RIO DE JANEIRO, RJ - Washington Olivetto era o maior garoto-propaganda de si mesmo. E poderia haver alguém melhor? O publicitário, que morreu neste domingo (13), às 17h15, aos 73 anos, seduzia ("Publicidade é sedução", costumava dizer), provocava e alegrava o Brasil com seu trabalho e sentia um prazer especial em falar sobre sua vida, sua história e seus feitos —que não são poucos.

O publicitário ficou quase cinco meses internado no hospital Copa Star, no Rio, por complicações pulmonares. Morreu de falência múltipla de órgãos.

"Washington Olivetto não é apenas um ícone da publicidade em todo o mundo, mas uma figura popular do Brasil. Um dos publicitários mais premiados de todos os tempos. Conquistou mais de 50 Leões no Festival de Publicidade de Cannes, apenas na categoria filmes, e é o único latino-americano a ganhar um Clio em 2001", anunciava-se assim, em sua página oficial na internet.

É tudo verdade. Não mentiu, não aumentou. No universo da publicidade, Olivetto foi um dos maiores da história. E sabia disso, o que não significava que fosse soberbo, "nose up", para usar uma expressão em inglês que ele facilmente trocaria por outra, em português: o bom e velho "nariz em pé".

Isso ele não era, mas deixava claro que sabia de sua capacidade criativa e da importância que teve para a publicidade nacional e mundial. "Me acho um sujeito humilde, mas não o modestinho", afirmava.

Era um bon vivant, que via a mesma graça no sanduíche de linguiça de Milton Gonzalez, o Uruguaio do Posto Nove de Ipanema, quanto na bouillabaisse do bacanésimo Tetou, em Cannes, fechado desde 2018. Olivetto vivia lá. Ele também era habitué do Frevo e do Ponto Chic , em São Paulo, e do Beco do Rato, bar popular com roda de samba, no bairro carioca da Lapa.

E do finado Astor de Ipanema, bairro onde tinha um apartamento à beira-mar (de frente para a barraca do Uruguaio, exilado político no Brasil, de quem acabou virando amigo e escreveu a orelha de sua biografia). Ele sabia que esse mix lhe dava um background importante para quem faz propaganda.

"Direto de Washington"

Não aguentava gente da área que só falava em trabalho e frequentava os mesmos lugares sofisticados, sem se misturar. "Sempre tive o mesmo interesse por aquilo que é considerado intelectualizado e por aquilo que é considerado vulgar, sempre fui do útil ao fútil", escreveu, em sua biografia "Direto de Washington".

Voltando à aversão de Olivetto pelo anglicismo exagerado: ele detestava esse tipo de coisa. Brasileiro que se acha inteligente porque salpica palavras em outra língua numa conversa o tiravam do sério. "Casual friday? Ah, para com isso! Não tem nada mais ridículo", disse certa vez, quando ouviu um comentário sobre a liberação de roupas mais despojadas às sextas-feiras em grandes empresas brasileiras.

Descendente de italianos da região da Ligúria, nasceu no bairro da Lapa, na cidade de São Paulo, e cursou comunicação e psicologia, mas não chegou a se formar. Sua carreira começou em 1969, aos dezoito anos, como redator em uma agência de publicidade, na qual foi procurar vaga como estagiário ao ter o pneu de seu carro furado em frente à empresa.

Ele disse, mais de uma vez, que "não aguentava mais" contar sobre seu início sui generis na propaganda ao pedir um estágio em situação peculiar, mas não hesitava em repeti-la, em detalhes, quando perguntado. E também em seus livros.

Adorava contar suas histórias e não via problemas em admitir que se amava, assim como amava a carreira; a mulher, Patricia Viotti; os filhos Homero, Theo e Antonia; o Corinthians, e as carnes da churrascaria Rodeio. "Que sou vaidoso, obviamente é verdade", afirmou, em entrevista à revista Trip.

Tanto gosto por falar de si próprio acabou rendendo uma farta produção literária em que o assunto era, na maioria das vezes, ele mesmo. Só de biografias —a seu modo, com textos curtos, cheios de referências, bastidores de grandes campanhas e narrações de experiências de vida e viagens— foram quatro: "O que a Vida me Ensinou"; "Direto de Washington" e sua continuação "Direto de Washington: Edição Extraordinária", além de "Os Piores Textos de Washington Olivetto".

