A jogada de Bolsonaro: driblar a saúde para marcar na economia
Cientista político e senadores paranaenses analisam crise política provocada por comportamento contraditório do presidente na pandemia da Covid-19
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 30 de março de 2020
Cientista político e senadores paranaenses analisam crise política provocada por comportamento contraditório do presidente na pandemia da Covid-19
Pedro Moraes - Grupo Folha
Nos campos de futebol, ver um belo drible é motivo de aplausos. Craques da bola têm a habilidade de olhar para um lado, enganar o adversário e chutar para a direção oposta. Na política, a tática pode não ser motivo de comemoração, especialmente quando o drible parece ser dado no cidadão. A comparação é da análise do cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, relativa ao comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), sobre ações no que diz respeito à pandemia da Covid-19 na última semana. “Ele me lembrou o Ronaldo Nazário quando jogava. Nesse caso, de uma forma ruim. O governo toma medidas em um sentido e, logo em seguida, o presidente dirige-se aos seus apoiadores em sentido oposto, chamando doença de uma gripezinha, por exemplo”, avalia Prando.
Uma verdadeira guerra foi instalada pelo núcleo mais próximo ao presidente numa espécie de tentativa de garantir uma posição de estabilidade de poder. O efeito, no entanto, vem sendo mais amplo. Contra os governadores pesa o fato de agirem com medidas de isolamento das populações. Estes são acusados de serem irresponsáveis com a economia. A imprensa, que vem exercendo papel ímpar no desejo de informar e, desta forma, garantir que as pessoas tenham defesa a partir de informações adequadas orientadas pelos gestores de saúde pública e pela ciência, também é alvo. O chefe do Executivo não cansa em dizer que a informação causa histeria. “Costumo sempre dizer que não há liderança na política que não seja exercida. Bolsonaro perdeu sua liderança para os governadores, que lidam diretamente com a crise, e para os meios de comunicação, que prestam bom serviço à sociedade”, aponta o professor.
Se nas ruas, inclusive de Londrina, um número de apoiadores do bolsonarismo pede a reabertura da economia, minimizando os possíveis impactos e a gravidade da infecção pelo coronavírus, os panelaços ecoaram por muitas cidades. É impossível medir se todos contrários ideologicamente ao governo, mas fato é que medo não tem legenda partidária.
A capacidade de gestão do próprio presidente vem sendo posta em prova. Um dos autores do pedido de impeachment que levou à cassação de Dilma Rousseff (PT), o jurista Miguel Reale Junior, defendeu publicamente que o Ministério Publico peça que Bolsonaro seja avaliado em sua sanidade mental e até ser considerado inimputável por ter participado pessoalmente de manifestações. “Não é à toa que já estejam surgindo pedidos de impeachment e processos a respeito de atentado à saúde pública. O fato é que Bolsonaro tem pouco apoio político, não tem um partido e se mantém garantido pelos seus 30% mais fiéis do eleitorado. A crise, no entanto, muda toda a semana e a opinião pública também pode se alterar”, analisa Prando.
EFICIÊNCIA
As medidas econômicas começam a sair das cabeças dos gestores públicos para ganhar as páginas das leis. A ajuda aos trabalhadores mais carentes de R$ 600 por mês saiu melhor do que o planejado. O governo iniciou a negociação com R$ 200; depois de idas e vindas com a Câmara, Bolsonaro, no auge de sua autoridade, aumentou o que havia sido acordado. Afinal, a palavra final deveria ser dele. Num pacote anunciado na sexta-feira (27), a equipe do Ministério da Economia apresentou uma proposta de ajuda às empresas no montante de R$ 40 bilhões, custeado pelo Tesouro Nacional para pequenas e médias empresas pagarem suas folhas de pagamento.
