Em um dos laboratórios do CTU (Centro de Tecnologia e Urbanização), no campus da UEL (Universidade Estadual de Londrina), uma professora e nove estudantes desenvolvem uma pesquisa que pode fazer de Londrina uma potência no que diz respeito a casas impressas. O termo pode parecer estranho à primeira vista, mas nada mais é do que a construção de moradias através da utilização de uma impressora 3D.

Professora do curso de engenharia civil, Berenice Martins Toralles conta que os estudos envolvendo a impressão 3D começaram há cerca de seis anos, com alunos dos anos finais da graduação, e depois seguiu para o doutorado, com uma tese sobre o desenvolvimento de materiais que poderiam ser impressos.

Segundo ela, a construção de casas via impressora 3D requer materiais mais complexos do que os convencionais, que vêm sendo estudados na universidade. “O material precisa de condicionantes para poder ser impresso”, explica. O material desenvolvido na UEL é a base de cimento, além de outros aditivos, muito semelhante ao tradicional.

O material cimentício é colocado na bomba, que faz a mistura junto à água e a impressora que, já com informações do projeto arquitetônico, faz a impressão de toda a parede da casa (e não de tijolo por tijolo), inclusive com um vão de ar entre as camadas, o que traz isolamento e conforto térmico. O equipamento pode ser levado para o local em que a casa vai ficar ou as peças são impressas e encaminhadas para a montagem final.

IMPRESSORA PRÓPRIA

Durante a última edição do Paraná Faz Ciência, no final de 2023, o projeto foi apresentado e atraiu a atenção do secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Aldo Bona, como conta Toralles, pelo caráter acadêmico, assim como pelo potencial de ajudar a minimizar um problema social. “É uma forma mais rápida e sustentável de construir”, aponta.

Como a UEL não tinha uma impressora 3D própria, a pasta liberou R$ 1,2 milhão para a compra do equipamento, da bomba extrusora e do material cimentício. Em fase licitatória, a expectativa é de que a impressora chegue à universidade e comece a ser utilizada ainda no primeiro semestre de 2025.

VANTAGENS

Dentre as principais vantagens, a professora aponta a rapidez, já que a base estrutural de uma casa de 38 m² ficaria pronta em, no máximo, uma semana. No modelo tradicional, a obra dessa mesma casa seria finalizada entre seis e sete meses. “Dependendo da complexidade do modelo arquitetônico, em dois dias você teria as paredes já prontas”, afirma.

A redução de mão de obra e o desperdício de materiais, que chega a ser quase zero, também são benefícios. Ela aponta que a construção civil é um dos setores que mais poluem e que esse modelo de construção ajudaria a reduzir esses impactos ambientais, tanto por evitar o desperdício quanto pelo fato de que os rejeitos podem ser reaproveitados em novas construções.

DIFERENCIAL

Apesar dos custos envolvendo o equipamento, ao analisar o processo como um todo, como a agilidade e a redução do desperdício, a construção de casas através da impressora 3D sairia mais em conta, segundo ela. A professora estima que o valor ficaria na faixa dos R$ 80 mil para cada moradia. “Claro que é um valor estimado, podendo variar para mais ou para menos”, destaca.

“É um diferencial podermos contar na universidade com uma tecnologia aditiva e inovadora, que irá beneficiar tanto a academia, com estudos avançados, quanto a sociedade, com a possibilidade de atendimento a uma demanda social reprimida”, destaca.

Ela reforça que a impressão 3D de casas já vem sendo estudada em diversos países, mas que não conhece outra universidade brasileira que disponha de uma impressora desse tipo. “Tenho certeza que será um diferencial para Londrina”, afirma.

VULNERABILIDADE SOCIAL

A partir do recebimento da impressora, a professora Berenice Martins Toralles, da UEL, explica que a ideia inicial é construir um protótipo de uma moradia dentro da universidade para que sejam avaliados os gargalos e as principais dificuldades que podem aparecer. Entretanto, a longo prazo, o foco é transformar o projeto de pesquisa em extensão para que, vinculado à comunidade, eles possam atender demandas da cidade de Londrina no que diz respeito a moradias para pessoas em situação de vulnerabilidade social.

NA FILA DA COHAB

Com aproximadamente 2.500 pessoas vivendo em áreas irregulares em Londrina, de acordo com dados da Cohab-LD (Companhia Habitacional de Londrina), a ausência ou insuficiência de renda é o principal fator que coloca as famílias em situação de vulnerabilidade. “Muitas vezes, a alternativa encontrada é a ocupação de áreas de forma irregular para solucionar a demanda por moradia”, aponta a diretora técnica da Cohab-LD, Edna Braun, complementando que a pandemia da Covid-19 contribuiu para o agravamento desse problema social.

Sobre a possibilidade futura da utilização de impressoras 3D para a construção de casas para pessoas em situação de vulnerabilidade social, ela destaca que a companhia está sempre aberta para parcerias que possam beneficiar a população e atender à demanda por moradias em Londrina. “O enfrentamento ao déficit habitacional deve ser feito a várias mãos”, garante.

Para ela, a tecnologia tem papel fundamental, tanto no que diz respeito à construção de moradias quanto na melhoria da qualidade de vida da população mais vulnerável. “Nosso desafio não é só construir moradias, mas também promover a geração de trabalho e renda para superar as desigualdades e garantir, além das moradias, a condição para que essas famílias consigam mantê-las em boa condição de uso e atender as demais necessidades básicas”, afirma.

ALTERNATIVA

Para Berenice Martins Toralles, essa é uma nova forma de se construir, que não vai substituir por completo o modelo tradicional, mas que pode auxiliar na retirada de famílias de situações de vulnerabilidade social e de áreas irregulares, assim como se apresentar como uma solução para o agronegócio durante as safras, em que os trabalhadores e suas famílias precisam ser acomodados no campo.

Ela detalha que as casas também poderiam ser vistas como uma alternativa em casos de desastres naturais, como visto no Rio Grande do Sul, em que as famílias afetadas teriam uma casa para viver com dignidade. “É um caminho. Nós estamos colocando a inteligência artificial e automação na construção civil”, pontua.

CONHECIMENTO DIVULGADO

Presidente do Sinduscon Norte Paraná (Sindicato da Construção Civil no Norte do Paraná), Célia Catussi aponta que o setor entende que a utilização de impressoras 3D na construção civil já é uma realidade, mas que é uma tecnologia que ainda engatinha no Brasil. “Com a Universidade Estadual de Londrina trazendo a impressora para perto, a gente vai ter a condição de fazer testes iniciais, entender como vai funcionar, então o conhecimento vai ser mais divulgado”, ressalta.

O que é considerado como inovação sempre vem com um custo acima do convencional, observa a presidente, sendo esse uma das principais barreiras. “Toda a parte de impressora 3D e novas tecnologias que a UEL está oferecendo para o setor, para a gente é muito importante”, aponta.

Ainda muito artesanal, um dos principais desafios que vêm sendo enfrentados pela construção civil é a falta de mão de obra. Catussi afirma que toda a tecnologia que vem para industrializar a construção civil é benéfica, mas que, nesse cenário, a demanda por uma mão de obra especializada vai se tornar necessária. “Você vai diminuir a quantidade de operários, de funcionários de uma construtora, mas ao mesmo você vai ter que treinar essas novas profissões que vão surgindo no nosso setor.”