Um velho fantasma volta a rondar os bastidores da política brasileira: o impeachment. O termo ganhou a boca dos brasileiros depois do processo de redemocratização, ao fim da Ditadura Militar, na década de 1980, e já atingiu em cheio a dois presidentes. O termo, que significa no Português claro impedimento, vem do latim, foi adaptado ao francês e ao inglês até chegar aos dicionários brasileiros. No meio político, é a palavra que mais traz temor aos chefes do Executivo e virou uma saída para abreviar mandatos impopulares. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é um expert na arte de confrontar os demais poderes e a sociedade com sua verborragia sem limites e uma insensibilidade em lidar com aquilo que é diferente do que acredita ou conhece. A condução da pandemia da Covid-19 com seu exasperado negacionismo tem tensionado a sociedade e aos próprios políticos a questionarem crimes de responsabilidade – aqueles que são capazes de, num julgamento político, tirar o chefe do Palácio do Planalto. Em meio a crescentes protestos, manifestações nas redes sociais e abaixo-assinados, o País já estaria no momento apropriado para iniciar mais um episódio de cassação do chefe máximo da República?

Imagem ilustrativa da imagem Senadores do PR veem impeachment como pauta fora de ocasião
| Foto: Mauro Oliveira/Agência Senado

No momento, a solução parece ser precipitada. Se comparado aos processos vividos pelos ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, que estavam imersos em crises econômicas, tinham incapacidade de gerenciamento político e sofriam escândalos de corrupção – mesmo que indiretamente –, Bolsonaro ainda tem alguma vantagem. “O processo é uma conjugação de duas dimensões: a jurídica e a política. As dificuldades do presidente são claras, mas ele tem o Centrão ao seu lado e o apoio de 30% da população”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Ele analisa que, enquanto a pandemia for a principal pedra no sapato do presidente, ela o protege. “A crise dialeticamente contribui para que ele tenha o desgaste porque sua condução é muito ruim. O presidente perdeu uma chance enorme de ganhar capital político enfrentando a pandemia como uma inimiga, mas, ao mesmo tempo, ela ainda o protege porque as pessoas não estão nas ruas, especialmente num momento de uma nova onda de contaminações e mortes, o que assusta muito as pessoas”, pondera.

POLÍTICA

Os próprios políticos ainda não estão prontos para qualquer ofensiva neste sentido. O Legislativo federal se prepara para decidir em fevereiro, na volta do recesso, o novo comando da Câmara dos Deputados e do Senado. Bolsonaro tem candidatos publicamente apoiados por ele, o que pode garantir que um processo por crime de responsabilidade não seja apontado. Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, tem mais de 60 pedidos de impeachment em sua gaveta e parece não ter visto ambiente para coloca-los em pauta. “Por ora, não acredito que exista o menor ambiente político para se tratar disso. É tudo o que o Brasil não precisa. O País necessita dos três poderes trabalhando harmonicamente de forma independente. Com isso, podemos ir aos poucos corrigindo os erros do Bolsonaro, nos acertando e chegarmos às próximas eleições sem mais um trauma de um novo impeachment. Sou totalmente contra, pelo menos por enquanto”, avalia o senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR).

No radar político, o tema do momento não poderia ser diferente: vacinação. Obviamente que, além da resposta de combate para o avanço do coronavírus, a disputa eleitoral interna travada pelos deputados Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP), pela presidência da Câmara, e por Rodrigo Pacheco (DEM- MG) e Simone Tebet (MDB-MS), para o comando da Casa, são tema urgente. A independência nas duas instituições e uma menor interferência de Bolsonaro sobre o Congresso são o cenário desejado por quem é mais crítico ao governo. “O Brasil tem muitas necessidades que precisam ser abordadas com urgência no momento, uma delas é vacinar todo mundo. Isto significa seguir com o desenvolvimento econômico”, afirma o senador Flávio Arns (PODE-PR), fugindo do tema impeachment. No entanto, seu posicionamento é contrário a um alinhamento com o Planalto. “Desejamos um Senado independente, soberano, condutor do seu destino, harmônico com a Constituição. Tanto Alvaro Dias (PODE-PR), Oriovisto e eu estamos empenhados para que a Simone Tebet possa ser eleita presidente. Ela representa esse desejo de um Senado altivo. Fora ser mulher, o que é importante na consolidação da participação feminina na cena política brasileira”, defende, em entrevista à FOLHA.

CENTRÃO

Apesar de o momento não estar pronto, não é possível afirmar que, mesmo com o apoio imediato no Congresso, Bolsonaro terá dias de tranquilidade. Conhecido por seu fisiologismo, o chamado Centrão – liderado pelo PP do maringaense Ricardo Barros – cobra seu preço. “O presidente pode se tornar refém das demandas do bloco, o que não deixa de ser, à luz da política, uma coisa interessante porque Bolsonaro e o Bolsonarismo atacaram a velha política, o toma lá, dá cá, e hoje o governo está de braços dados com o Centrão”, pondera Prando. Ele lembra ainda que, mesmo que demonizado nas eleições, o bloco de sustentação do atual governo já representou igual papel para outros grupos no poder, como o PT. “O Centrão, logo que percebe entrar água no navio, desembarca, como aconteceu com a presidente Dilma. Então, eles acabam envergando de acordo com o vento do momento”, compara.

VICE

Outros prognósticos pesam quanto a um processo de impeachment, em especial no que diz respeito à sucessão. No caso, o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB). Na análise de Prando, muitos atores políticos tendem a ter um receio de tirar o Bolsonaro e colocar no poder o general da reserva. “Embora os universos simbólico e de valores dos dois sejam muito próximos, Bolsonaro é desastrado e não tem competência para concretizá-los numa ação de governo. Muitos acreditam que Mourão teria mais condições, dado a sua maior capacidade intelectual”, compara. Por isso, seria mais fácil enfrentar um Bolsonaro enfraquecido nas urnas em 2022, alimentando desta forma seu desgaste até lá. Outro ponto fundamental seria como se comportariam as forças armadas nesse processo. “Estariam do lado do Bolsonaro ou ficariam do lado do Mourão? Essa é uma conta que ter que ser feita”, questiona Prando. Em tempos de instabilidade, ainda mais diante de tantas ameaças veladas, a cena política pode mudar com a mesma frequência e potência que a vinda de uma frente fria. Difícil é antecipar sua chegada como na previsão meteorológica.