Nos últimos quatro anos, o Paraná registrou 201 casos de prática ilegal no exercício da medicina, de acordo com o CFM (Conselho Federal de Medicina). E o número, alerta a entidade, pode estar ainda muito abaixo do que realmente ocorre.

De acordo com levantamento divulgado recentemente, o estado registrou essa quantidade de casos associados à prática ilegal da medicina apenas entre 2020 e 2023. Entre os casos acompanhados pela Polícia Civil nos últimos 10 anos, o Paraná foi o estado que mais notificou casos em 2022, com 38, à frente de outros mais populosos, como São Paulo e Minas Gerais.

Na última década, o Brasil registrou 9.566 crimes enquadrados no Artigo 282 do Código Penal, que estabelece como crime a prática da profissão de médico, dentista e farmacêutico sem autorização legal. O número aponta que são registrados dois casos do tipo por dia, sendo que 6.189 foram judicializados e 3.377 geraram um BO (Boletim de Ocorrência).

Para Alcindo Cerci, conselheiro federal e diretor clínico do HU (Hospital Universitário) de Londrina, a prática ilegal da medicina se mostra como uma "epidemia silenciosa", já que que a vítima de um falso profissional só fica ciente da situação após um longo tempo. Segundo ele, a descoberta vem, geralmente, ao procurar um profissional capacitado para tratar uma outra condição, muitas vezes em decorrência do problema inicial que não foi tratado corretamente.

“Exercer ilegalmente a medicina não é apenas quando o leigo faz uma consulta, mas também um profissional de saúde que acaba fazendo um procedimento que não é da sua competência”, explica.

Por não ter conhecimento na área médica, pacientes são iludidos por meio de anúncios e propagandas nas redes sociais. Dessa forma, acabam se submetendo a procedimentos que não precisam ser feitos ou que são realizados de maneira irregular.

“O nosso foco é a segurança do paciente. A gente não quer impedir ninguém de fazer o que pode ser feito, mas a gente precisa dar segurança ao paciente. O que é um ato médico deve ser realizado por um médico”, afirma, complementando que cada profissional deve ficar responsável pelos procedimentos compatíveis ao campo de trabalho em que é especialista.

Além disso, Cerci ressalta que o profissional qualificado, na hora de corrigir o procedimento realizado de forma errônea, pode ficar com o ônus do problema, já que, em determinados casos não é possível fazer a reversão de forma integral. “Quando faço um procedimento, como médico, sou responsável também por corrigir as complicações, por tratar as complicações, por diagnosticar complicações”, reforça. "Essa situação traz insegurança tanto para o paciente quanto para o profissional qualificado."

O campo da estética é um dos que mais registram casos relacionados a profissionais que não têm qualificação ou formação adequada para realizar procedimentos. Os pacientes, alerta Cerci, precisam estar cientes de que todo procedimento envolve riscos que podem ir de lesões e complicações e até mesmo a morte. “A gente tem um dossiê muito extenso de riscos relacionados a procedimentos [realizados] por não médicos”, explica. Cerci pontua que a medicina ainda é vista como uma profissão atraente, mas que para ser médico é necessário "gostar de gente, de estudar e de se portar de forma ética". "Esses são os três pilares da medicina”, pontua.

INVESTIGAÇÃO

Em Curitiba, foi registrado recentemente o caso de uma esteticista que fazia aplicação de substâncias na face de pacientes sem ter permissão legal para realizar o procedimento. Algumas, inclusive, estavam vencidas.

Segundo a delegada Aline Manzatto, da Decrisa (Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde), da capital, esse tipo de prática ilegal pode acarretar em sequelas faciais, como deformidades e lacerações. “A pessoa que não tem o estudo técnico na área pode manipular de forma inadequada a medicação ou guardar em local incorreto”, detalha, complementando que há parâmetros definidos de manipulação e armazenamento de equipamentos e substâncias para garantir a segurança dos pacientes.

Ela cita o exemplo de uma substância chamada PMMA (polimetilmetacrilato), muito utilizada em preenchimentos de glúteo e que só pode ser injetada em pequenas quantidades. No entanto, já foram registrados casos de vítimas que sofreram insuficiência renal por conta da aplicação de altas doses do polímero. “O que mais ocorre são situações de infecção por falta de manipulação adequada das seringas, agulhas e da própria medicação aplicada. Ou então uma medicação que não é adequada para aquele tipo de procedimento”, explica.

Manzatto alerta que as pessoas precisam ficar atentas aos valores cobrados pelos procedimentos, já que preços muito baixos podem ser sinal de que algo está errado. As condições do local onde o procedimento vai ser realizado também precisam ser levadas em conta.

Denúncias de prática ilegal da medicina devem ser feitas diretamente nas delegacias da Polícia Civil de cada município. A vítima precisa ter em mãos um contrato de prestação de serviço ou um termo de consentimento de execução do procedimento. Caso o profissional não entregue esses documentos durante as consultas iniciais, o paciente já deve ficar alerta. Após o registro do Boletim de Ocorrência, um médico perito fica responsável por fazer a análise do que ocorreu e da gravidade da lesão. A pena para esse tipo de crime, dependendo da gravidade das lesões e das sequelas, pode chegar a até 10 anos de prisão.