'Educação financeira deve começar na primeira infância'
‘O dinheiro não aceita desaforo’, defende presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, Reinaldo Domingos
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de fevereiro de 2020
‘O dinheiro não aceita desaforo’, defende presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, Reinaldo Domingos
Carolina Avansini – Especial para a Folha
A partir de 2020, as escolas brasileiras das redes pública e privada terão que ofertar, obrigatoriamente, conteúdos transversais relativos à educação financeira. A decisão está prevista na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que começa a valer integralmente este ano. O argumento que embasa a mudança é o fato de muitas famílias estarem endividadas por não possuírem uma boa relação com o uso dos recursos financeiros.
“O dinheiro não aceita desaforo”, reforça Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, entidade que liderou o movimento para inclusão da disciplina na BNCC. Terapeuta e PhD em educação financeira, ele mantém no YouTube o canal “Dinheiro à vista”, onde divulga dicas e orientações para apoiar mudanças de comportamento que vão favorecer a cultura de poupar dinheiro para realizar propósitos e sonhos.
A decisão do Ministério da Educação é uma tentativa de solucionar um problema crescente no País que é o endividamento e a inadimplência, comprovando que o Brasil precisa de educação financeira. “A obrigatoriedade do tema desde o ensino básico, como determinou a BNCC, com certeza trará grandes resultados. Pois é nesse período que se tem a melhor absorção dos conteúdos, mostrando aos jovens uma realidade básica: é preciso lidar com o dinheiro de forma inteligente”, explica o especialista em educação financeira, Reinaldo Domingos, presidente da Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros).
Como foi o processo que culminou na inclusão da educação financeira nas escolas?
Em 2016, a Associação Brasileira de Educação Financeira realizou uma audiência pública junto ao Ministério da Educação, na Câmara de Deputados, para apresentar a linha de pensamento que propunha a inclusão da educação financeira na Base Nacional Comum Curricular, como tema transversal, tanto em escolas públicas como privadas, em todos os níveis da educação básica. Isso ocorreu entre 2017 e 2018. Tivemos a felicidade da base ser publicada com a obrigatoriedade de oferecer como tema transversal a disciplina de educação financeira.
Na prática, como deve funcionar?
Na realidade, eu já tenho desde 2008 a experiência de trabalhar educação financeira em escolas de todo o Brasil, não só como tema transversal, mas como tema disciplinar. Temos programas estruturados pedagogicamente em educação financeira, com livros didáticos e paradidáticos. São programas que envolvem o livro do aluno, o livro do professor, o livro da família e também cursos de capacitação do professor, com planos de aula e estruturas organizadas. O professor primeiro aprende para a própria vida e depois estará preparado para passar o conhecimento adiante. Isso já acontece com meio milhão de crianças que se educam financeiramente por meio dos meus livros e deste programa de educação financeira. Isso leva às nossas escolas uma possibilidade maior de inserção. As escolas - e até mesmo o governo - ainda não têm um programa estruturado que envolva a família. O segredo de todo esse trabalho de educação financeira é ter também a parte familiar para que o trabalho seja desenvolvido a quatro mãos entre família e escola. Essa relação é fundamental.
Por que é importante a relação entre família e escola?
Na educação financeira, quando olhamos para as famílias brasileiras, percebemos que não existiu em nenhum momento a educação das famílias para que eduquem as crianças neste tema. Por isso, temos muitos professores endividados, com o nome sujo … Entendemos que a primeira abordagem precisava ser com os professores, então, em 2009, criamos uma pós-graduação presencial em educação financeira - que hoje é oferecida em EaD (educação a distância) - para formar professores multiplicadores da metodologia, para que possam ministrar aulas de educação financeira. Esse processo não para na pós, temos mestrados e doutorados, pois é preciso haver acompanhamento pedagógico para que a relação entre escola e família seja mais próxima. A grande chave foi quando fomos para dentro da família, que hoje recebe cursos, palestras, livros e outros materiais para também se educar financeiramente. Quando a criança aprende na escola e vai praticar na família, os pais e outros familiares precisam estar conscientes de que ela já teve todos os ensinamentos. Portanto, a obrigatoriedade nada mais é do que a sacramentação de algo que foi plantado há dez anos.
Como ensinar educação financeira para crianças?
