As críticas e Lula à taxa de juros, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à autonomia da instituição foram vistas como o grande fator na recente valorização do dólar
As críticas e Lula à taxa de juros, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à autonomia da instituição foram vistas como o grande fator na recente valorização do dólar | Foto: Foto montagem com imagens de Evaristo Sá/AFP/IStock

Curitiba - A política fiscal do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva pesa mais na alta do dólar e na desestabilização da economia do que as recentes falas do presidente sobre o Banco Central (BC), avaliam economistas. Desde o início do ano, a moeda norte-americana já se valorizou em aproximadamente 16% frente ao Real – no dia 2 de julho, chegou a R$ 5,66, maior valor desde que Lula assumiu, em janeiro de 2023.

As críticas do presidente à taxa de juros, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à autonomia da instituição foram vistas como o grande fator na recente valorização do dólar. Mas, para analistas ouvidos pela FOLHA, as falas do presidente são decorrentes da própria atuação do governo, que em abril deste ano decidiu revisar a meta de superávit primário (o resultado das receitas e despesas do governo, excetuando-se o pagamento de juros). Para 2025, a meta, que era de 0,5% do PIB, passou para déficit zero, a mesma deste ano.

O mercado entendeu essa medida como uma sinalização de que o governo não deverá promover cortes significativos nos gastos públicos, o que levou a projeções de elevação do dólar e da taxa Selic, a taxa básica de juros para a economia, para este ano. No dia 16 de junho, em uma decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, manteve a taxa em 10,5%, decisão que interrompeu um ciclo de sete quedas consecutivas.

Para o economista e consultor Carlos Magno Bittencourt, ao criticar os efeitos de sua própria política, o governo age como um “cachorro que corre atrás do próprio rabo”. “O Lula critica a taxa de juros de 10,5%, que é a taxa primária. Porque ele está sendo irresponsável com a política fiscal e sabe que o governo vai ter que buscar mais dinheiro no mercado. É como o cachorro correndo atrás do próprio rabo”, afirma. “A taxa é alta porque o governo está gastando mais. Na última reunião do Copom, a decisão foi unânime. Isso mostra responsabilidade da autoridade monetária em relação ao mercado.”

Ao criticar abertamente a atuação do Banco Central, o presidente pode influenciar a fuga de dólares, avalia o consultor. “O dólar elevado é excelente para os exportadores, mas tem os dois lados da moeda, como fica o importador? Tem que ter um equilíbrio, e isso deve estar sempre na cabeça do presidente do Banco Central, do ministro da Fazenda e presidente da República”, diz Bittencourt. “Por isso ele (Lula) não pode sair falando sobre taxas ideais. Se ele falar que a taxa ideal é R$ 5, todos podem vender. Se falar que a taxa ideal é R$ 6, o valor pode chegar a R$ 8. Todo mundo pode sair vendendo ou comprando.”

A flexibilização da meta fiscal também é apontada por Lucas Dezordi, economista e consultor de mercado, como ponto de partida para a elevação da moeda norte-americana. “Desde quando o governo começou a flexibilizar a meta fiscal, isso aliado aos ataques do Lula ao Banco Central, a gente viu naturalmente o dólar subir e os juros reais subirem. Isso gera um problema fiscal grande, porque o custo do endividamento fica muito grande e, consequentemente, o governo vai ter mais dificuldade em para se financiar.”

Neste cenário, a tendência é que os investidores apostem em uma moeda mais sólida, diz o economista. “Quando tem uma condição fiscal mais vulnerável, como foi o caso das novas metas fiscais, aliadas às falas do Lula, há uma tendência de fuga para o dólar, o dólar tende a ser uma moeda segura. Não deixa de ser um movimento especulativo em relação ao fator concreto, de que o governo não vai perseguir uma meta tão ambiciosa de resultados de superávit fiscal”, afirma Dezordi.

