com doença renal crônica perdem a capacidade de filtrar toxinas que deveriam ser naturalmente eliminadas pelo organismo. O acúmulo de toxinas urêmicas na circulação pode levar a quadros inflamatórios e, por isso, quanto mais rápido se tem conhecimento sobre os níveis circulantes desses componentes, mais breve é possível iniciar o tratamento e tentar impedir o avanço de estágio da doença.

SEMELHANTE AO TESTE DE GRAVIDEZ

Pensando nisso, cientistas resolveram combinar as especialidades de dois grupos de pesquisa, aliando o estudo e a caracterização da doença renal crônica à produção de biossensores para o desenvolvimento de um teste rápido, semelhante aos testes de gravidez encontrados em farmácia, que possibilite o monitoramento da doença em pacientes já diagnosticados ou que, por terem casos na família ou comorbidades, como diabetes e hipertensão, possam desenvolver a condição.

A professora do Departamento de Patologia Básica Andréa Stinghen pesquisa toxicidade urêmica e explica que é possível dosar, no sangue dos pacientes, produtos finais da glicação avançada (AGEs — do inglês, Advanced Glycation End-products), um tipo de toxina urêmica ligada à proteína que requer atenção especial, pois pode ser responsável por eventos intracelulares, como estresse oxidativo e inflamação, levando a complicações cardiovasculares.

Na doença renal crônica, o nível de AGEs é significativamente aumentado não apenas por causa da elevada produção dessa toxina, mas pela diminuição da eliminação pelo organismo.

“Considerando a importância das condições relacionadas ao aumento dos AGEs circulantes, a detecção, a quantificação e a compreensão dos efeitos citotóxicos desses componentes são importantes na tentativa de desenvolver novas estratégias terapêuticas, visando diagnosticar precocemente a doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, revela Andréa.

Em 2016, a professora de Imunologia Larissa Magalhães Alvarenga – também do Departamento de Patologia Básica –, juntamente com colegas e orientandos, desenvolveu um biossensor capaz de detectar uma substância denominada albumina glicada, que é um tipo de AGE. Na época, por meio do Teste de Elisa (teste sorológico imunoenzimático), foi possível analisar amostras de pacientes que estavam em diferentes estágios da doença. Agora, a intenção é aprimorar essa tecnologia para desenvolver um teste rápido semiquantitativo que possa ser escalonado.

ANTICORPO MONOCLONAL

O biossensor é um anticorpo monoclonal, ou seja, proteína fabricada em laboratório a partir de células vivas e pode ser imobilizado em uma estrutura semelhante à do teste de gravidez, constituindo um teste rápido de fluxo lateral. O método é destinado a detectar a presença de uma substância alvo em uma amostra líquida sem a necessidade de equipamentos especializados e dispendiosos.

Atualmente, os pesquisadores estão funcionalizando o biossensor para torná-lo o mais sensível e estável possível. De acordo com Larissa, o anticorpo monoclonal deve ser imobilizado em nanopartículas de ouro para que a plataforma do teste seja eficiente. “A nanopartícula de ouro ligada ao anticorpo forma um complexo que gera aquela cor, aquele risquinho que vemos como sinal de positivo no teste”. Ela comenta que é necessário mostrar que essa engenharia é estável em diferentes temperaturas e ao longo do tempo e que essa etapa dura bastante tempo.

“Em seguida, provavelmente em 2022, pretendemos testar amostras sorológicas de pacientes renais crônicos para saber se nosso teste vai funcionar efetivamente. Estimamos que, ao final dos dois anos que estão previstos para a realização desse projeto, consigamos um protótipo do teste rápido”, afirma a pesquisadora que pretende patentear a tecnologia. Entretanto, a exploração comercial dessa patente é outro trabalho, que ainda deve demorar a acontecer.

FORMAÇÃO DE PESSOAS QUALIFICADAS

Os cientistas envolvidos na pesquisa salientam que o processo não é importante apenas porque deve gerar um produto comercial, mas pela formação de profissionais qualificados, capazes de se inserirem no mercado de trabalho e resolverem problemas de diferentes complexidades. “Existe uma emergência por formação de pessoas qualificadas e essa é uma das nossas prioridades”, assegura Larissa.

A formação de profissionais qualificados é uma das principais estratégias para tornar o Brasil cada vez mais independente em termos de produção tecnológica. Problemas causados por essa dependência estão sendo observados ao longo da pandemia de covid-19, que obrigou o país a importar tecnologias estrangeiras para itens essenciais ao combate da doença, como testes e vacinas.

'NÃO É POSSÍVEL PAGARMOS TÃO CARO'

A professora de Imunologia destaca que o valor pago pela população e pelo governo nos testes rápidos que identificam o coronavírus, por exemplo, é absurdamente alto porque o Brasil sofre com a carência de mão de obra qualificada, além da falta de investimento adequado na área da ciência.

“Não é possível pagarmos tão caro por testes cujos valores de custo são infinitamente menores. Formar profissionais que possam produzir diferentes biossensores e testes de diagnóstico é uma necessidade imediata. Temos condições de fazer no Brasil. Obviamente requer investimento, mas requer também mão de obra especializada capaz de fazer e de propor ideias. Com dificuldade estamos caminhando para isso, mas sabemos que é um caminho longo a ser trilhado”, finaliza.

O projeto “Produção de um teste rápido e semiquantitativo de AGEs, para o monitoramento da Doença Renal Crônica” foi aprovado no Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS) Edição 2020/2021, da Fundação Araucária, e deve receber um incentivo de R$ 36 mil.

Além da coordenadora Larissa e da professora Andréa, participam da pesquisa a professora, também do Departamento de Patologia Básica da UFPR, Juliana Moura e a mestranda Jéssica Camargo, do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia, Parasitologia e Patologia. (Com informações da UFPR)

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