As indicações do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR) desagradaram governistas e opositores, mas são vistas como uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de aproximar seu governo das demais instituições.

Dino é um dos principais alvos da extrema direita e seu nome também gerou reações negativas por parte de setores que defendiam a indicação de uma mulher. Já a escolha por Gonet, elogiada pela direita, foi criticada pela esquerda, já que ele teria um perfil muito conservador.

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Flávio Dino foi indicado para o lugar de Rosa Weber, que se aposentou. Lula já havia dito que não faria a escolha com base no gênero ou na cor da pele, mas a indicação foi criticada, já que o Supremo passará a ter apenas uma mulher, Cármen Lúcia.

Paulo Gonet substituirá Augusto Aras, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e caberá a ele dar continuidade ou não a investigações contra o governo. As sabatina dos dois indicados na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado serão no dia 13. Depois, eles serão sabatinados pelo plenário, que votará as indicações. Os três senadores do Paraná não deram pistas de como pretendem votar (leia mais nesta edição).

Para Rafael Mafei, professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da ESPM, de São Paulo, as indicações ao STF nos últimos têm levado em conta a capacidade de diálogo e de trânsito dos indicados. “Os critérios predominantes são os de natureza política, o tipo de saber que se valoriza tem sido cada vez mais esse saber que podemos chamar de um saber político, a capacidade de dialogar com pessoas de fora do tribunal e de obter consensos que minimizem os impactos negativos de sua decisão. É o tipo de cálculo que normalmente os juízes não têm que fazer”, afirma.

Mafei avalia que essa capacidade de trânsito não pode ser confundida com notório saber jurídico, a única exigência constitucional para uma indicação ao STF. “A ideia de notório saber jurídico é revelada por uma biografia de compromisso com a integridade do Direito e com a qualidade das respostas jurídicas para as grandes questões da sociedade. É algo que você analisa a partir de um percurso de vida. O fato de alguém ter sido juiz é importante? Sim, mas mais é importante saber que a pessoa foi um bom juiz. É importante o general ter sido soldado, desde que tenha sido um bom soldado.”

Essa capacidade de aproximação também é destacada pelo cientista político e professor universitário Doacir Quadros, já que Flávio Dino ocupou vários cargos (além de ministro, foi deputado federal, governador do Maranhão e senador) e Gonet tem apoio dentro do MPF. “Há uma preocupação em promover uma aproximação junto a instituições que no governo anterior não estavam alinhadas claramente na perspectiva de governar o país”, diz Quadros. “O MPF até então se colocava como arredio ao Executivo e ao Legislativo, a escolha do Gonet teve um reconhecimento consistente. Estrategicamente, as escolhas têm o perfil de buscar uma certa aproximação do Executivo com o Judiciário.”

O fator lealdade também pesou nas indicações, avalia o cientista político. “O Flávio Dino sempre se mostrou na defesa do atual presidente, inclusive junto ao Legislativo, quando lá esteve. Aí ,ficou para segundo ou terceiro plano a indicação de uma mulher”, afirma. “O Gonet teve alguns posicionamentos rejeitados pelos movimentos sociais, mas teve atuação na inelegibilidade do Bolsonaro”. Em outubro, na condição de vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet emitiu um parecer pela inelegibilidade do ex-presidente.

FORMA DE ESCOLHA

As indicações ao STF costumam ser controversas. Lula foi criticado ao indicar seu advogado, Cristiano Zanin, em junho deste ano; Bolsonaro indicou dois ministros, Kássio Nunes e André Mendonça, com pouca expressividade nos meios jurídicos, mas identificados com pautas conservadoras.

“Se o Legislativo indicasse, não acho que diminuiria a busca por pessoas de um perfil mais político. Cargos eletivos não me parecem uma boa alternativa, porque as pessoas devem ser escolhidas para julgar contrariamente ao que a opinião pública quer”, afirma Rafael Mafei. “Não é incomum o chefe do Executivo indicar pessoas para exercer cargos de magistratura, em outros países é a forma inclusive de colocar juízes em instâncias inferiores. Uma vez investidas dos cargos, as lei dão a essas pessoas uma série de proteções, para que possam atuar de forma independente e imparcial.”