A educação financeira inicia-se na primeira infância, no maternal, e se estende ao fundamental 1, fundamental 2, ensino médio, universidade e pós-graduação, mestrado e doutorado. Quando olhamos para a criança, é preciso contextualizar que a educação financeira não se trata apenas de finanças pessoais e investimentos. Quando falamos de investimentos, planilhas e cálculos, falamos de finanças. Quando falamos de educação financeira, estamos nos referindo a uma ciência humana que trabalha comportamento e hábitos. Estamos falando de atitude, comportamentos de consumo, poupança… Não existe outra forma de ensino que não envolva metodologia. O que eu proponho é a metodologia DSOP, que significa diagnosticar, sonhar, orçar e poupar. Esses quatro pilares levam muitas pessoas a se educarem financeiramente. Por ser um comportamento, entendemos que é necessário ter um caminho para mudar seus hábitos. Os adultos costumam ter hábitos de consumo. Eles não aprenderam a poupar, mas sim a gastar. Nas crianças, começamos como o lúdico, o que pode ser inserido antes da alfabetização, para que elas tenham a oportunidade de entender como as coisas podem ser feitas e realizadas. O dinheiro deve ser apresentado como um realizador de sonhos e necessidades, o que envolve equilíbrio entre o ser e o ter. Ela precisa aprender isso de forma lúdica.
O cofrinho é interessante?
Sim, mas nunca trabalhe apenas um cofrinho, precisam ser três: um pequeno, para projetos a curto prazo; um médio, para médio prazo; e um grande, para o longo prazo.
O que colocamos no cofrinho? Moeda ou dinheiro? Eu sempre respondo que não é isso, no cofrinho nós colocamos desejos e sonhos. E quando você oferece duas moedas, uma para o chocolate e outra para o brinquedo que a criança mesmo vai comprar após poupar, é importantíssimo que, ao encher o cofre, os pais levem a criança à loja - mesmo que não tenha o valor necessário - para comprar o brinquedo e materializar o desejo. Com isso a criança vai entender que vale a pena guardar o dinheiro para realizar desejos. Com isso cria toda uma sinergia de que poupar para sonhos é muito importante. Em cima desta base vamos avançando sobre consumo consciente, sustentabilidade, cidadania, autonomia, empreendedorismo. Trabalhamos a criança de forma lúdica para que se torne um adulto educado financeiramente.
E os jovens, como educá-los financeiramente?
Para os jovens, eu indico um livro chamado “Ter dinheiro não tem segredo”. A ideia é trabalhar o jovem de forma individual. Nesta idade ainda temos muitos sonhos, o que costumamos trabalhar é o aspecto do empreendedorismo e da cidadania. O dinheiro vai permear o universo do jovem por toda a vida, pois tudo que ele quiser fazer vai envolver recursos financeiros, seja a curto ou a longo prazo. Incentivamos que ele desenvolva desejos e propósitos para a vida. É importante que isso seja desenvolvido a partir do recurso que ele recebe de mesada ou eventualmente dos pais. Ensinamos que o dinheiro não aceita desaforo, ele precisa evoluir e saber que, para fazer um intercâmbio, uma viagem ou comprar um carro, ele vai precisar ajudar a diminuir os custos da casa dele para colaborar com o pai. Também abordamos a área do trabalho, destacando tratar-se de um meio, e não um fim.
Sempre é tempo para começar a se educar financeiramente?
Quem quer se educar precisa pensar em desejos, sonhos e propósitos, sejam eles o carro novo, uma viagem ou a aposentadoria. É preciso pensar no que queremos, quanto é preciso para realizar e de onde vai tirar o dinheiro. O primeiro pilar da metodologia é o diagnóstico financeiro. É como se fosse uma fotografia do seu dinheiro, mostra por onde ele entra e por onde ele sai. É possível realizar sonhos desde que saibamos quando vai custar, como vai guardar, de onde vai tirar e o tempo que vai levar.
Quais as atitudes recomendáveis para quem tem dívidas?
Acabei de lançar um livro chamado “Nome sujo pode ser a solução”. Quando a pessoa está realmente endividada, falida, inadimplente - e a estatística mostra que 64 milhões de brasileiros estão nessa condição - é a situação mais favorável para começar uma nova vida. Quem está no fundo do poço e quer sair, realmente tem vontade e disposição. Neste sentido, é preciso pensar no que deseja para o futuro. A recomendação é avisar os credores que não nega a dívida e vai pagar como e quando puder. Tem que enfrentar o problema. Quando a pessoa está com o nome negativado, ela não tem mais crédito, o que significa que está pronta para começar de novo, ou seja, gastar apenas o que ganha. Fazer uma faxina financeira pode ser a solução para o problema, entendendo que as dívidas podem ser congeladas se ela buscar de 10% a 20% do valor total para uma futura negociação com o credor que provavelmente até já desistiu de receber.
E quem está com a vida financeira em dia, mas não consegue poupar?
São as chamadas pessoas equilibradas, que gastam o que ganham, mas não poupam. Estar equilibrado é a pior situação, pois mantém a zona de conforto. E aí há o risco de a pessoa nunca conseguir se aposentar. É preciso sair da zona de conforto e começar uma operação de guerra para realizar os sonhos. O orçamento financeiro que eu proponho é diferente, pois sugiro ganhar o dinheiro, tirar a quantia dos sonhos e depois pagar as despesas. É preciso sair da zona de conforto para realizar os planos de vida.