O governo federal sancionou nesta quinta-feira (1°) as mudanças do ensino médio aprovadas pelo Congresso em julho deste ano, mas vetou o trecho que fazia mudanças no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Na proposta do Legislativo, o estudante poderia optar por uma das áreas do conhecimento, independentemente do itinerário cursado no ensino médio para fazer a prova. O objetivo era que a alteração já entrasse em vigor a partir de 2027, o que também foi vetado. A gestão de Camilo Santana à frente do MEC já havia manifestado que não tinha intenção de fazer mudanças no formato do Enem.

Em novembro de 2023, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelo exame, afirmou que a ideia era manter uma prova única, ancorada em uma nova matriz de conhecimentos, alinhada à formação geral da Base Nacional Comum Curricular. Está descartada, portanto, a ideia do governo Jair Bolsonaro (PL) de ter versões diferentes da prova como forma de se adequar à reforma do ensino médio.

As mudanças, publicadas no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (1°), incluem as alterações discutidas pelo Congresso Nacional na LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Entre as principais mudanças, estão a alteração na carga horária anual dos alunos, que prevê aumento de carga mínima comum ao longo dos três anos, de 1.800 horas para 2.400. O novo molde do ensino médio passa a ser implementado a partir de 2025.

Considerando uma jornada de 5 horas de aulas diárias, que totalizam 3.000 horas nos três anos do ensino médio, 80% da carga horária deve ser vinculado à Base Nacional Curricular. O restante é direcionado aos itinerários formativos

Em termos de opções formais de itinerários, a nova mudança do ensino médio mantém os cinco itinerários já previstos em 2017: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza, ensino técnico e profissional, com mudanças na carga horária.

Pedagoga e coordenadora de Processos Seletivos da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Sandra Regina de Oliveira Garcia afirma que a mudança mais positiva foi a determinação de aumento da carga horária dedicada à formação básica curricular. Agora, os alunos terão mais espaço dentro da grade para estudar as disciplinas básicas, como sociologia, matemática, português, história, entre outras.

Segundo ela, desde o início da implementação, em 2018, a visão era de que o formato com mais horas destinadas aos itinerários traria prejuízo aos alunos, principalmente de escolas públicas. Ela aponta que os itinerários formativos nunca foram discutidos da forma correta, inclusive com a criação de disciplinas que não aprofundavam em suas respectivas áreas: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. “Os itinerários tinham o sentido de fazer um aprofundamento das áreas, mas eles não estavam fazendo isso”, complementa.

O texto eliminou a obrigatoriedade do ensino de espanhol, algo que tinha sido incluído quando o texto passou no Senado, mas não foi acatado quando na votação final na Câmara. O inglês continua como língua estrangeira obrigatória

Para Garcia, essa é uma grande perda para a educação, principalmente pelo fato de o Brasil estar rodeado de países que têm o espanhol como língua oficial. Presente na grande parte dos processos seletivos, a professora garante que cada vez menos alunos vão optar pelo idioma nos vestibulares por não terem contato anterior durante o ensino médio.

Com a implementação da reforma de 2017 nas escolas, a partir de 2022, apareceram problemas na rede pública. Estudantes, professores e especialistas denunciaram perdas de conteúdos tradicionais na parte comum e oferta deficiente dos itinerários

ENEM

A versão que tinha sido aprovada por deputados e senadores estabelecia que o aluno deveria optar por uma das áreas do conhecimento ao fazer exame, o que criava versões diferentes de prova. Esse trecho, porém, foi vetado por Lula. Com isso, o formato do Enem não deve ser alterado.

Sandra Garcia afirma que esse é outro ponto positivo, já que o cada itinerário formativo tem suas particularidades por ser definido pelas secretarias de Educação de cada estado. Alguns conteúdos dos itinerários formativos envolviam, por exemplo, o passo a passo para fazer brigadeiros gourmet. “Então como isso iria entrar numa prova que avalia o ensino médio?”, questiona. A manutenção do formato, segundo Garcia, tranquiliza em relação à qualidade dos processos seletivos, tanto do Enem quanto dos vestibulares.

ENSINO TÉCNICO

Professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Monica Ribeiro da Silva também elogia o aumento das horas destinadas à formação básica curricular, mas lamenta o fato de a ampliação não abranger os alunos que cursam o ensino técnico.

Para esse modelo, foram destinadas 2,1 mil horas para as disciplinas-base. De acordo com ela, essa diferença na carga horária gera uma distorção no sistema de educação nacional, o que pode prejudicar o processo de formação de jovens que optam pelo ensino técnico-profissional.

Mesmo reduzindo a carga horária para os itinerários formativos, ela garante que ainda poderão ser introduzidos cursos e conteúdos que vão de encontro às formas de precarização do trabalho, além de manter a possibilidade de educação à distância, assunto que ainda precisa ser discutido com cautela. Segundo ela, são temas complicados e que poderão ser colocados em pauta novamente. “Nós não temos o melhor formato de ensino médio, haja vista que 85% dos estudantes estão matriculados em escolas públicas estaduais, cerca de 7 milhões de alunas e alunos, e é neles que recairão esses problemas que já eram detectados na lei anterior”, conclui. (Com Folhapress)