O que poderia ajudar a reduzir o impacto político das indicações, avalia Mafei, seria o próprio Supremo adotar uma postura mais reservada. “Uma vez que as pessoas são investidas, normaliza-se esse tipo de contato. Se tivesse um ethos de resguardo, se fossem instituições onde os deveres de preservação de distância e de resguardo da imagem fossem cultivados, a ponto de o ministro que cruzasse uma linha e se deixasse ser percebido em situação de muita intimidade com políticos e empresários fosse repreendido pelos colegas, já haveria um sinal claro.”

Senadores do PR não revelam voto, mas aprovações são dadas como certas

Os três senadores do Paraná, Flávio Arns (PSB), Oriovisto Guimarães (Podemos) e Sergio Moro (Podemos), não deram indicações de como pretendem votar as indicações de Flávio Dino ao STF e de Paulo Gonet à PGR. Nos bastidores, as aprovações são dadas como certas. A última vez que os senadores rejeitaram uma indicação do presidente para o Supremo foi ainda no século 19, em 1894, durante governo do marechal Floriano Peixoto. Cinco indicados foram rejeitados desde a proclamação da República, em 1889, todos durante os turbulentos primeiros anos do período republicano.

Flávio Arns (PSB) não deu indicação de como irá votar
Flávio Arns (PSB) não deu indicação de como irá votar | Foto: Jefferson Ruddy/Agência Senado

Dos três senadores paranaenses, o único que se manifestou em relação à indicação de Flávio Dino foi Sergio Moro, que criticou a escolha do presidente Lula em uma rede social. “No final, toda a conversa do Lula sobre diversidade era só conversa. Sequer foi cogitada uma mulher na lista dos favoritos. Prevaleceram as razões políticas”, publicou Moro. Ele não atendeu os pedidos da reportagem para comentar as indicações.

Sergio Moro (Podemos) criticou a indicação de Flávio Dino numa rede social
Sergio Moro (Podemos) criticou a indicação de Flávio Dino numa rede social | Foto: Roque Sá/Agência Senado

Por meio de sua assessoria, Oriovisto Guimarães informou que não se pronunciaria sobre os nomes e disse que seu voto é secreto. Em nota, Flávio Arns destacou que o presidente da República tem a prerrogativa de escolher os nomes, mas não adiantou seu posicionamento em relação aos indicados. “Nessas ocasiões, tenho sempre me pautado pelo voto de consciência no sentido de defender aquilo que é necessário para a segurança, a paz e a legalidade em nosso país. Continuarei a fazer isso nesta votação”, afirmou.

Oriovisto Guimarães (Podemos) informou que não se pronunciaria sobre os indicados
Oriovisto Guimarães (Podemos) informou que não se pronunciaria sobre os indicados | Foto: Jefferson Ruddy/Agência Senado

Rafael Mafei, professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da ESPM, lembra que as articulações precedem as indicações. “Normalmente quem indica também se assegura de indicar alguém palatável, as lideranças trabalham para o nome ser aprovado. Uma vez indicada, a pessoa já teve todo esse trabalho de bastidor feito antes da indicação. A chance de uma reprovação é muito pequena.”

Mafei destaca outro aspecto: os senadores que participarão da sabatina poderão depender de decisões do indicado em um futuro próximo. “Para um senador que está fazendo a sabatina, existe um custo alto em se indispor publicamente com uma pessoa que na semana seguinte estará sentada na cadeira do Supremo, julgando coisas que ele pediu e coisas que pediram contra ele. Os políticos são as grandes autoridades que acionam o Supremo, os partidos, os governadores e as casas legislativas.”

O cientista político e professor universitário Doacir Quadros também diz não ver riscos de os nomes serem reprovados pelos senadores. “O presidente do Senado (Rodrigo Pacheco) se mostrou acessível e mostrou uma preocupação para que a votação ocorra o mais rápido possível, não vejo esse risco."

Para Quadros, a saída de Dino deixará uma lacuna no governo, já que o Ministério da Justiça é considerado fundamental e há o risco de a pasta entrar na mira dos parlamentares do centrão em troca de apoio no Congresso. “É importante que o ministro da Justiça esteja alinhado com o presidente e o centrão só está alinhado consigo mesmo. O governo não pode amarrar a gestão a um apoio extremamente superficial. Imagino que essa pasta vá ser ocupada por alguém próximo ao presidente, que seja leal.”