Curitiba - Os riscos à democracia, o combate às fake news e estratégias para tornar a Inteligência Artificial (IA) uma aliada no processo eleitoral foram os temas de destaque nos três primeiros dias do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado desde quarta-feira em Curitiba. Promovido pelo Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), o evento reúne ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, além de advogados, juristas e cientistas políticos, em painéis e debates.

Em palestra na quinta-feira (13), o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a regulamentação das redes sociais como forma de conter a propagação de mentiras e os discursos de ódio. O também ministro do STF Flávio Dino fez uma fala com teor semelhante na manhã de sexta, ao dizer que os algoritmos serão os “senhores da nossa escravização” caso não haja limites para as plataformas digitais. Mas também houve opiniões no sentido de se buscar novos entendimentos e soluções.

Para o especialista em Direito Eleitoral Diogo Rais, é preciso trabalhar a legislação para ter a IA como uma aliada. “Nossa legislação se baseia na restrição de conteúdo, o que talvez seja impossível na internet. Ficamos enxugando gelo. A cada minuto, são 500 horas de novos vídeos no ar”, afirmou o jurista. “Se compararmos uma eleição com um game, o eleitorado antigamente ficava na arquibancada. Agora, passou para o espaço infinito das redes sociais. Talvez, a gente precise pensar mais na Inteligência Artificial como aliada.”

Doutor em Direito e professor de Direito Eleitoral, Fernando Neisser criticou a resolução do TSE que determina a retirada de conteúdos “inverídicos” ou possivelmente prejudiciais a candidatos, mesmo sem decisão judicial. Para o jurista, a resolução aprovada em fevereiro deste ano pelo TSE está em desacordo com o Marco Civil da Internet e possibilita a transformação das “plataformas em juízes”. “Fazer o controle do que é dito antes de publicar não é possível, factível nem lícito”, criticou.

O cientista político Frederico Alvim lembrou que IA generativa, que cria textos, imagens e vídeos, pode ajudar a politizar e dar igualdade de condições nas campanhas. Ele citou os exemplos do Paraguai e da Índia, onde a IA é usada para levar informação política a minorias étnicas. Para o pesquisador, é fundamental o eleitor ter consciência de que as redes sociais não são a realidade do mundo. “Quando abro uma rede social, vou acessar o mundo lido pelos algoritmos de quem grita mais. E quem grita mais provavelmente não é quem pensa direito.”

A jurista Estela Aranha expôs um dilema: a atuação de “influencers digitais” passou a interferir nas eleições e é preciso garantir condições de igualdade, mas é fundamental definir o limite da Justiça Eleitoral. “Você não pode querer que a Justiça Eleitoral cuide de todo mundo que fala de política”, afirmou a jurista, que disse esperar uma atuação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em relação à coleta ilegal de dados para segmentação de conteúdo e entrega de propaganda direcionada.

Novo Código Eleitoral

Na quinta-feira, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do novo Código Eleitoral, disse esperar que o Senado vote o projeto ainda neste semestre. O Código vai substituir sete leis e tem cerca de 900 artigos. “O sistema eleitoral é deformado. Em vez de ideias e programas, escolhemos pessoas. Nosso sistema eleitoral não busca escolher os melhores.”

Para Castro, a desigualdade na representação entre homens e mulheres na política é um dos problemas decorrentes do atual sistema, que segundo ele privilegia os mais ricos e pessoas com mais exposição, como pastores e apresentadores de TV. “No Código, propomos fazer uma reserva de 20% de cadeiras para as mulheres. Há cerca de mil cidades sem nenhuma mulher no Parlamento. Com o novo Código, toda a cidade terá pelo menos duas”, afirmou o senador.

O IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral será encerrado neste sábado (15). Promovido pelo Iprade, o evento é feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e com a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Ministros do STF defendem regulamentação das redes sociais

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, voltou a defender a regulamentação das redes sociais em palestra virtual no Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba nesta semana. Para ele, as plataformas vêm sendo usadas por movimentos extremistas, em vários países, com o objetivo de deslegitimar a democracia e o sistema de Justiça.

“O que se verifica é um movimento global de extrema direita que está procurando capturar corações e mentes. É um fenômeno global que conspirou contras as instituições com a utilização das plataformas digitais, das mídias sociais, para a disseminação de ódio e da desinformação, para a destruição de reputações e para a difusão de teorias conspiratórias geralmente atentatórias à democracia, procurando explorar sobretudo o medo das pessoas para cooptá-las para projetos autoritários”, afirmou Barroso.

Em palestra nesta sexta-feira (14), o ministro do STF Flávio Dino disse que há um “desencanto” mundial com as instituições, que leva a um questionamento dos fundamentos da democracia, como a separação dos Poderes, o voto e os direitos fundamentais. “Foi questionada a própria existência da expressão direitos humanos no debate público, isso foi propagado como sendo direito dos bandidos. Com isso, temos a proliferação de legislações do pânico.”

Flávio Dino disse que as redes sociais funcionam como “máquinas produtoras de inveja”. “Antes, a grama do vizinho era mais verde. Agora, a grama de todos os vizinhos do mundo é mais verde”, afirmou o ministro. “Isso mostra perda de autonomia, é um ditame eterno que nos leva a condicionamentos. Se não houver algum tipo de regulação, os algoritmos serão os senhores da nossa escravidão. As empresas de tecnologia querem estar acima de qualquer regulação, sobretudo em países periféricos.”