Após o setembro mais quente da história em todo o planeta, conforme dados do Serviço de Mudança Climática Copernicus, da União Europeia, o clima seco e a estiagem estão exigindo da população de municípios da Região Metropolitana de Londrina e do Norte Pioneiro ainda mais consciência. Ao final de uma semana em que tanto as temperaturas máximas quanto a demanda em Londrina quebraram recordes, a Sanepar está intensificando alertas sobre o desabastecimento de água na região e não descarta a possibilidade de realizar o rodízio em alguns bairros da cidade. O objetivo é reduzir o consumo em 20%.

Sanepar monitora consumo e destaca importância da eliminação do desperdício
Sanepar monitora consumo e destaca importância da eliminação do desperdício | Foto: Gustavo Carneiro

De acordo com a companhia, a população de 16 dos 74 municípios atendidos pela regional nordeste precisa intensificar ainda mais a economia de água. Para isso, aponta a companhia, valem regras de consumo consciente como não lavar o carro, as calçadas e a rua e reduzir ao máximo o tempo de banho e com as torneiras abertas. Até agora, municípios da região de Apucarana, como Cambira, Califórnia e Jandaia do Sul, além de Mauá da Serra, Faxinal e Lunardelli, já estão sob alerta. Em Apucarana, foi preciso aumentar em 15% a produção nessa semana, chegando a 36 milhões de litros por dia.

Completam a lista de cidades que precisarão reduzir o consumo, municípios mais próximos de Londrina, como Rolândia, Sabáudia, Bela Vista do Paraíso e São Sebastião da Amoreira, além de Leópolis, Curiúva, Nova América da Colina, Siqueira Campos, Ibaiti e Quatiguá.

“São os que dependem de captação subterrânea, poços, e com a estiagem ocorre a redução dessa vazão, não há como controlar. As nossas ações são no sentido de usar esses recursos o máximo que podemos, mas é uma situação atípica”, explica o gerente geral interino da Sanepar, Fernando Yoshida.

Londrina já havia registrado um recorde no consumo de água no dia 3 de outubro, poucos dias antes de a cidade registrar o dia mais quente desde a década de 1970. Foram 250 milhões de litros, 15 milhões a mais do que o recorde anterior, em 2017. Para dar conta da demanda, a produção teve que ser 17% superior à média registrada no verão.

Com a urgência do cenário climatológico, o Crea/PR (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) vem registrando aumento na demanda por ARTs (Anotação de Responsabilidade Técnica) para serviços relacionados à perfuração de poços artesianos. A FOLHA solicitou um levantamento e foi informada de que, enquanto a média em Londrina no ano passado foi de 16 solicitações por mês, nos últimos três meses saltou para 28 a cada 30 dias. Já em todo o Paraná, 2.903 ARTs haviam sido solicitadas no ano passado. Dados atualizados até setembro mostram que 3.624 solicitações já foram feitas no Estado.

ESTIAGEM

Embora a cidade tenha registrado pancadas de chuva isoladas, como na noite desta quarta-feira (7), e a previsão para a os próximos dias seja de queda nas temperaturas máximas para a faixa dos 33°C, o cenário ainda está muito longe do confortável. Somadas aos baixos índices de umidade do ar, as temperaturas estiveram 9°C acima do esperado na cidade.

Segundo o meteorologista do Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná), Rodrigo Lins, o "calorão" não perde força porque as frentes frias que normalmente chegam ao estado pelo Sul têm se dissipado em direção ao oceano. “Pensando no Paraná não tem muita perspectiva, nada que indique que o clima vai melhorar. A única coisa que está ocorrendo são aquelas chuvas convectivas típicas do verão, são muito pontuais. As frente frias também não estão alcançando a Região Sudoeste, estão avançando pelo oceano”, explica.

Questionado se a cidade precisará fazer rodízio caso essa previsão se concretize, Yoshida avaliou que os sistemas de Londrina são "robustos o suficiente para aguentar” a pressão por consumo por 15 a 20 dias e que as chuvas de quarta-feira já melhoram um pouco os níveis de abastecimento dos sistemas. Mesmo assim, não foi descartada a possibilidade de realização de rodízio em breve.

DEMANDAS

Embora a sociedade tenha que fazer a sua parte economizando água, uma série de demandas e discussões importantes com o poder público e as empresas de saneamento precisam ser travadas. Dentre as demandas do setor, está o investimento em medidas de redução dos desperdício em vazamentos, ligações clandestinas e outros fatores como a ausência de medição, que fazem o País perder 40% de sua água potável por conta da ineficiência na distribuição. No Paraná, o índice médio é 35%.

Questionada, a Sanepar informou que, em Londrina, este índice chega a 20% em razão de moradias irregulares e vazamentos, mas "uma equipe fica constantemente procurando e quando encontra já realiza as correções". "Recentemente, a Sanepar buscou no mercado um sistema de telemetria, um monitoramento que passa informações em tempo real sobre pressão e a vazão acusando alguma incoerência na rede", explica. Entretanto, esse sistema ainda vai ser implantado em Londrina e, posteriormente, em outras cidades.

De acordo com o estudo “Demanda Futura por Água Tratada nas Cidades Brasileiras – 2019 a 2040”, pesquisa que conta com dados da dissertação de mestrado do coordenador de comunicação da Trata Brasil, Rubens Amaral Ferreira Filho, e o apoio da organização global de conservação ambiental The Nature Conservancy, a demanda por água das cidades brasileiras daqui 20 anos será 43% maior. O cenário leva em conta fatores como aumento populacional e as projeções de crescimento da temperatura média da Terra em 1°C.

Além de apontar a integralização do tratamento de esgoto como um investimento "no regrets", ou seja, sem arrependimentos independentemente das mudanças climáticas, Ferreira Filho destacou a importância de investimentos da reutilização da água para outros fins que não o consumo direto. "Isso é feito em Israel, boa parte da África do Sul, Austrália, nos Estados Unidos, principalmente a Califórnia, que é usar para fins indiretos, na indústria, água de calçada, irrigação, não para consumo direto”, aponta, como solução para reduzir a sobrecarga da natureza.

Enquanto o risco de desabastecimento já faz parte do presente, o uso prioritário para o consumo humano e a dessedentação de animais devem prevalecer sobre os interesses econômicos, conforme estabelece a Polícia Nacional de Recursos Hídricos, de 1997.

Diante da situação emergencial, o governo do Paraná adquiriu 100 caminhões-pipa para entregar aos municípios. Em contrapartida, facilitou as regras para a obtenção de licenciamento ambiental para a outorga de recursos hídricos de terras cultiváveis no final de agosto, tema alvo de outro debate fundamental para as próximas décadas.