Nunca se falou tanto em mudanças climáticas no Brasil como nos últimos meses. O assunto que era debatido em pesquisas e alertas feitos por cientistas da área, virou tema comum após as recentes enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Norte e Sudeste do País. Mas será que situações assim também podem ser vivenciadas no Paraná? Quais os impactos das alterações no clima para o Estado?

A discussão também é recorrente por conta do clima seco e da onda de calor que toma conta do Paraná. E a previsão não é animadora. Nos próximos dias, as temperaturas devem permanecer altas em toda região e sem possibilidade de chuvas, com a máxima podendo chegar aos 37°C no fim de semana.

A umidade relativa do ar chegou a 14% nesta terça-feira (3) em Londrina, de acordo com informações do Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná). A porcentagem é considerada crítica, já que, para estar em um patamar considerado aceitável, deve ficar acima de 60%.

A expectativa é que o ar volte a ficar mais úmido a partir de sexta-feira (6), quando uma chuva de 10 mm deve subir os níveis para 60%, porcentagem mínima de umidade considerada saudável.

A situação está crítica, de acordo com o Simepar, pelo fato de uma massa de ar quente estar sobre a Região Sul. O fenômeno, em combinação com as queimadas em vários pontos do território nacional, contribuiu para a intensificação e agravamento da situação

A FOLHA conversou com o professor do Departamento de Geografia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Francisco de Assis Mendonça, que é coordenador do NAPI Emergência Climática (Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação), um grupo de pesquisadores focado em buscar soluções para minimizar o problema.

De que maneira o Paraná já sofre com os efeitos das mudanças climáticas?

No Paraná, por exemplo, a gente tem registrado variações climáticas muito importantes a cada cinco ou dez anos, com vendavais muito fortes, agora começamos a registrar tornados que não ocorriam em registros anteriores e secas prolongadas. Veja bem, durante a pandemia nós tivemos dois anos sem água no Paraná, particularmente na parte leste. Além de eventos com ondas de calor e de frio muito fortes. Então, a gente já tem registrado muitas mudanças climáticas por aqui e que têm se intensificado bastante.

E o que provoca todos esses efeitos? Qual a contribuição do Estado para o avanço dessas mudanças climáticas?

Eu citaria o fato de o Paraná ter sido um dos estados mais desmatados em cem anos, desde que houve um movimento no começo do século 20 da entrada da agropecuária em grande escala no Norte Pioneiro e que seguiu até os anos 60 e 70 no Noroeste, Oeste e Sudoeste. Isso somou-se ao desmatamento que já era considerável da Mata Atlântica e essas mudanças já estavam sendo registradas no Paraná, gerando muitas erosões e aquecimento muito rápido em algumas regiões do Estado.

Essas mudanças climáticas têm provocado alterações nas estações do ano? Por exemplo, a percepção de que o inverno já não é tão frio ou que o verão é mais rigoroso são reais?

Relativamente, sim. Mas a memória humana é seletiva. Então, muitas vezes as pessoas dizem “Agora não faz mais frio como no passado”. Não, às vezes faz. O que acontece é que as mudanças climáticas têm alterado essas situações. Se outrora, no passado, existiam invernos mais frios e mais longos, agora eles são mais curtos e com temperaturas não tão baixas como no passado. Nos dados que temos do Paraná, as principais alterações de clima são no outono e na primavera, com dias mais aquecidos e a distribuição das chuvas também tem sido muito alterada, com mais chuvas concentradas.

Em relação às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul recentemente, o nosso Estado tem risco de sofrer com algo parecido?

Há em primeiro lugar uma diferenciação muito importante entre a geografia do território do Rio Grande do Sul e a do Paraná. O estado do Rio Grande do Sul tem um conjunto de rios que nascem na porção centro-norte e que deságuam no Guaíba ou no Rio Uruguai. Há toda uma série de sequências como se fosse uma escada em ritmo sequencial caindo para o oceano Atlântico. Aqui no Paraná não. Nós temos uma gigantesca bacia hidrográfica do Rio Iguaçu, a bacia do Paranapanema ao norte e as bacias interioranas mais distribuídas. Aqui no Paraná nós não temos nenhuma grande cidade às margens de um lago como é o Guaíba, embora tenhamos historicamente inundações recorrentes em União da Vitória. O que pode acontecer aqui, havendo uma concentração de chuva tão alta como foi no Rio Grande do Sul, é muito deslizamento de terra, interrupção de circulação em rodovias impactadas e reflexo na agricultura por conta das erosões. Não aconteceria aqui no Paraná um evento igualzinho ao Rio Grande do Sul, os impactos seriam diferentes e muito graves, mas não na mesma proporção.

Como minimizar os efeitos? Ainda é possível fazer algo?

Há muito o que se fazer. O que se pode fazer é uma reorganização do modelo de desenvolvimento que foi aplicado nos últimos cem anos no Estado. O Paraná perdeu, entre 1890 e 1990, 90% da cobertura de matas, que foram retiradas para produção agrícola e implantação de rodovias e cidades. Era um modelo que atendia a ideia de desenvolvimento da época, que foi extremamente danoso e que precisa ser revisto. Isso não quer dizer que a gente tenha que voltar a viver na idade da pedra. Quer dizer que precisa ser feito um reflorestamento das áreas que são de recarga de água na natureza, por exemplo. Se a gente quer garantir um futuro da sociedade paranaense, a gente tem que pensar nisso.

E diante de tudo isso, como funciona o trabalho do NAPI aqui no Paraná?

Nós estamos liderando e construindo um grupo com mais de 200 pesquisadores chamado NAPI Emergência Climática. Estamos no segundo ano mapeando e diagnosticando a mudança climática no Estado, e daqui a um ano e meio vamos apresentar para as autoridades medidas que o Estado possa desenvolver visando a prevenção de mudança climática.