Mais uma vez a dor traz importantes lições para o mundo. A lição da interconectividade e da interdependência nos é passada pela natureza a todo o momento. Não existimos isoladamente, mas graças a uma teia infinita de relações complementares que permitem que a vida se viabilize, o que demanda cuidados mútuos. Contudo, a ganância que levou a invadir habitats naturais intocados provocou a desestabilização de ecossistemas e a liberação de microrganismos que chegaram até nós sem que tenhamos imunidade para enfrentá-los.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Lições do vírus
| Foto: istock

Como já havia sido ensinado por outras epidemias, como a da dengue, não basta cada um cuidar do seu “quintal”, o problema só é superado quando o esforço é conjunto. Não é suficiente que um país, região ou cidade vacinem toda a sua população e sigam as recomendações cientificas, se o compromisso não for assumido de forma generalizada o problema não será superado, pois basta que uma única região não participe, para que novas cepas surjam e o mundo permaneça em risco.

Diferentemente do que foi apregoado no inicio da pandemia, o vírus não é democrático, mata prioritariamente os mais vulneráveis, os pobres, com dificuldade de acesso a saúde de qualidade e vacinação. Enquanto alguns países ricos têm mais de 90% da população vacinada, muitas nações pobres não ultrapassaram 3% de imunizados, não têm a opção de teletrabalho e ainda têm que compartilhar espaços superlotados e insalubres.

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Mas de todas as lições trazidas pelo vírus, a mais contundente e dramática é a percepção da fragilidade da vida, e que só o cuidado compartilhado de todos para com todos pode nos dar segurança. Só protegendo os outros, estaremos protegidos. Nossa existência é curta, e nunca é demais refletir sobre o sentido que lhe queremos dar. Em momentos extremos como o atual, tendemos a ser confrontados com a realidade nua e crua, sem maquiagem, o que faz aflorar o fundamental, o que nos humaniza e pode salvar, a cooperação e a solidariedade.

Nos últimos 40 anos imperou o discurso de que o Estado era indesejável, entendido como ineficiente, a solução encontrava-se nos mercados, no individualismo e na competição sem limites. Defendeu-se a privatização de quase todos os serviços públicos, dentro da lógica de que para se ser bem atendido tem que se pagar. Em 2019 veio a pandemia e os estados demonstraram sua essencialidade, foram protagonistas absolutos no enfrentamento da hecatombe. A lição foi dada, serviços essenciais não podem ser privatizados, ou a vida será negociada e nossa espécie aniquilada.

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Outra lição da pandemia é de que a lei das vantagens comparativas de David Ricardo não se sustenta. Em nome de se privilegiar o que o mundo faz de melhor e mais barato, a maioria dos países desativou a produção interna de itens essenciais. A dependência desses bens, gerou uma corrida mundial para as poucas nações que monopolizam essa produção. Os Estados Unidos, maior potência industrial do século XX, se viu obrigado a importar luvas, máscaras e respiradores da China, algo impensável em passado recente.

A pandemia ainda não foi vencida, mas já se pode afirmar que o que nos salva não são poções mágicas, ações populistas ou o negacionismo irresponsável, mas a ciência e a cooperação. Estados Unidos e Brasil – criaram um trade off entre economia e vida, negaram a gravidade da pandemia para que a economia não fosse afetada, resistiram ao confinamento e a medidas protetivas, resultado: foram os dois países com maior número de mortes e com a recuperação econômica mais tímida.

A questão que se coloca é se aprendemos alguma coisa com um desastre que já matou mais de 5,5 milhões de pessoas, muitas delas evitáveis, ou continuaremos insanos e prontos a repetir os mesmos erros.

Miguel Luzio Santos, Professor de Socioeconomia da UEL

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