Apaixonado por engenharia civil, Delcio Soares deixou Angola, país da África, há dois anos para correr atrás dos sonhos. Tendo como destino o Brasil, ele já era formado em arquitetura e urbanismo na terra natal, mas queria dar continuidade aos estudos. A língua contribuiu para a escolha do país, mas o fator decisivo foi a possibilidade de estudar e conseguir se inserir no mercado de trabalho na área da construção civil.

O exemplo de Soares é compartilhado entre os 37.703 migrantes que atuam formalmente no mercado de trabalho paranaense. De acordo com os dados mais recentes do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social), de 2022, o número de estrangeiros empregados no Paraná cresceu 92% em cinco anos.

Chefe da pasta responsável pela criação e manutenção das políticas públicas voltadas aos imigrantes, Santin Roveda, secretário de Estado da Justiça e Cidadania, destaca que o Paraná recebe muitos imigrantes da África, Ásia, Europa e América Latina. De acordo com ele, os principais fatores que retiram as pessoas de seus países são as crises econômicas, as guerras e as catástrofes ambientais.

Em 2022, o Paraná foi o estado que mais contratou imigrantes, com 8.379 postos de trabalho gerados, o que representa 23,4% de todos os imigrantes que registraram a carteira de trabalho no ano no Brasil.

Dentre os 37.703 estrangeiros que trabalham no estado, 14.627 estão atuando em algum dos setores da indústria, ou seja, 38,8% de todos os imigrantes que têm emprego formal no Paraná.

Roveda destaca que o Paraná conta com o Cerma-PR (Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná), que reúne o poder público e a sociedade civil para debater e criar políticas públicas voltadas à população estrangeira, assim como o Ceim (Centro Estadual de Informações para Migrantes, Refugiados e Apátridas). Neste último, que fica em Curitiba, os migrantes têm acesso a uma série de serviços que auxiliam na permanência no país, como a regularização documental, encaminhamento para cursos de português e profissionalizantes, confecção de currículos e intermediação de mão de obra, apoio na revalidação de diplomas e acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social.

CAPACITAÇÃO

Mauro Moraes, secretário de Estado do Trabalho, Qualificação e Renda, explica que a pasta tem promovido ações para garantir a geração de emprego e renda em todo o Paraná, com destaque para os mutirões de emprego e a oferta de cursos gratuitos para a qualificação profissional.

As duas frentes, segundo ele, atendem tanto brasileiros quanto estrangeiros, que, inclusive, podem receber uma bolsa-auxílio de R$ 600 para custear transporte e alimentação durante as aulas dos cursos de qualificação profissional.

A única exigência é a frequência em pelo menos 75% das aulas e a abertura de uma conta bancária. Para este ano, foram disponibilizadas 25 mil vagas em cursos voltados aos setores da indústria, comércio e prestação de serviços.

Segundo Moraes, o trabalho é o que determina a permanência de um imigrante em um país estrangeiro. “Uma vez empregado, o migrante tem toda condição de iniciar uma vida com dignidade e com possibilidade de crescimento na carreira profissional”, afirma.

José Vitorino Chauze Murari, 36, saiu de Maputo, capital de Moçambique, país localizado no leste do continente africano e que faz fronteira, ao sul, com a África do Sul, com destino ao Brasil em janeiro de 2017. Há dois anos ele trabalha como soldador em uma empresa de Ibiporã que produz equipamentos utilizados no transporte de cargas após concluir um curso técnico na área pelo Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). “Para a gente, que é estrangeiro, se não tiver emprego fica difícil de continuar”, afirma, ressaltando que a relação com os colegas de trabalho é um dos pontos mais positivos.

Inicialmente com a intenção de conhecer um pouco mais da cultura do Brasil, ele acabou encontrou a mulher que se tornaria a sua esposa em Jataizinho, a cerca de 30 quilômetros de distância de Londrina, o que fez com que fincasse estacas por aqui. Por enquanto, a intenção é permanecer trabalhando e vivendo com a família em terras paranaenses.

Imagem ilustrativa da imagem Indústria paranaense emprega quase 39% dos imigrantes
| Foto: Folha Arte

NOVA VIDA

“A grande maioria dos migrantes chega aqui com muita vontade de contribuir com o país e estado que os acolheu, eles têm muita garra e determinação. Nós temos trabalhado em feiras de empregabilidade focadas apenas na população migratória e em parcerias com diversas empresas que acolhem essa população”, explica Santin Roveda, detalhando que, em 2023, foram realizadas oito feiras voltadas exclusivamente para os estrangeiros.