Apesar das decisões, na política, o que vale é a prática. “As medidas estão sendo anunciadas, mas ainda não estão sendo praticadas. Não pode ser bom de anúncio e ruim de eficiência. Neste momento, apoiamos a necessidade do uso das medidas provisórias, devido à necessidade de emergência e importância. Creio que há necessidade, nessa relação de capital e trabalho, de proteger os mais fracos”, defende o senador Alvaro Dias (PODE-PR).
SERVIDORES
Além da iniciativa privada, o setor público e os servidores deverão ser impactados pelas perdas causadas pela pandemia. Já se cogita redução de salários do funcionalismo, numa decisão que deve atropelar a aguardada Reforma Administrativa. Alvaro Dias defende, inclusive, que o corte seja feito de imediato nos rendimentos e privilégios dos políticos.
No cálculo de Dias, os privilégios somados chegam a R$ 38 mil por mês, enquanto o salário dos parlamentares é de R$ 23 mil. Se todos os congressistas abrissem mão, resultaria em uma economia mensal de R$ 14,8 milhões, que poderiam ser utilizados diretamente na Saúde Pública em um momento como este. “Há uma dificuldade na compatibilização entre salvar vidas e as empresas. O que fazer? Qual limite devemos avançar os prejuízos econômicos? O fato é que a prioridade é a saúde pública. Devemos tratá-la como uma lei suprema”, defende.
UNIÃO
Colega de bancada pelo Podemos do Paraná, o senador Oriovisto Guimarães afirma que o cenário deveria inspirar o sentimento de união. O parlamentar defende o prosseguimento das medidas de isolamento dos setores não essenciais e é a favor das medidas de auxílio social. No meio do calor das discussões políticas partidárias, busca tentar apagar o incêndio. “Não é hora de acirrar disputas políticas, não é hora de querer impor um ponto de vista à força”, afirma.
Apesar do tom pacífico, ele critica aqueles que vêm fazendo contas frias sobre as possíveis vítimas dessa grave crise. “Começa todo mundo a fazer estatística. É fácil, mas quando um ente querido seu morre, não é uma estatística. Aí, não importa. Ninguém é dono de verdade. Temos que ter calma e solidariedade, especialmente com aqueles que têm mais dificuldade”, conclui.
IMPENSÁVEL
Fato notório é que, desde o princípio do atual governo, o ministro da Economia Paulo Guedes, com sua agenda neoliberal, apontava para cortes, com a tesoura das reformas nas mãos. Não havia no radar a chance de uma enorme ação social em meio à calamidade pública. A dificuldade em lidar com a atual situação parece compreensível. O senador Flávio Arns (REDE-PR) teme exatamente o que pode ser a consequência deste caminho. Desprezar o perigo seria uma espécie de “salve-se quem puder”, como ele mesmo afirma.
“Tenho certeza de que agora é a hora de ouvir o que as autoridades da saúde têm a dizer, eles são os especialistas. E seguir as recomendações. Assim, temos grande chance de evitar que a pandemia se torne ainda pior. Agir na contramão da medicina é impensável”, defende Arns, que conclui. “O momento exige a união de todos: governos, parlamento e sociedade. O presidente precisa fazer parte deste processo. Aliás, tem que conduzir”. O difícil é saber para onde Bolsonaro vai mirar seu próximo chute.
PASSEIO
O presidente saiu na manhã deste domingo (29) de sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, em Brasília, para visitar pontos de comércio local e o Hospital das Forças Armadas. A visita a diferentes pontos de Brasília causou aglomeração de pessoas, no momento em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda isolamento para evitar o contágio pelo novo coronavírus.
Bolsonaro falou com funcionários de um posto de combustível, de uma farmácia, de um mercado e com vendedores. Também conversou com um assador de churrasco em espetinhos e defendeu sua visão de o comércio ficar aberto. “Eu defendo que você trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa. Às vezes, o remédio demais vira veneno", afirmou o presidente, que evitou cumprimentar pessoas com apertos de mão.
O giro do presidente ocorre um dia após o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ter reforçado a importância do distanciamento social à população nesta etapa da pandemia do novo coronavírus. (Com Folhapress)