Pessoas leigas usam a internet como conselheiro médico ao invés de buscar ajuda profissional, alerta  gerente do Conselho Regional de Farmácias
Pessoas leigas usam a internet como conselheiro médico ao invés de buscar ajuda profissional, alerta gerente do Conselho Regional de Farmácias | Foto: iStock

As pesquisas em ferramentas de buscas por um medicamento cujo princípio ativo é abortivo apresentaram crescimento de 91% de abril a julho, em comparação com os meses de janeiro a março, coincidindo com o período de isolamento gerado pela pandemia do novo coronavírus. A constatação foi feita pela plataforma Consulta Remédios e chamam a atenção para o risco desse procedimento. O CRM-PR (Conselho regional de Medicina do Paraná) alerta que abortos induzidos fora do ambiente clínico com medicamentos sem receita ou por meio de métodos alternativos configuram uma ameaça à saúde das mulheres.

No total foram mais de 500 mil buscas na plataforma, no período de pandemia. A farmacêutica responsável pela plataforma de consulta, Francielle Mathias, afirma que o medicamento é de uso restrito hospitalar e a busca por informações sobre ele indica um comportamento a ser investigado.“Por mais que seja um medicamento de venda restrita, o que preocupa é o fato de as pessoas estarem buscando se informar sobre um produto proibido, provavelmente para saber como age e como é possível adquiri-lo ”, diz Mathias.

Um dos grandes riscos é que as mulheres apliquem o autogerenciamento para aborto, buscando informações sobre como fazer isso em fóruns de discussão sem auxílio médico, já que, no Brasil, o aborto só é permitido em casos específicos. Ele só é legal em episódios de risco de vida, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal, e proibido em todos os demais casos. A pena para a gestante que provocar o aborto é de um a três anos e para o médico de três a dez anos.

O presidente do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná), Roberto Issamu Yosida, é especialista em ginecologia e obstetrícia e ressalta que toda situação de aborto não prevista em lei é um crime. “A primeira orientação é a de que sempre que houver alguma situação de saúde, que a pessoa procure um médico de sua confiança e a partir disso será desencadeada toda a sequência do atendimento”, destacou.

“A procura de informação na internet é um fenômeno mundial. Com a facilidade que se tem hoje muita gente acaba procurando essa informação na rede, só que a dificuldade é saber qual a informação boa e qual a informação ruim", observa o especialista. "Na pandemia a gente percebe claramente que existe um excesso de informações e as pessoas não possuem treinamento para identificar qual delas é boa e qual não tem relevância ou até é falsa. Isso é um fenômeno que ocorre no mundo todo e nós temos orientado para que procure um profissional médico, que pelo menos está mais treinado para fazer essa análise da informação”, ressaltou.

Segundo ele, o risco é a pessoa achar que sabe sobre o assunto e criar essa falsa ilusão por aparecer em vídeo ou porque a informação está bem escrita. “Aí que é o problema, pois todo mundo se acha entendedor do assunto e acha que domina a situação porque leu ou ouviu alguma coisa sobre a situação”, advertiu Yosida.

Segundo ele, nem a ciência ou os próprios médicos entendem todas as situações médicas. “Os médicos estudam, fazem exames e todo o raciocínio para fazer diagnóstico e mesmo assim há aqueles casos que são difíceis de diagnosticar. Se a pessoa se deixar levar só pelo que acha que é as coisas ficam frágeis. O prejuízo pode ser grande”, alertou.

“Nenhuma mulher faz aborto porque quer. É uma situação delicada, porque há muitos fatores para uma pessoa decidir fazer isso. Por isso é fundamental que o profissional médico oriente essa pessoa e indique o que ela deve fazer”, enalteceu.

SUBSTÂNCIAS

Sobre o fato de que em alguns episódios existem pessoas que não querem abortar e que involuntariamente ingerem substâncias que podem causar isso, ele explicou que muita coisa que circula na internet é "folclore". “Só o médico diz o que pode ter efeito colateral. Em uma situação parecida, o efeito pode ser completamente o contrário do que foi para outra pessoa e isso depende de muitas circunstâncias. É a mesma coisa que a queda de um avião, que não cai por um motivo só. A mesma coisa se aplica à associação de medicamentos, que só a avaliação médica pode detectar esse tipo de situação. Não tem outra forma de prever isso”, apontou.

Questionado se há investigações de médicos que receitam medicamentos usados para outros fins com o objetivo de interromper a gravidez, o presidente do CRM-PR garante que não ter notícia. “Se chegar ao conhecimento do conselho será apurado”, prometeu.

CLANDESTINOS E CONTRABANDEADOS

O gerente Técnico-Científico do CRF-PR (Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná), Jackson Rapkiewicz, ressaltou que o medicamento abortivo que tem sido procurado nas ferramentas de buscas na internet não foi desenvolvido para essa finalidade. “Ele é de uso controlado e a venda só é feita para hospital autorizado para uso. Usam dentro das instituições para usar em abortos legais quando é autorizado”, destacou. "É usado para aumentar a contração do útero, mas para a pessoa que utilizar sem acompanhamento há riscos importantes como hemorragias e pode ter consequências graves, como a ruptura do útero”, acrescentou. Caso isso aconteça, Rapkiewicz aponta que a pessoa teria de ser direcionada para uma emergência médica e precisaria ser submetida a uma cirurgia.

Segundo ele, um dos problemas relacionados à essa busca pelo princípio ativo do medicamento abortivo é a possibilidade de aquisição dele em mercados clandestinos. “Como ele é de compra mais difícil, a pessoa acaba acessando sites irregulares que não possuem controle da qualidade do medicamento. Ela pode estar comprando algo produzido no fundo de quintal sem as regras rígidas que temos no Brasil e sem a certeza do que está consumindo”, destacou.

“As pessoas leigas acabam utilizando o Google como conselheiro médico e na pandemia preferem isso a buscar ajuda profissional. Elas devem se conscientizar que o medicamento não é uma mercadoria comum e pode trazer riscos. Só pode ser adquirido em farmácia, com prescrição médica”, destacou Rapkiewicz. Medicamentos clandestinos e contrabandeados não garantem a procedência e podem não ter componentes que dizem ter. “A legislação brasileira não permite que as farmácias tenham só vendas no ambiente virtual. São sites irregulares”, destacou.