JUROS

É praticamente uma unanimidade que a taxa de juros do Brasil é muito alta, mas a redução depende de uma decisão do governo para frear os fatos públicos, dizem os economistas. “É como diz aquela música, onde a vaca vai o boi vai atrás. A taxa de juros vai atrás do boi, que é o governo gastando de forma desenfreada e sem compromisso com o arcabouço fiscal”, avalia Carlos Magno Bittencourt. “Ele não corta gastos e quer aumentar os tributos. Quando o Lula diz que gastar é saudável, isso assusta o mercado. A bolsa cai porque as pessoas compram ações atrás de participação nos lucros. Quando aumenta a taxa de juros, você freia o consumo, aí o lucro é menor.”

Na avaliação do consultor, com a atual política fiscal os juros altos acabam tendo um efeito contrário em relação à atração de investimentos. “Deveríamos atrair capital externo, mas houve fuga por causa da irresponsabilidade fiscal. O governo não tem compromisso em reduzir os gastos e quer aumentar os gastos via aumento de receitas”, diz. “Quando reduz o fluxo de dólar, você precisa de mais reais para adquirir. Justamente por causa dessa engrenagem em que o que governo gasta mais e não está preocupado com a política fiscal.”

Para Lucas Dezordi, o governo deveria trabalhar com uma meta mais rígida de superávit primário, o que atrairia investimentos para o país. “Tem que ver o interesse político do governo, mas se ele sinalizasse para um ajuste fiscal mais forte das contas públicas, tenderia a trazer dólares para a economia brasileira e a gente baixar essa taxa de câmbio. Se baixar, não tenho dúvida que conseguiríamos controlar o processo inflacionário e reduzir essa taxa de juros. Mas é preciso sinalizar mais responsabilidade fiscal.”

TROCA DE COMANDO

Nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deixará o cargo no fim do ano. A autonomia da instituição em relação ao governo foi aprovada em 2019 pelo Congresso Nacional e os mandatos do presidente e dos diretores do BC passaram a ter vigência não coincidente com o do presidente da República.

A autonomia foi criticada por Lula, que deverá indicar Gabriel Galípolo como sucessor de Campos Neto a partir de janeiro de 2025. Galípolo era secretário executivo do Ministério da Fazenda e foi indicado para a diretoria do BC pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na reunião do Copom de 16 de junho, quando a taxa Selic foi mantida em 10,5%, apesar das críticas de Lula, a decisão foi unânime, incluindo o voto de Galípolo, o que pode ter ajudado a acalmar o mercado. “Essa unanimidade mostrou que a gritaria do Lula não tem influência, foi para ratificar a autonomia do Banco Central. Isso trouxe um sinal para o mercado, porque o apadrinhado do Lula também votou a favor”, afirma Carlos Magno Bittencourt. “Não foi como na reunião anterior, que teve o voto minerva do presidente. Dessa vez, diante de todo o caos gerado pelas falas do Lula, o Banco Central foi coerente para mostrar que tem autonomia e que não adianta o presidente do Executivo gritar.”

Por outro lado, o economista alerta que Lula deve ter cuidado para que Galípolo não apareça como um possível presidente do BC alinhado ao governo. “Lula diz que (o presidente do BC) tem que ser uma pessoa atrelada com a política monetária e a política de crescimento do Brasil. Isso é ruim para o mercado, porque está sinalizando que quem vai sentar na poltrona de presidente do BC vai ser o Galipolo, mas quem vai apertar o botão vai ser o Lula. Esse cuidado deve ser tomado. Ele, como o capitão da nau, não pode criticar uma instituição tão importante como o Banco Central.”

Para o consultor Lucas Dezordi, a unanimidade na reunião do Copom no dia 16 de junho serviu como uma resposta ao governo. “Acho que o fato de o Lula ter parado de atacar o Banco Central, e em especial o Campos Neto, e o BC demonstrar união através de uma decisão unânime deu uma acalmada na expectativas dos agentes do mercado”, diz Dezordi. “O dólar a R$ 5,6 é um dólar muito alto, porque o Brasil tem uma conta externa muito positiva, uma balança comercial muito positiva.”

Lula deverá anunciar em agosto que nomeará Galípolo para o posto de presidente do BC.