BRASÍLIA, DF - O governo Lula criou uma regra que permite que pessoas físicas e jurídicas flagradas submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão façam um acordo com a União e, com isso, deixem a chamada "lista suja" do governo.

A medida foi publicada no final de julho, em portaria assinada em conjunto pelos ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e dos Direitos Humanos, então Silvio Almeida.

Integrantes da Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), grupo de consulta ao tema vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, disseram à reportagem que a nova norma pode representar um retrocesso à causa.

Criada em 2003, a lista suja do trabalho escravo é vista como uma ferramenta de controle social e conta hoje com 640 empregadores, que têm seus nomes divulgados publicamente em plataformas do governo.

Ela costuma trazer danos à imagem de empregadores listados. Grandes marcas, como indústrias e exportadoras, evitam fazer negócios com os nomeados.

O documento é atualizado semestralmente pelo governo e os nomes só são incluídos após análise do direito de defesa em duas instâncias. Eles permanecem listados por dois anos.

Com a nova medida, as empresas poderão sair do documento antes desse prazo, caso firmem um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta).

Para isso, devem ser comprometer a reparar os danos e indenizar as vítimas em ao menos 20 salários mínimos.

Também terão que repassar 2% de seu faturamento bruto para programas de assistência a trabalhadores resgatados, num limite de até R$ 25 milhões.

A medida ainda prevê que o ministro do Trabalho seja ouvido em determinada fase do processo, o que é visto como uma possível ingerência política em um tema que deveria ser técnico.

Não são recentes as tentativas de governos, em meio a reclamações de entidades patronais, para enfraquecer a lista.

Durante a gestão Michel Temer (MDB), em 2017, foi criada uma portaria que previa que o ministro do Trabalho teria que autorizar a divulgação da lista.

Uma das reclamações de entidades patronais era a falta de um ato de infração específico de trabalho análogo ao de escravo. A portaria ficou menos de dez dias em vigor.

Em 2018, empresários da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) entraram com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o documento fosse declarado inconstitucional.

O grupo sustentou na ocasião que o cadastro punia ilegalmente os empregadores flagrados por essa prática ao divulgar os seus nomes.

A corte, no entanto, não aceitou os argumentos. Decidiu que a lista era legal e garantia transparência à sociedade.

A possibilidade de empresas deixaram a lista antecipadamente por meio de um acordo também foi tentada pelo governo Bolsonaro, que chegou a fazer uma minuta de resolução nesse sentido em 2020.

O coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho, Luciano Aragão, afirma que firmar um acordo, a despeito da gravidade do caso, pode fragilizar a responsabilização de empresas, com graves prejuízos aos trabalhadores.

A coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Escravidão Contemporânea da DPU (Defensoria Pública da União), Izabela Luz, também tem ressalvas.

Ela afirma que a medida permite que pessoas sem atribuição conduzam o processo, como um fiscal do trabalho, sem necessariamente terem formação em Direito.

Segundo a defensora, esse papel deveria ser da Defensoria ou do Ministério Público do Trabalho, órgãos que têm atribuição de defender o interesse do trabalhador, o vulnerável econômico e o direito coletivo.

Questionado sobre o tema, o Ministério do Trabalho respondeu que a portaria é resultado de amplo debate entre os órgãos públicos e entidades da sociedade civil integrantes da Conatrae.

Também afirmou que as empresas que firmarem o acordo ficarão numa lista disponível publicamente, mantendo a garantia de amplo acesso à informação. Além disso, declarou que o cumprimento do TAC será obrigatório e acompanhado pela pasta.