ESPAÇO ABERTO - Negacionismo que mata
A dúvida sobre a credibilidade das fontes oficiais não surge gratuitamente. Ela vem eivada da ideologia que a precede e a condiciona
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terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
A dúvida sobre a credibilidade das fontes oficiais não surge gratuitamente. Ela vem eivada da ideologia que a precede e a condiciona
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
A morte recente do chamado filósofo Olavo de Carvalho agitou, favorável ou desfavoravelmente, os meios alternativos de comunicação, ironicamente usados sobejamente pelos seus adeptos para divulgarem as suas teorias. Como é conhecido, ele negou com veemência a gravidade da pandemia e a vacina e se enquadrou, portanto, num pano de fundo bem mais amplo a que se designou chamar de negacionismo. Embora o termo não seja novo e caracterize uma realidade secular de desconfiança da ciência no início da Idade Moderna, ganhou os holofotes da infâmia nos últimos quarenta anos, a propósito dos horrores da Segunda Guerra Mundial, negados por simpatizantes do nazismo.
Não são poucos os que atribuem o fenômeno ao surgimento das novas mídias, das redes sociais e dos aplicativos à disposição da maioria. Para eles, a desconfiança nas instituições e em seus líderes, na autoridade em geral e na legitimidade dos sistemas de produção e disseminação da informação e do conhecimento estão na raiz do negacionismo. É uma verdade parcial. A dúvida sobre a credibilidade das fontes oficiais não surge gratuitamente. Ela vem eivada da ideologia, que a precede e a condiciona.
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Noutros termos, o negacionismo é sempre politizado. Com ele são rapidamente politizados também os assuntos mais variados, comumente submetidos à autoridade idolatrada ou às convicções arraigadas, que dominam todo o ser, incluindo-se o tal do bom senso. Enganam-se os que acham que o negacionista tem como alvo a ciência! Ele é, sim, um crédulo fanatizado a favor dos objetivos que o levam a negá-la! Portanto, não existe nenhuma incredulidade.
Alguns que negaram o holocausto e os horrores nazistas foram acionados em tribunal e até condenados por nítidas posturas criminosas, como o caso da historiadora Deborah Lipstadat, que foi processada por David Irving, um escritor simpatizante do nazismo, após acusá-lo de ser um negacionista do Holocausto. O processo concluiu que Irving promoveu a negação do genocídio dos judeus, além de ter sido antissemita e racista!
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Porém, querido leitor, sejamos sensatos. Numa família em que todos têm acesso a essas mídias e as usam como processo básico de comunicação familiar, a confiança é tudo. O cunhado vira doutor em bioética, a prima distante se torna especialista em nanotecnologia e a sobrinha que termina o colegial no próximo ano entende muito bem os mecanismos de contágio de um vírus, que a ciência está estudando e tentando enfrentar.
Esses conhecimentos transmitidos no meio familiar têm a chancela do afetivo e da confiança que em geral existe entre os seus membros. Um deles que tenha aderido à ideologia de politização de um assunto vira o guru ou, dependendo, a vítima num país polarizado. São inúmeras as famílias que não conseguem mais almoçar tranquilas ao domingo! Por outro lado, estes núcleos familiares e sociais tornam-se o terreno fértil para o trânsito de notícias duvidosas e teses conspiratórias. As chamadas fake news impõem-se nestes grupos como verdades bíblicas, referindo-me, é claro, ao tempo em que a Bíblia tinha um valor absoluto!
Fenômenos de líderes negacionistas que arrastam inúmeros seguidores são ancestrais. A base é sempre comum: descontentamento com o status quo na política, na educação, na religião, na ciência. O que também não causa mais surpresa é que as alternativas oferecidas por esses gurus descambam quase sempre no mesmo chão que criticavam. Alguns, inclusive, visam o governo de um país. Com que objetivo, se não impor ferrenhamente a sua ideologia, ao fomentar “instituições sem partido”, por exemplo?
O negacionismo está para eles como a rampa de lançamento está para naves espaciais! Ao se negar a vacina e as medidas preventivas, como máscara, etc, defende-se o Kit Covid com os medicamentos sem comprovação de eficácia e em alguns casos prejudiciais. O resultado é proporcional à confiança que inspiram os líderes e os pseudocientistas. Ora, um negacionismo, assim, aproxima-se do charlatanismo, ao demolir teses comprovadas e adoptar outras, segundo conveniências políticas e ideológicas.
O negacionismo mata. A crença nas instituições e na ciência não é um detalhe para a sobrevivência do sapiens no esférico globo terrestre.
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese Londrina