O Corinthians, time do coração e uma paixão herdada de seu tio Armando, mereceu também sua atenção editorial. Sobre o clube, do qual foi vice-presidente de marketing e um dos fundadores do movimento Democracia Corinthiana, nos anos 1980, escreveu "Corinthians x Outros" e "Corinthians – É Preto no Branco", este com Nirlando Beirão. Em 2013, a escola de samba Gaviões da Fiel o homenageou em seu desfile de Carnaval, cujo tema foi a história da publicidade brasileira.

Leitor voraz, creditava à infância em meio aos livros boa parte de sua aptidão para a escrita, a publicidade e a comunicação em geral. O pendor para as vendas teria vindo do pai, um dos responsáveis pela implantação da fábrica de pinceis Tigre. "Os clientes do meu pai tinham tanta confiança nele, que ele não vendia. Os caras é que compravam", declarou.

Percebeu na adolescência que poderia juntar a paixão pelas letras com o ato de vender. Decidiu então tentar ser publicitário. "Aprendi a ler muito cedo, com cinco anos, e sempre gostei de escrever. Tanto que queria escrever para todas as mídias, jornal, revista, rádio, televisão", contou, certa vez.

Foi com esta idade que teve uma febre altíssima e ficou um ano sem poder andar. Depois de consultar diversos médicos e, sem um diagnóstico preciso, tia Lígia —que trabalhava no Samdu, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e era mulher de Armando, aquele tio corintiano— concluiu: o sobrinho, a quem chamava carinhosamente de Ostinho, poderia ter paralisia infantil.

O tratamento: quase um ano na cama, imobilizado, para afastar o risco de ter alguma distensão que o fragilizaria ainda mais quando a doença se manifestasse. Passou todo esse tempo lendo o que caísse em suas mãos. Passou a devorar livros, de Monteiro Lobato ("todos") a Scott Fitzgerald. E sua bíblia: "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D.Salinger. A doença, que bom, nunca se manifestou. .

A vida profissional, iniciada na agência HGP, a tal onde pediu o estágio ao ter o carro do pneu furado ("O senhor está no seu dia de sorte, meu pneu não costuma furar duas vezes na mesma rua", disse, cheio de si ao dono, que prontamente o contratou), começou em grande estilo. Três meses depois já havia produzido seu primeiro comercial, com o qual conquistou o Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes.

Começou a ficar conhecido no meio publicitário e não tardou para ser contratado pela DPZ, onde, em 1974, ganharia o primeiro prêmio Leão de Ouro da publicidade nacional, no mesmo festival. Foi na DPZ que conheceu aquele a quem chama de seu mentor: Francesc Petit.

Ao longo da vida, recebeu várias propostas para fazer campanhas políticas. Recusou todas. "Com o passar do tempo, percebi que era um dinheiro muito bom de não ganhar. Não fiz, jamais vou fazer e, se fizesse, faria mal", disse a Pedro Bial em 2023.

Onde estivesse —na DPZ, na W/Brasil, agência criada em 1986 em sociedade com a suíça GGK (tornando-se, a princípio, W/GGK ), e depois da W/McCann—, Olivetto foi responsável pela criação de comerciais memoráveis.

O anúncio que uniu Maluf e Brizola

Sempre trabalhou com empresas privadas, mas isso não impediu de criar uma campanha marcante para a Vulcabras, estrelada por Paulo Maluf e Leonel Brizola, em 1997. Ambos defendiam, cada um com um discurso adequado ao seu vocabulário usual e ao espectro ideológico, as qualidades do sapato 752.

A propaganda entrou para a história, assim como, só para citar algumas em diferentes fases de sua vida profissional, a do primeiro sutiã, para a Valisère; o cachorrinho da Cofap, o casal Unibanco e o garoto Bombril.

O currículo vitorioso de Olivetto não cabe em uma folha de jornal mas nele ainda consta um feito que o envaidecia particularmente (e não é para menos). Criados na segunda metade dos anos 1980, "O Primeiro Sutiã", e "Hitler", para a Folha de S.Paulo, foram os únicos comerciais brasileiros a constarem na lista dos 100 maiores comerciais de TV de todos os tempos, no livro "The 100 Best TV Commercials nad Why They Worked" escrito em 1999 por Bernice Kanner, colunista do New York Times especializada em propaganda.

O publicitário teve uma vida repleta de prêmios, viagens, idas a botequins e galerias de arte, mas também episódios tristes e curiosos —como a doença que não era doença e lhe deu uma bagagem literária acima da média para uma criança— e o sequestro do qual foi vítima, em 2001.

Depois de 53 dias confinado em um quarto de um metro de largura por três de comprimento, sem janelas ou entrada de luz, ele foi resgatado com a ajuda de uma estudante de medicina que suspeitou dos barulhos que vinham do quarto da casa ao lado da sua.