Testamento: palavra que assusta. Não devia, ao contrário. Trata-se de apenas um – dentre os diversos instrumentos e arranjos possíveis – meio de exercício de liberdade individual, por meio do qual é possível estabelecer diretivas que surtirão efeitos após a morte.

Significa que a sua vontade será respeitada por aqueles que, por lei ou por escolha, forem indicados, se, obviamente, devidamente observados os requisitos e os limites previstos na legislação brasileira para a sua elaboração.

E estes requisitos e balizas são diversos e, em certa medida, complexos, motivo pelo qual recomenda-se, com rigor, que a sua elaboração conte sempre com o auxílio de um advogado especialista e seja periodicamente revisitado, uma vez que lhe toca a característica da revogabilidade.

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É recorrente vermos na imprensa casos polêmicos envolvendo o tema, geralmente circunscritas aos muitos milhões de reais e pessoas públicas. Mas o testamento não se limita às questões patrimoniais e, todos nós, desde que juridicamente capazes, podemos utilizá-lo como um instrumento de planejamento patrimonial e sucessório, que pode desempenhar papel significativo na prevenção de conflitos.

Por meio de um testamento, por exemplo, é possível realizar a declaração de reconhecimento de um filho, nomear tutor ou curador aos filhos ou pessoas com deficiência, assim como ordenar a deserdação de um herdeiro necessário, mediante a descrição da ocorrência de uma das causas previstas na lei, cabendo ao herdeiro instituído ou àquele a quem aproveite a deserdação, em ação própria, provar a veracidade da causa alegada pelo testador.

No Brasil, o testamento é pouco utilizado, ainda que detectado crescimento durante o período em que acometido por gravíssima crise sanitária mundial. Não pode e não deve, contudo, ser compreendido como inacessível e distante de nossas realidades.

A título de exemplificação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas apresentam perfil familiar no Brasil. Empresas familiares são realidade, portanto, próximas de todos nós. Não são raros os casos em que, após o falecimento daqueles que as conduzem, as atividades e os negócios passem a enfrentar graves dificuldades ou deixam, até mesmo, de existir.

Nesse contexto, pode o testador nomear um administrador provisório dos bens do espólio até que seja ultimada a partilha garantindo, assim, a continuidade dos negócios. Pode-se, por meio do testamento, versar sobre todo o patrimônio construído em vida, conforme já devidamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A legítima dos herdeiros necessários poderá ser referida no testamento porque é lícito ao autor da herança, em vida e desde logo, organizar e estruturar a sucessão, desde que seja mencionada justamente para destinar a metade indisponível, ou mais, aos referidos herdeiros, sem que haja privação ou redução da parcela a que fazem jus por força de lei”.

O exercício da liberdade individual com efeitos para após a morte exige a busca incessante da preservação da manifestação de última vontade do falecido, sem descurar da função social da propriedade e da necessária adequação e comodidade na realização da partilha de bens, a fim de compatibilizar uma história de vida com as necessidades de cada herdeiro e as possibilidades do exercício e continuidade dos negócios.

O testamento convive com o paradoxo de ser o mais clássico e conhecido instrumento de planejamento sucessório sem ao menos ser utilizado pela maior parte da população. O clichê da única certeza é inafastável, assim como são fatos incontroversos os numerosos e infindáveis conflitos sobre sucessão.

O testamento, aliado a outros instrumentos de planejamento patrimonial em vida e após a morte, precisam não somente ser conhecidos como efetivamente utilizados, pois são capazes de prevenir conflitos entre os herdeiros, assegurar a continuidade dos negócios familiares, resguardar os interesses de crianças e adolescentes e daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, impondo, assim, respeito às vontades individuais após o passamento.

Mesmo não estando mais aqui, nossa história poderá ser perpetuada com menos conflitos e mais efetividade, em benefício não apenas dos herdeiros, mas de toda a sociedade.

Lídia Noronha, advogada especialista em Direito Empresarial, em Direito Constitucional e Democracia e em Direito das Famílias e Sucessões. Sócia do escritório Fachin Advogados Associados

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