Curitiba - O PSD, do governador Carlos Massa Ratinho Junior, sai fortalecido das eleições municipais, mas precisará fazer uma grande costura na direita para ter força eleitoral e disputar a Presidência da República em 2026. Para cientistas políticos ouvidos pela FOLHA, a disputa deste ano consolidou uma divisão na direita brasileira, entre o campo favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o setor mais ao centro, representado pelo PSD.

Um exemplo dessa disputa é a eleição em Curitiba: Bolsonaro apoia oficialmente o atual vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), mas vem apoiando informalmente a candidata do PMB, Cristina Graeml. No dia 5, véspera das eleições, Bolsonaro permitiu que a candidata gravasse uma videochamada em que disse “torcer” por ela. O objetivo seria impedir que o PSD ganhe força a ponto de lançar um candidato próprio à Presidência – que poderá ser Ratinho Junior, apesar de o presidente nacional da legenda, Gilberto Kassab, já ter ensaiado apoio ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos.

“O bolsonarismo esperava fazer votações estrondosas para, em 2026, garantir a volta do Bolsonaro ou eleger outro candidato apoiado por ele. E, além disso, fazer senadores para assegurar o impeachment de ministros do STF não alinhados com as ideias da extrema direita. Quem venceu o primeiro turno foi Gilberto Kassab e seu PSD. Ou seja, o Centrão voltou ao centro do poder, de onde nunca saiu”, avalia Elve Cenci, analista político e professor de ética e filosofia política na UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Ele lembra que o chamado Centrão – que engloba partidos como PP, MDB, Podemos, Patriotas e o próprio PSD, entre outros – sempre esteve perto do poder. “Já tivemos uma onda à esquerda no começo dos anos 2000 e o Centrão estava lá ao lado do Lula. Tivemos, em 2018, uma onda à direita com Bolsonaro e o Centrão também estava lá para cobrar a fatura do apoio. Basta ver a forma como o orçamento era distribuído.”

No Paraná, o PSD fez 162 prefeituras no primeiro turno das eleições, um crescimento de 40%, o que aumenta ainda mais o poder de Ratinho Júnior. “Ratinho Júnior, que sonha com a cadeira de presidente, já deveria estar bebendo café meio frio no seu gabinete. É o que normalmente ocorre com governantes na segunda metade do segundo mandato. Não foi o que se viu na eleição de domingo. O seu partido revelou enorme fôlego no Paraná. Tiago Amaral fez 42% dos votos em Londrina. Em Curitiba, Eduardo Pimentel chegou em primeiro na disputa do primeiro turno”, diz Elve Cenci.

SEM UNIDADE

Para a cientista política e professora universitária Karolina Mattos Roeder, ao mesmo tempo em que as eleições mostraram a força da direita, também deixaram claro que não há unidade. “Vimos a consolidação da direita, mas também uma divisão. Em Curitiba há uma divisão entre direita e extrema direita. E tem o jogo duplo do Bolsonaro, que não mantém acordos, como nos casos de Curitiba e São Paulo.”

Uma das diferenças entre os dois campos seria o “discurso antissistema” dos bolsonaristas, que não é encampado pelos partidos do Centrão ou de centro-direita. “Bolsonaro gosta do discurso antissistema, embora tenha feito parte da Câmara por quase 30 anos. Ele é muito sensível à opinião nas redes sociais, reage o tempo todo para não desagradar o público dele e tem atitudes pouco leais”, analisa Karolina Roeder. “O PSD, além de ser um partido que está crescendo muito, se beneficia com a elasticidade ideológica que tem.”

O cientista político e professor universitário Doacir Quadros avalia que a estratégia do PSD deu certo, mas que o futuro é incerto diante da fragmentação da direita. “Desde a formação do PSD, o Kassab tem a preocupação de focar no Executivo em cidades importantes e fazer um trabalho forte de base, sobretudo no Legislativo municipal e estadual. Em 2024, houve uma concretização dessa estratégia. A pergunta é: qual o peso político do PSD? Temos mais partidos de direita do que de esquerda, o PSD está dividindo esse espaço.”

Quadros lembra que, com o aumento do poder na mão da direita, também crescem as divisões. “Alguns partidos estão mais ao extremo e outros mais ao centro, mas todos fazem parte da direita. Entre os partidos que mais ganharam prefeituras no país, seis ou sete são de direita, o mesmo acontece na disputa para vereadores. O PSD tem força eleitoral, a grande questão será como unificar isso como força política para 2026.”

FENÔMENO EM CURITIBA

Em Curitiba, a surpresa foi Cristina Graeml, que concorreu pelo nanico PMB e chegou ao segundo turno com 291.523 votos (31,17%). Com um discurso de extrema direita, Graeml exibiu fotos com Bolsonaro ao longo da campanha e uma videochamada com o ex-presidente na véspera das eleições. Oficialmente, Bolsonaro apoia Eduardo Pimentel – o PL indicou o vice na chapa, o ex-deputado federal Paulo Martins.

Para os cientistas políticos Doacir Quadros e Karolina Roeder, o grande número de indecisos registrados pelas pesquisas fortaleceram a novata. “Desde o começo da campanha, ficou claro o alto nível de indecisos. Na véspera da eleição, eram 37% do eleitorado, segundo a pesquisa Quaest”, lembra Roeder. “O eleitor não estava muito animado, me parece que foi uma onda.”

Quadros concorda que o cenário de indecisão favoreceu a bolsonarista. “A cada eleição vemos a tendência do eleitor retardar seu posicionamento. Com 37% do eleitorado indeciso na véspera da eleição, alguma candidatura seria beneficiada, e entrou a Cristina Graeml.”

Cenci lembra que Graeml mostrou força nas redes sociais e em formas não tradicionais de campanha, como Bolsonaro em 2018. “A Cristina Graeml vem na esteira de um outro fenômeno, que é representado pela força das redes sociais. Ela se tornou conhecida pela presença na internet. Em função de sua trajetória como jornalista, consegue dominar e adaptar a linguagem para se comunicar com um público cada vez mais amplo. Quem triunfará, se a política tradicional ou os arautos das novas mídias, somente saberemos no dia 27.”

"DIREITA SEM DIREITA"

Em Londrina, o segundo turno entre Tiago Amaral (PSD) e Maria Tereza (PP) também reflete a disputa na direita. Amaral é apoiado por Jair Bolsonaro e Maria Tereza já rechaçou qualquer possiblidade de ter o apoio do PT. “A disputa é entre uma candidatura ao centro, representada pela Maria Tereza, e outra que une PSD e o bolsonarismo”, diz Cenci.

Para Doacir Quadros, o segundo turno na cidade (e em Curitiba) mostra que não há mais uma “direita envergonhada”. “O que tenho acompanhado desde 2018 é uma direita sem vergonha, no sentido literal: ela não tem mais vergonha de ser de direita. O que me surpreende é trazerem essas pautas em uma eleição municipal.”