A Câmara dos Deputados aprovou no dia 11 de setembro um projeto de lei que aumenta para até 40 anos a pena para quem comete feminicídio, que é o assassinato de mulheres em razão do gênero. A decisão é vista como positiva por especialistas, que complementam que a punição também deve vir acompanhada de ações educativas, de prevenção e de proteção às mulheres. O texto segue agora para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com os dados catalogados pelo Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídios), vinculado à UEL (Universidade Estadual de Londrina), o Brasil registrou 905 casos de feminicídio consumado e 1.102 tentados no primeiro semestre de 2024. No Paraná, de janeiro a junho, foram 168 ocorrências, sendo 69 consumados e 99 tentados, ficando atrás apenas de São Paulo, com 283, em relação ao número de casos. Dentre as cidades, Curitiba lidera com 12, seguida de Cascavel e Toledo, com 7cada, e Araucária, com 6. Já Londrina fechou o primeiro semestre com dois casos de feminicídio, sendo um tentado e outro consumado.

Promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná, Ticiane Louise Santana Pereira explica que todo tipo de visibilidade sobre a mortalidade mulheres deve ser comemorado pelo fato de que, historicamente, o assunto nunca foi amplamente debatido, exemplificando que até 2015 não havia um nome para definir a morte de mulheres pela condição de serem mulheres.

Apesar de garantir a visibilidade, o projeto de lei 4.266/2023 não traz aspectos relacionados à educação e ressocialização de condenados por feminicídio, assim não há uma preocupação com a educação social que previna meninos e meninas de cometerem esse tipo de crime. “Não se pode pensar em dar visibilidade a problemas que circundam à questão da letalidade feminina sem, anexo a isso, se pensar em uma prognose reeducadora para o futuro”, ressalta.

A respeito do aumento de pena, que pode chegar a até 40 anos, a promotora aponta que a responsabilização de culpados é um ponto importante e que precisa acontecer. “Nós não podemos esquecer que a punição é um ponto de partida, mas não um ponto de chegada”, afirma.

Segundo ela, precisa haver uma preocupação com a gestão da pena do homem, como a participação em grupos reflexivos e de ressocialização para que o autor volte renovado à sociedade por meio de uma discussão profunda sobre o ato pelo qual foi condenado.

Além da falta de mecanismos que envolvam a ressocialização e a educação, a promotora também lamenta o fato de que as qualificadoras do homicídio, como motivo torpe, meio cruel, entre outros, foram retiradas do feminicídio, que agora passa a ser um crime autônomo. “O argumento de se punir muito invisibiliza a mulher e as condições em que ela morreu e torna difícil as condições de individualização da pena daquele homem”, explica.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Segurança Pública não comentou o assunto.

Para que a mulher possa viver

Sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, uma jovem de 22 anos, que não será identificada, afirma que vê o aumento da pena como fundamental para que a mulher consiga viver após tanto sofrimento. Apesar disso, garante que a lei é falha em muitos casos, já que após serem liberados, muitos homens retornam para matar as mulheres. A fala reforça a necessidade de promover uma ressocialização e reflexão do homem a respeito do crime cometido.

A jovem conta que o ciclo de violência começou ainda criança, quando passou a ser abusada sexualmente pelo então padrasto. Anos e anos depois, mãe de um filho do agressor, a jovem foi vítima de uma tentativa de feminicídio ao levar quatro tiros no dia do próprio aniversário, em fevereiro de 2022.

Hoje, dois anos após o crime, ela afirma que tenta levar uma vida normal. “Tento seguir em frente de consciência limpa de que fui uma vítima”, destaca. O agressor foi condenado a 33 anos de cadeia, mas cumpre a pena domiciliar por estar na cadeira de rodas.

Redução da subnotificação

Porta-voz do Néias (Observatório de Feminicídios de Londrina), Silvana Mariano afirma que o projeto de lei é uma importante iniciativa no enfrentamento à violência contra a mulher, mas que a punição não é suficiente no que diz respeito ao combate ao feminicídio.

Segundo ela, o aumento da pena pelo crime deve ser pensado juntamente com ações de prevenção e de restituição dos direitos das vítimas. No Brasil, a punição é adotada como forma de responsabilizar apenas o indivíduo autor do crime, mas ao abranger outras ações, como a prevenção, isso amplia a responsabilização também para a sociedade e, principalmente, para o Estado.

A pesquisadora afirma que um dos pontos mais importantes é a transformação do feminicídio em um crime autônomo, já que hoje ainda é considerado como um qualificador do homicídio, pelo fato de que pode ajudar a reduzir a subnotificação dos casos. “Para isso, a expectativa é de que haja mais diligências, mais investigações e um esforço das autoridades competentes para o devido enquadramento de mortes violentas e intencionais de mulheres motivadas pela condição de gênero nesse novo tipo criminal, que é o feminicídio”, pontua.

Ao abordar o enfrentamento ao feminicídio, é necessário fortalecer a rede de serviços que a vítima pode buscar, como no caso de sobreviventes, que precisam de uma reabilitação após o crime. “Penas mais severas são importantes porque passam o recado à sociedade de que são crimes dos quais não são tolerados. Nós passamos uma mensagem de que esse tipo de crime não é aceitável”, reforça.

O texto também aumenta o tempo de cadeia para quem comete lesão corporal ou ameaça contra mulheres, que são tipos de crime que estão intimamente ligados à violência doméstica e ao feminicídio. Para Silvana, esse aumento da pena tem um caráter pedagógico e reforça que os crimes contra as mulheres, independente do grau e da intensidade, não serão tolerados.