Gerente de Gente e Gestão da Vectra Construtora, Ester Falaschi explica que um dos desafios que vêm sendo enfrentados pela construção civil é a escassez de mão de obra. Nesse cenário, ela garante que os migrantes chegam animados e com muita vontade de trabalhar para reconstruir as suas vidas. “O processo civilizatório não suporta barreiras entre países, então as empresas e seus gestores que estão conscientes dos seus papeis junto à sociedade precisam contratar pessoas sem barreiras. É oportunizar trabalho a todos”, ressalta.

ESTUDOS

No terceiro ano do curso de engenharia civil, Delcio Soares conta que ao chegar no país, a prioridade era encontrar um trabalho para conseguir custear as despesas. “Você tem que trabalhar para pagar as contas”, afirma. Primeiro, ele começou como estagiário, que era a oportunidade de colocar em prática os conhecimentos compartilhados durante o curso; após oito meses, ele pediu uma oportunidade para trabalhar na empresa e, agora, conquistou uma vaga de auxiliar de almoxarife, assumindo a responsabilidade de separar e receber os materiais e ferramentas utilizados na execução da obra. “Eu estou aqui dando o meu esforço, trabalhando com vontade, harmonia e paz”, afirma.

Após concluir o curso, a vontade de Soares é continuar dentro da obra para aprender cada vez mais, independente da função ou do cargo que assumir: “sendo na área da engenharia, eu abraço e faço aquilo crescer”.

INDÚSTRIA ACOLHEDORA

Em parceria com as demais casas do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), o Sesi Paraná lançou nos últimos dias o programa Indústria Acolhedora, com o objetivo de oferecer soluções às indústrias que estão contratando ou pretendem contratar migrantes. “Nós pretendemos ajudar as indústrias a formarem seus colaboradores em questões de multiculturalidade e integração, treinar suas equipes de recursos humanos em melhores práticas na contratação e retenção de migrantes, capacitar lideranças, assim como qualificar pessoas migrantes para diversos setores nas indústrias, especialmente naquelas com maior escassez de mão de obra”, detalhou o superintendente do Sesi Paraná, Hugo Molina.

O setor industrial corresponde a 26,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do Paraná, assim como o estado é o quarto principal parque fabril do Brasil. “Isso demonstra o potencial das nossas indústrias em serem grandes aliadas na integração de pessoas imigrantes no estado”, aponta.

Segundo ele, vários setores vêm enfrentando a escassez de mão de obra, sendo que a inserção de estrangeiros no mercado de trabalho é uma oportunidade de oferecer a eles a chance de começar uma nova vida em terras paranaenses, assim como é uma forma de tornar a indústria mais plural e competitiva.

Molina destaca que o emprego formal auxilia na integração dos imigrantes na sociedade, assim como contribui para o crescimento econômico de toda a região. “Trabalhar com colegas locais cria confiança e empatia, resultando em amizades, melhora nas habilidades de comunicação e melhor compreensão das normas locais. Além disso, ao trabalharem e consumirem na região, os migrantes impulsionam setores como comércio, serviços e habitação”, detalha.

UMA CRIANÇA PERDIDA

Há quatro anos morando em Ibiporã, Jesus Rafael Escalona Herrera, 31, trabalhava como supervisor industrial na Venezuela e, agora, faz a função de soldador. A decisão de sair do país de origem acompanhado da família veio por conta da crise econômica, que elevou muito o preço dos alimentos e dos medicamentos.

Ao chegar ao Brasil, a língua foi uma das barreiras iniciais, já que não sabia falar o português; hoje, ele garante que consegue escrever e conversar bem, mas cada dia aprende algo novo. “Eu cheguei aqui como uma criança, eu não sabia nada”, afirma.

Após passar por alguns empregos, ele está há quatro meses atuando também em uma empresa que produz equipamentos utilizados no transporte de cargas.

Para Herrera, o principal diferencial para se manter no emprego atual foi o fato de que os colegas e chefes explicam como o trabalho deve ser feito. “Aqui te dão todas as ferramentas para fazer um trabalho com excelência”, ressalta. Hoje, ele já conquistou a casa própria e um carro, além de já ter dado entrada na carteira de motorista e estar, acima de tudo, ao lado da família. Agora, o próximo passo é dar início ao negócio próprio.