CURITIBA - O Paraná é terceiro estado brasileiro com o maior número de casos de assédio eleitoral. A posição alcançada em 2022 se mantém neste ano, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT): de janeiro até esta sexta-feira (6), foram registradas 185 denúncias em todo o país – 15 delas no Paraná, que só ficou atrás de Minas Gerais e São Paulo. Da eleição de 2022 até abril de 2023, foram 3.465 denúncias contra 2.467 empresas no país. O Paraná também ficou na terceira posição, com 365 casos e 230 empresas citadas.

A situação levou o MPT no Paraná a promover encontros nas principais cidades do estado para debater o tema. Os próximos serão em Foz do Iguaçu, Maringá e Ponta Grossa, com representantes da OAB e de entidades sindicais, entre outros. Em junho foi criado um canal unificado para receber denúncias, que está disponível nos sites do MPT-PR, do Ministério Público do Paraná, do Tribunal Regional do Trabalho e da Procuradoria Regional Eleitoral.

Segundo o procurador-chefe do MPT-PR, Alberto Emiliano de Oliveira Neto, a ideia é possibilitar que esses diferentes órgãos tenham mais condições de identificar e punir a prática. “O assédio eleitoral tem várias implicações, a criminal, a eleitoral e a trabalhista. Uma das nossas estratégias foi unificar o canal de denúncia. A denúncia que chegar será repetida para todos os atores, para que eles possam, no âmbito das suas atribuições constitucionais, proceder a devida responsabilização.”

NOVO AMBIENTE

As eleições presidenciais de 2022 deram mais visibilidade aos casos de assédio. Várias empresas foram acusadas de tentar orientar o voto de seus funcionários com ameaças de fechamento de postos de trabalho, distribuições de camisetas, reuniões obrigatórias ou promessas de pagamento de 14º salário caso o candidato escolhido pelo empresário fosse eleito.

O procurador Alberto Emiliano de Oliveira Neto lembra que atualmente há jurisprudência sobre o tema. “O assédio eleitoral é uma prática muito antiga, vem da ideia do voto de cabresto. Hoje nós temos uma jurisprudência consolidada, que permite a responsabilização, seja do candidato, seja do empregador. A nossa campanha busca informar o trabalhador que o direito de voto é assegurado na Constituição e deve ser exercido livremente, sem qualquer pressão ou interferência da empresa.”

Esse novo ambiente permite a responsabilização do empregador, o que antes ficava limitado aos candidatos. “O mesmo fato, a mesma conduta, poderá gerar a responsabilização do candidato, no âmbito da Justiça Eleitoral, e também do empregador, no âmbito da Justiça do Trabalho. Daí a importância dessa atuação articulada dos vários atores do sistema de Justiça”, afirma o procurador-chefe do MPT-PR. “Com essa possibilidade, abre-se o leque para uma atuação mais efetiva do poder público. O contrato de trabalho não tem relação com o processo eleitoral.”

ZONA CINZENTA

Apesar da movimentação do poder público, a legislação ainda não define claramente o que é o assédio eleitoral, explica o advogado Waldir Franco Felix Junior, especialista em Direito Eleitoral. “A grande dificuldade que temos hoje é que não tem definição legal. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando editou as resoluções para 2024, deixou passar essa oportunidade e não conceituou o assédio, nem previu outras formas. O que a gente tem visto é alguns tribunais se mexerem nesse sentido, para tentar achar uma solução.”

Em termos de legislação, o advogado cita o artigo 301 do Código Eleitoral, que fala sobre casos de violência ou grave ameaça. “O Código Eleitoral é de 1965, é uma previsão para outro Brasil, em que era comum o voto de cabresto. Era um país muito mais rural”, diz. “Essa tipificação está sendo utilizada cada vez mais de forma subsidiária, porque as práticas de assédio evoluíram. Muitas vezes as condutas dos assediadores não se encaixam nisso, são condutas veladas, ocultas, sub-reptícias ou por meios digitais.”

Felix Junior avalia que é preciso avaliar caso a caso. Ele estima que cerca de 80% dos casos fiquem em uma “zona cinzenta”. “Talvez, em 10% dos casos haja uma manifestação espontânea da pessoa que está em posição de superioridade, e outros 10% sejam casos claros”, diz o advogado. “O assédio está se configurando mais nos casos em que a conversa se dá em um espaço ou momento de clara subordinação, sem espaço para diálogo, sem que o subordinado tenha possibilidade de manifestar sua opinião em pé de igualdade ou não tenha a possibilidade de não participar da conversa.”

O advogado eleitoral Nilso Paulo diz que as eleições para presidente tendem a ter mais casos de assédio. “A eleição municipal é mais guerreada. Como todos os candidatos são do município, talvez haja um constrangimento para esse tipo de prática. O assédio, essa prática de querer direcionar o voto, acontece com mais intensidade na eleição federal, com empresários que são donos de grandes grupos que tentam faz um direcionamento.”

Nilson Paulo também avalia que em muitos casos é difícil caracterizar o assédio, mas diz que ele não se limita a relações de trabalho. “A lei fala em constrangimento e em assediar, que é chamar a atenção do eleitor. É difícil saber o que é chamar atenção licitamente e o que é chamar atenção ilicitamente”, afirma. “Talvez, seja com uma troca de favor pelo voto, que pode ser considerado um assédio. Humilhar, ou por exemplo, pedir um imóvel de volta. Falamos em relações de trabalho, mas existem outras situações de assédio."

ASSÉDIO FORA DO PERÍODO ELEITORAL

O assédio eleitoral também pode ocorrer fora do período das eleições. O levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre as eleições presidenciais de 2022, por exemplo, levou em conta denúncias feitas até abril do ano passado. “Quando o Jair Bolsonaro perdeu em 2022, muitos bolsonaristas se manifestaram no sentido de identificar quem votou no Lula. Isso é um assédio eleitoral também. Pode ocorrer no período eleitoral, mas pode ocorrer fora dele, em sentido amplo”, explica o advogado Nilso Paulo, especialista em Direito Eleitoral.

O advogado avalia que as penas previstas para assediadores são brandas, quando comparadas às punições que podem ser aplicadas aos candidatos. “As punições dentro do professo eleitoral são rigorosas para candidatos, mas para os outros elas são brandas. No assédio ela é branda, quando a pessoa não vota ela é branda. Para os candidatos elas são pesadas, tem a possiblidade de inelegibilidade de oito anos e multas mais pesadas”. Já a pena por assediar ou amear um candidato pode ser pesada, de um a quatro de prisão, mais pagamento de multa.

Nilso Paulo lembra que só a partir de 2021 o assédio eleitoral passou a ser mais combatido. “Hoje temos mais liberdade para falar disso, mas o assédio é histórico, sempre conviveu com o processo eleitoral. Temos um processo de poder, é um processo de força. Nós tivemos os coronéis, o voto de corrente, e o Código Eleitoral é de 1965. Agora, em 2021, é que tivemos um aperto mais forte contra o assédio”.