Nos últimos dias, a morte de dois jovens levantou a discussão a respeito da prática do stalking, que é um tipo perseguição que acontece tanto no mundo virtual quanto no físico. Em depoimento, a vítima sobrevivente detalhou que sofria perseguição por parte do acusado do crime, Aaron Dellesse Dantas, 22, que tinha um interesse amoroso não correspondido na jovem. A reportagem entrou em contato com especialistas para entender o que é a prática do stalking e o que as mulheres vítimas desse tipo de crime devem fazer.

Ellen Victer, delegada do Nuciber (Núcleo de Combate aos Cibercrimes), destaca que o stalking vem crescendo muito nos últimos anos, o que motivou a tipificação como crime em 2021, antes sendo considerado apenas uma contravenção penal. Segundo ela, a vítima mais recorrente desse tipo de crime é a mulher, principalmente em situações de término de relacionamentos ou em casos em que o interesse amoroso não é correspondido, que é denominado de stalking afetivo.

Mesmo com a criação da Lei Maria da Penha (Lei N° 11.340/2006), o número de casos de violência contra a mulher segue crescendo, segundo a delegada. “Ainda existem resquícios de uma sociedade machista que acredita que a mulher é muito vulnerável, o que acaba fazendo com que o homem sinta que a mulher é um objeto que ele detém poder, motivando as perseguições quando ela não dá um retorno [em investidas amorosas] ou quando não quer mais continuar em um relacionamento”, explica.

A delegada detalha que muitas mulheres precisam mudar a rotina e até mesmo mudar de cidade para tentar colocar um fim nessa perseguição. Quando a prática do stalking é no ambiente virtual, muitas vezes bloquear o perfil não é suficiente, o que acaba motivando as mulheres a deletarem perfis em redes sociais. “O fato de a mulher mudar a rotina ou de não querer mais sair de casa ou falar ao telefone pode caracterizar esse crime de perseguição”, afirma, acrescentando que essa situação pode levar a mulher a desenvolver casos de síndrome do pânico, por exemplo.

Ao se deparar com um perseguidor, Victer ressalta que as mulheres não devem “dar corda” e conversar com a pessoa, mesmo com pedidos para que ela pare com os contatos. Segundo a delegada, o que o perseguidor quer é a atenção da vítima. Por isso, a mulher deve procurar uma delegacia para registrar a ocorrência, podendo até mesmo solicitar uma medida protetiva contra o perseguidor.

“O mais importante é a mulher se sentir confiante e ter coragem de denunciar ou de falar para alguém. Ainda que não seja na delegacia, se ela contar para uma amiga ou alguém da família, essa pessoa pode encorajar ela a procurar ajuda”, ressalta. A delegada afirma que sem a denúncia, a perseguição e o ciclo de violência nunca cessarão. “Às vezes começa com uma ofensa, aumenta para uma ameaça, depois vai para a lesão corporal e, a partir daí, a gente vê os casos de feminicídio”, finaliza,

O advogado Felipe Gomes, especialista na área de proteção de dados, alerta que as perseguições podem acontecer através de um monitoramento, como o envio de mensagens após a publicação de algo nas redes sociais, assim como através de perfis falsos. “Nem sempre é sobre a conduta [do perseguidor], mas se aquilo está causando uma ameaça a sua integridade física, liberdade e privacidade. Por exemplo, quando uma pessoa mostra que está acompanhando a sua rotina, dizendo que você foi em determinado local ou que estava com certa roupa”, explica. Segundo o advogado, a pessoa que é vítima de stalking tem a sua liberdade restringida, já que precisa deixar de postar coisas nas redes sociais para tentar evitar uma perseguição ainda maior.

Gomes ressalta que muitos jovens usam o termo ‘stalkear’ quando vão olhar o perfil de alguém nas redes sociais, mas que o perseguidor vai além dessa “olhada”. “Você iniciou uma ‘ciber paquera’, a pessoa não correspondeu e você fica lá, de forma reiterada, mandando mensagem e insistindo, isso pode evoluir para o que a gente chama de stalking como crime”, explica. A pena para esse tipo de crime varia de seis meses a dois anos, mas pode aumentar caso envolva crianças, adolescentes, idosos ou mulheres - em razão do gênero.

O advogado acrescenta que ao notar essas características de perseguição, como perfis falsos e diversas mensagens ou ligações de determinado número, a pessoa deve ir até uma delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência, já que é um crime que depende de representação para que possa ser investigado pela polícia. “Mesmo que você não saiba quem esteja por trás [da perseguição], as autoridades têm meios para identificar essas contas”, explica. Segundo ele, ao criar um perfil em uma rede social, o usuário deixa ‘rastros’ digitais.

Como a prática do stalking é criminosa e infringe as políticas das empresas proprietárias das redes sociais, o especialista na área de proteção de dados explica que a vítima pode denunciar o perfil para as plataformas, indicando que aquele usuário está cometendo essa perseguição. “Perseguir alguém fisicamente exige muito mais esforço, agora nas redes sociais a pessoa pode ficar ali o dia inteiro fazendo aquilo. O meio digital ampliou muito essa questão do stalking”, pontua. Segundo o advogado, é importante que as pessoas deixem registradas essas interações do perseguidor por meio de capturas de tela, por exemplo.

Felipe Gomes também ressalta que as pessoas devem ficar alertas ao publicar informações como local de trabalho, de estudo ou restaurantes favoritos nas redes sociais, já que isso acaba publicizando a vida pessoal delas e, com isso, facilitando o trabalho dos perseguidores. “Isso pode contribuir para que a situação saia do meio virtual e vá para o físico”, alerta. Por isso, ele aconselha que as pessoas privem informações e dados pessoais, fotos e até mesmo o perfil, permitindo que apenas amigos e familiares vejam o que é publicado.

Gomes alerta que o perseguidor pode também tentar invadir os equipamentos eletrônicos da vítima, como computador e celular, em busca de fotos ou informações comprometedoras. Segundo ele, a Lei Carolina Dieckmann (Lei N° 12.737/2012) protege as vítimas e configura como crime esse tipo de invasão. Essa invasão pode acontecer através de links enviados por pessoas desconhecidas ou até mesmo por ‘aplicativos-espiões’, quando se trata de alguma pessoa próxima, como no caso de uma ex-namorado.

MANIFESTAÇÃO

Os estudantes do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) vão realizar uma manifestação contra o feminicídio nesta quarta-feira (6), às 8h, em frente ao Cine Teatro Ouro Verde. O ato é em memória à estudante do curso de Ciências Sociais, Júlia Beatriz Garbossi, e ao jovem Daniel Suzuki Sugahara, que foram mortos no início da manhã deste domingo (3). Uma aluna do curso de Artes Cênicas, que seria o alvo do criminoso, também ficou ferida.