Imagem ilustrativa da imagem Um longo caminho para igualdade
| Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados

O enfrentamento das desigualdades impostas às mulheres está em progresso por todo o mundo. Apesar de visíveis avanços, programas da sociedade para suprimir desde os casos de violência até questões de igualdade salarial e de representação feminina nas instituições infelizmente ainda se fazem necessárias. No Brasil, além das questões de bem-estar, há outro direito preponderante que precisa ser defendido – o da participação na vida política-eleitoral.

Esta missão é uma das funções primordiais da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Câmara dos Deputados. O organismo, criado em 2016, tem tido papel no combate à violência, tendo participado da implementação do Botão do Pânico e da lei recém-aprovada que obriga a notificação de violência doméstica detectada em serviços de saúde. “Somos a maioria da população e do eleitorado, mais escolarizadas que os homens, e não podemos permitir que só tenhamos esses 15% de mulheres eleitas”, defende a deputada londrinense Luisa Canziani (PTB-PR), presidente da comissão.


O trabalho da Comissão também se estende à realização de audiências públicas que debatem ainda temas como gravidez na adolescência, doenças mais incidentes entre mulheres, além fiscalizar a aplicabilidade de leis já em vigor, como a Lei Lola (13.642/2018), que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes cibernéticos com publicação de conteúdo misógino ou aversivo à mulher.

A cada ano os membros da Comissão – que incluem homens – são renovados, assim como em todas as 25 Comissões permanentes na Câmara dos Deputados. Ao todo reúne 40 parlamentares, sendo 20 titulares e o mesmo número de suplentes. Um dos focos da Comissão neste ano é garantir maior participação das mulheres em cargos eletivos. “Definimos três eixos de trabalho: o primeiro é a questão da participação das mulheres na política. Outro é o empreendedorismo feminino e o último é a educação das mulheres, no sentido de inserir as mulheres na área de tecnologia de informação e comunicação. Esse trabalho tem potência para ajudar no combate à violência contra as mulheres”, aposta Canziani.


Apesar da premência do tema, o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking que mede a participação de mulheres na política, entre 192 países. A publicação feita pela ONU Mulheres em 2019 atesta os 15% de representação feminina na Câmara dos Deputados e de 14,8% no Senado. Em comparação a outros países latino-americanos, o País está defasado. Na Argentina a presença feminina representa tem quase 39%, uma parcela que superou o que era definido por lei. Tanto que o texto que definia que as mulheres deveriam ocupar 30% das vagas foi alterado este ano para garantir agora 50% das vagas no legislativo.

Na Bolívia e em Cuba, a paridade de gênero já foi atingida. E ambos os parlamentos contam com 53% de legisladoras. Entre as metas das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável consta a participação efetiva e igualitária de oportunidades para mulheres na política, na economia e na vida pública. Segundo Ana Carolina Querino, representante da ONU Mulheres, a inclusão de mulheres é uma forma de tornar a sociedade mais justa. “Mulheres em cargo de liderança são modelos para as meninas, além de que mais diversidade enriquece a tomada de decisão”, garante.


A lei brasileira reserva 30% de vagas para mulheres em cargos do legislativo, assim como 30% dos recursos públicos de campanha para candidatas. Mesmo diante de tais garantias, na prática os resultados ainda estão aquém do ideal. Além da baixa representatividade no Congresso Nacional, o contexto se repete no legislativo de vários estados, como no Paraná. Na Assembleia Legislativa do Estado, o índice de representação também é muito baixo, cinco mulheres entre os 54 deputados paranaenses, um percentual de apenas 9%.

Em Londrina, apenas uma vereadora foi eleita para a atual legislatura, Daniele Ziober (PP-PR), um resultado que retrocede o cenário em relação às três candidatas eleitas na legislatura anterior. “É um grande desafio ser a única vereadora, ainda mais com a bandeira que carrego, da defesa dos Direitos dos Animais. Busco colocar emoção no meio político, que é tão racional. Tenho certeza de que estou rompendo várias barreiras”, acredita Ziober.

PROBLEMAS


Há, porém, na cena política reações que divergem sobre soluções para o tema. O projeto de lei – PL 4130/19 – de autoria da deputada federal Renata Abreu (PODE-SP) prevê que em casos de não preenchimento da cota determinada para candidaturas femininas em um partido, a vaga deva permanecer vazia. A proposta gerou grande repercussão e temor. Há interpretações que esta flexibilidade poderia impactar diretamente a representatividade no parlamento, pois esvaziaria cadeiras que atualmente a lei garante a mulheres.


Para Abreu, presidente nacional do Podemos, o mecanismo funcionaria como uma punição aos partidos que não cumprirem a cota. “Os partidos basicamente obrigam as mulheres a ser candidatas para que consigam garantir o homem e aí que está o equívoco. A gente não está estimulando de fato a participação daquelas mulheres que querem participar. Quando você reserva os 30% você está garantindo a participação de todas as mulheres que querem participar”, pondera Abreu, em entrevista à TV Câmara, em agosto.


As políticas para separar legalmente uma parcela das vagas ofertadas nas eleições têm sido a principal e única linha de atuação para a inclusão feminina na vida pública. Há, inclusive, outras vertentes no País para ampliar o poder de representação. Em São Paulo, por exemplo, o Ministério Público apoia projetos de leis estaduais que garantam 50% das vagas para mulheres, e dentre estes, 25% para mulheres negras, além da revisão do peso do financiamento público para campanhas femininas. A reserva de cota, no entanto, é apenas uma ação dentro de um cenário mais complexo, defende a ex-deputada estadual Elza Correia (Cidadania-PR), em entrevista à FOLHA.


“A cota é um mecanismo para garantir cidadania. A compensação é importante, mas também não adianta aprovar uma lei sem que o País dê estrutura para que ela seja executada”, afirma Correia, que aposta em igualdade de oportunidades. “Estamos vivendo um grande retrocesso com a ministra Damares Alves, que não tem noção do que estamos falando. Na prática somos tratadas como cidadãs de segunda classe”, conclui.

COTIDIANO


A falta de representatividade na vida pública mantém a mulher à margem de decisões importantes, e no cotidiano um dos símbolos desta ausência é refletida nos altos índices de números da violência. Representante dos direitos da mulher, a juíza Zilda Romero, titular da 6ª Vara Criminal de Londrina, que trata da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e de Crimes contra a Criança e o Adolescente, lembra que quando ingressou na da magistratura, há 30 anos, a presença feminina na carreira era flagrante. “Precisei me envolver na comunidade.


Mostrei o trabalho para as jovens que futuramente poderiam ocupar essas funções. Fui me impondo e a população se adaptou”, lembra Romero, que defende a importância dos anseios das mulheres. “Já temos as cotas, mas não pode ser um faz-de-conta, de indicar qualquer candidata para preencher a cota. Precisa ver quem realmente tem preparo e quer a chance”, conclui a magistrada, que sabe que a luta está longe de ter um fim. (Colaborou Pedro Moraes/Reportagem Local)

* Com supervisão do editor Diego Prazeres