Brasília - O MPF (Ministério Público Federal) recomendou que o governo Jair Bolsonaro se abstenha de criar uma espécie de "tribunal ideológico" para questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou que o ato pode representar ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias.

O plano de criar uma comissão de revisão ideológica de questões do Enem surgiu após o ministro Milton Ribeiro ter afirmado que desistira de conferir pessoalmente as questões
O plano de criar uma comissão de revisão ideológica de questões do Enem surgiu após o ministro Milton Ribeiro ter afirmado que desistira de conferir pessoalmente as questões | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A Folha de S.Paulo revelou em junho que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) tinha pronta uma portaria que estabelece uma instância permanente de análise ideológica dos itens das avaliações da educação básica. O documento prevê veto a "questões subjetivas" e atenção a "valores morais".

O posicionamento da procuradoria vem após questionamento do PSOL com base nas revelações da reportagem. Em julho, o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, negou na Câmara que a iniciativa sequer existisse, o que contradiz os registros dos processos internos.

A procuradoria, no entanto, confirma a tramitação dos processos, como já mostrado pela Folha, bem como a existência da minuta que "estabelece critérios de avaliação e institui a Comissão de Revisão dos processos de Avaliação da Educação Básica". Questionado, o MEC e Inep não responderam.

O MPF considerou que "a pretensa neutralidade ideológica da proposta, na verdade, pode esconder um conjunto de ideias contrárias ao pluralismo de ideias e à liberdade de expressão". "A liberdade de expressão protege simultaneamente os direitos daqueles que desejam expor suas opiniões ou sentimentos e os direitos do público em geral de ter acesso a essas expressões", diz o texto da procuradoria, encabeçado pelo subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena.

A recomendação do MPF dá cinco dias ao Inep, contados a partir da última sexta-feira (1º), para que o órgão informe se seguirá ou não com o plano de criar essa instância de análise ideológica da prova. A ausência de uma resposta "será interpretada como recusa, passível da adoção de medidas judiciais", diz o texto.

O documento diz ainda que a ideia do governo Bolsonaro relaciona-se ao projeto "Escola sem Partido", já declarado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ao analisar a situação, a procuradoria ainda pontuou que a "doutrina convencionou chamar de 'anti-intelectualismo' o movimento que se manifesta sob diversos meios a partir de ataques diretos ao ensino com cortes orçamentários não justificados, expurgo de professores tidos como inimigos e proibição de discussão de questões de gênero ou relacionadas às minorias em geral".

O plano de criar uma comissão de revisão ideológica surgiu após o ministro ter afirmado, em outra audiência na Câmara, em 9 de junho, que desistira de conferir pessoalmente as questões do Enem. Aos congressistas, ele não citou, no entanto, planos para uma nova instância de análise das questões.

O processo no Inep que trata do tema, e onde consta a minuta da portaria, foi criado já no dia seguinte desse encontro na Câmara, em 10 de junho. A encomenda foi do próprio ministro, como mostram os documentos obtidos pela reportagem.

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.