Londrina completa cinco meses de pandemia do coronavírus
Entre restrições e afrouxamentos, cidade teve que aprender a conviver com a doença; especialistas alertam que não é hora de baixar a guarda
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 17 de agosto de 2020
Entre restrições e afrouxamentos, cidade teve que aprender a conviver com a doença; especialistas alertam que não é hora de baixar a guarda
Pedro Marconi - Grupo Folha
Era início de noite de terça-feira, 17 de março, quando o informe publicado pela Sesa (Secretaria Estadual da Saúde) confirmava: Londrina registrava o primeiro caso da Covid-19. A doença, que até então estava distante, acabara de chegar à segunda maior cidade do Paraná, quase três semanas após a primeira positivação no Brasil. A paciente, uma mulher de 52 anos, que havia retornado de viagem à Europa, teve os sintomas iniciais oito dias antes do anúncio.
Desde então, muito mudou nestes 150 dias oficiais de pandemia, completados nesta segunda-feira (17). Comportamentos, rotinas, tudo se alterou num universo de mais de meio milhão de habitantes. Palavras até estão escondidas no dicionário passaram a ser fundamentais para preservação da vida. Isolamento e distanciamento social. Apenas três dias depois do comunicado, a prefeitura decidiu fechar as atividades econômicas consideradas não essenciais.
Foi quase um mês com tudo praticamente estagnado, entre críticas e elogios. Apesar de custosa, a médica infectologista Claudia Carrilho afirmou que a medida foi fundamental para a preparação do sistema de saúde. “A pandemia em Londrina teve sua curva achatada. O resultado disso foi uma capacidade de atendimento nos serviços de saúde da cidade, sem caos e falta de leitos”, destacou.
Em uma doença que traz consigo algumas expressões de seu comportamento - a partir do que foi visto em outros países -, como curva e platô, a especialista disse que não é possível definir o atual estágio no município. “Estamos em um período de crescimento vegetativo. O índice que mede a velocidade de transmissão oscilou para cima e voltou a cair. Como a curva foi achatada, o pico não deve ser facilmente visualizado nesta situação”, argumentou a professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
PROTEÇÃO
A máscara acabou se tornando item essencial para prevenção e controle do coronavírus. “O londrinense, em sua grande maioria, adotou a exigência (por decreto municipal) de máscaras nos locais de uso comum da população em geral, reforçando a lavagem frequente das mãos com água e sabão e uso de álcool em gel em suas rotinas diárias”, elencou a enfermeira Flávia Meneguetti Pieri. “Apesar de todos os esforços, as mudanças de comportamento perpassam pela tomada de decisão e de quanto o ser humano está sensibilizado para assimilar este novo comportamento”, lembrou.
MORTES
Já passadas quatro mil positivações da doença, o município tem um índice que chama atenção. Mais de 140 moradores perderam suas vidas para o vírus. A taxa de letalidade está próxima de 3,5%, porém, já chegou a ser a mais alta entre as maiores cidades paranaenses. Parte da queda se deve ao aumento na testagem, que no começo era restrita a quem apresentasse sintomas ou estava internado e, posteriormente, foi ampliada para sinais de síndromes respiratórias.
“Houve aumento importante na testagem e redução nas mortes, provavelmente pelo aprendizado contínuo que foi lidar com uma doença nova. Creio que Londrina vem apresentando uma boa evolução no Estado, embora lenta e cansativa, com ressalvas as mais de 130 vidas perdidas”, frisou Carrilho, que é coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário.
INFECTADOS
Mesmo com a expansão dos exames, a cidade pode ter uma quantidade muito maior de infectados em relação aos boletins oficiais. Cerca de 50% das pessoas que tiveram contato são assintomáticas ou oligossintomáticas, indivíduos com poucos sintomas. Consequentemente, não há procura por uma unidade de saúde e não são testadas e incluídas nas estatísticas.
A taxa de ocupação de leitos em Londrina por pacientes com suspeita ou confirmação da Covid-19 nunca alcançou, nos últimos cinco meses, número que beirasse o colapso. Entretanto, a infectologista alertou que este não pode ser único parâmetro para colocar a cidade numa situação “tranquila”. “No HU, os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) estão constantemente ocupados. Há uma equipe que trabalha diuturnamente e incansavelmente gerenciando os leitos do hospital para que ninguém fique fora da UTI.”
Outros critérios classificados como de extrema importância para tomada de decisões são os recursos humanos, materiais médicos e medicamentos. "Em Londrina, no início, houve risco de falta de EPI (Equipamentos de Proteção Individual), mas isso se normalizou. Sedativos não tivemos problemas graves de faltas. Portanto, não basta o leito, é preciso o leito equipado, profissionais qualificados, EPIs seguros e medicamentos. Há pacientes que chegam a ficar mais de um mês num leito de UTI”, relatou.
LIBERAÇÃO
Aos poucos, entre restrições e afrouxamentos, Londrina foi se adequando ao chamado “novo normal”, mas que de costumeiro nada remete aos dias sem pandemia. Esta sensação de normalidade pode trazer efeitos negativos no combate e prevenção à Covid-19. Com a vacina ainda no campo das especulações quanto à sua aplicação e medicamentos específicos sem eficiência totalmente consensual, o isolamento e o distanciamento ainda são as principais “armas” apontadas pelas profissionais.
“O londrinense precisa considerar que o período médio de incubação da infecção por coronavírus é de 5.2 dias, com intervalo que pode chegar até 12.5 dias, que sua transmissibilidade dos pacientes infectados por SARS-CoV ocorre entre pessoas em média sete dias após o início dos sintomas. Não podemos nos esquecer que a transmissão também ocorre sem o aparecimento de sinais e sintomas. É imprescindível que entendamos a importância das medidas profiláticas instituídas”, ressaltou Flávia Meneguetti Pieri, docente do departamento de Enfermagem da UEL.
FUTURO
Apesar dos avanços da ciência quanto ao vírus nos últimos meses, pensar no futuro ainda é uma incógnita. “A cidade estará preparada em relação ao número de casos. Os hospitais estão cada vez mais adaptando-se à situação, novas normas de duração de isolamentos estão sendo atualizadas e disponibilizadas, o que facilita o fluxo de leitos nos hospitais. É uma doença muito dinâmica, conceitos mudam com frequência”, evidenciou Claudia Carrilho, doutora em doenças infecciosas e parasitárias.
O universo científico aposta que muitas das normas instituídas não têm prazo para acabar. “É preciso consciência, aceitar que o mundo mudou com esta pandemia. Aceitar que é possível retomar as atividades econômicas com ponderação, rever tudo aquilo que com a pandemia foi possível manter mesmo em isolamento social, e, quem sabe, adotar certas mudanças atualmente encaradas como ‘impostas’ pela sociedade, entretanto, necessárias para nossas vidas futuras”, observou Piere. “Não é hora de baixar a guarda frente às medidas apresentadas no plano de contingência.”