A presença da IA (Inteligência Artificial) na produção de alimentos já é uma realidade. São programas que podem contribuir para uma maior quantidade e qualidade de produtos, aumentando a renda do produtor e diminuindo o impacto ao meio ambiente. Um exemplo de como a tecnologia pode ser aplicada na área é o trabalho do Gpac (Grupo de Pesquisa e Análise de Carne) da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que desenvolve metodologias de classificação e tipificação de carcaças bovinas e suínas.

A coordenadora do grupo, professora Ana Maria Bridi, do Departamento de Zootecnia, explica que a classificação é importante porque existem diferentes tipos de carne, seja para atender às demandas do dia a dia ou as chamadas gourmet e premium. Além disso, há ocorrências de anomalias que alteram a qualidade do produto. Se o suíno sofreu estresse antes do abate, a carne fica pálida, mole e exsudativa; no caso dos bovinos, pode ficar escura, dura e reter líquido.

Entre os trabalhos desenvolvidos pelo grupo estão os que, através de visão computacional e inteligência de máquinas, possibilitam separar padrões de marmoreio da carne (a gordura intramuscular) e a idade fisiológica dos bovinos.

CLASSIFICAÇÃO

"Sabemos que quanto mais velho o animal, aumenta a dureza da carne. A gente conseguiu, por exemplo, tirar uma foto da carcaça e ter a idade fisiológica pelo grau de ossificação das cartilagens”, cita a professora, que destaca a parceria com os professores e alunos da área da computação.

Medidas como essas dão previsibilidade para a cadeia e ajudam a tipificar a carcaça. Com informações como raça, idade, peso e gênero, por exemplo, a IA consegue dar notas e classificar o produto.

“Eu coloco que meu animal é um meio-sangue angus, que a idade é dois anos, que é uma fêmea, que o grau de acabamento é quatro, que a área de olho de lombo, que dá um indicativo de musculosidade, é tanto… eu vou colocando todas essas informações e a IA vai, com esses fatores associados, dizer se essa é uma carne premium”, explica a professora. “Ou se, com todos os fatores associados, apesar do animal ser jovem, só é uma carne para o dia a dia, porque tem uma genética que não é muito boa.”

O segredo para o bom uso da ferramenta é manter um banco de dados alimentado. Bridi cita um trabalho feito com a startup Brazil Beef Quality para análise sensorial das características da carne. Foram feitas mais de seis mil análises com os consumidores.

BANCO DE DADOS

“Eu posso ter um animal jovem, que é fêmea e tem um bom acabamento, mas é nelore, e eu já sei que nelore tem um peso que puxa um pouco para baixo a qualidade da carne. Mas quanto? Eu sozinha não consigo dizer, mas a partir da análise de dados da IA eu consigo saber qual é o peso que isso tem no final”, acrescenta.

Além da previsibilidade, uma ferramenta assim também facilita o trabalho na linha de produção, que demanda respostas rápidas. Se a IA, observando aspectos como a área de olho de lombo e o pH, dá uma resposta completa, é possível direcionar as carcaças para um mercado que paga mais.

FUSCA OU FERRARI

“Eu não posso pagar o preço de uma Ferrari para um boi que é um Fusca; e nem deve pagar o preço de um Fusca para um boi que é uma Ferrari. Mas, como a gente vai saber? Fazendo a avaliação e tipificação de carcaças”, exemplifica.

A pesquisadora explica que a tipificação de carcaças na cadeia de suínos já acontece desde a década de 1970. Sendo uma prática consolidada, o produtor recebe pela qualidade e trabalha para manter o nível do produto. Isso contribuiu para a mudança completa da suinocultura.

“Passamos de um animal que era tipo banha, com muita gordura, para um animal tipo carne em pouco tempo, porque quem entregava carcaças melhores era melhor remunerado. E o produtor foi atrás de genética, manejo e nutrição para ganhar mais”, sublinha.

Por outro lado, esse é um processo que ainda está engatinhando na bovinocultura. Bridi afirma que o produtor ainda tem medo e acha que vai ser penalizado - e que a cadeia precisa se organizar e promover mudanças.

“Por que eu vou investir em genética, nutrição e sanidade, para ter um animal melhor, se eu chego no frigorífico e vou receber o mesmo preço de um animal que não tem uma boa genética, um bom acabamento? Eu vou ficar quieto e entregar quantidade”, avalia. “A partir do momento que a cadeia falar que vai pagar por quantidade e qualidade, todo mundo vai sair ganhando.”

A pesquisadora é enfática ao dizer que o Brasil poderia dobrar a produção de carne bovina com o mesmo rebanho se fosse mais eficiente; ou diminuir pela metade o rebanho nacional e continuar com a mesma produção de carne. O avanço da cadeia também traria benefícios para o meio ambiente, diminuindo e emissão de carbono e metano na natureza.

Esse caminho passa justamente pelo avanço tecnológico. Bridi aponta que, a partir da IA, o produtor pode ter melhor noção dos números da propriedade, como o ganho de peso e a conversão alimentar dos animais. Com uma perspectiva da qualidade nas mãos, ele pode ter uma melhor tomada de decisão.

A pesquisadora ainda diz acreditar que a cadeia precisa ser “forçada a melhorar”, com os frigoríficos dizendo, por exemplo, que vão remunerar pela qualidade. “Porque ele faz essa separação, mas não paga o produtor”, reforça.

“O frigorífico compra tudo como se fosse a mesma coisa, é peso de arroba - com algumas exceções, tem muitos mercados que já estão fazendo essa seleção. E depois que abate os animais, ele faz essa seleção e vai vender a carne gourmet pelo preço de carne gourmet, mas o produtor não recebeu. Uma hora vai ter que forçar essa cadeia a ter um padrão”, completa.