O Brasil ainda possui um mercado muito pequeno de vinho, com um consumo de apenas dois litros per capita por ano. Em Portugal esse número sobe para 62,1
O Brasil ainda possui um mercado muito pequeno de vinho, com um consumo de apenas dois litros per capita por ano. Em Portugal esse número sobe para 62,1 | Foto: iStock

A pandemia de Covid-19 aumentou o consumo de vinho nacional devido ao dólar alto e também ao fechamento das fronteiras, o que coibiu o consumo de vinho contrabandeado, uma fatia considerável do mercado, principalmente no Paraná. O proprietário da Vinícola Franco Italiano, Fernando Rausis, afirma que embora o mercado de vinhos espumantes tenha abaixado devido a não realização de eventos como festas e casamentos, o dos vinhos tintos aumentou 20%. "Para nós em volume de garrafas 50% de espumantes equivale a 10 mil garrafas. Já o consumo de vinhos tintos subiu 20%, o que equivale em torno de 15 mil garrafas a mais de vendas”, apontou.

O Brasil ainda possui um mercado muito pequeno de vinho, com um consumo de apenas dois litros per capita por ano. Em Portugal esse número sobe para 62,1
O Brasil ainda possui um mercado muito pequeno de vinho, com um consumo de apenas dois litros per capita por ano. Em Portugal esse número sobe para 62,1 | Foto: iStock

Segundo ele, a Franco Italiano tem focado suas vendas no varejo e também em sua loja online, no entanto ele apontou que a produção de vinhos no Paraná está muito ligada ao enoturismo e a pandemia da Covid-19 atingiu o setor. “A avaliação da Vinopar (Associação de Viticultores do Paraná) é a de que várias vinícolas têm o turismo como foco de comercialização e ele não está acontecendo e aqueles que não criaram um canal de distribuição vive uma situação crítica”, apontou Rausis.

CENÁRIO PÓS-PANDEMIA

Sobre o cenário pós-pandemia, Rausis afirmou que é difícil traçar um quadro. “Logicamente depende da situação econômica. Nessa fase ainda é cedo para afirmar, mas com certeza o vinho brasileiro vai se beneficiar com o dólar alto. Várias pessoas degustaram o vinho brasileiro durante esse período e com a ausência do contrabando. A qualidade do vinho brasileiro se equipara a de outros países. Têm vários destaques internacionais, devido ao aumento qualitativo dos vinhos brasileiros dos últimos anos. Antes havia o cultivo de variedades que não eram apropriadas para determinado microclima, mas a agronomia e a enologia evoluíram muito”, destacou. Sobre o aumento das vendas pela internet, ele disse que se reuniu recentemente com produtores do Rio Grande do Sul e essa foi a grande discussão do momento, sobre como aumentar as vendas por esse canal.

Ele afirma que vê a evolução da qualidade do consumidor de vinho, e que há um movimento das vinícolas tentando passar um pouco mais desse conhecimento junto com o produto. “Na Franco Italiano a gente tem um espaço para troca de experiência para nossos clientes”, apontou. Ele lamenta que havia a previsão da realização do Festival Vinopar do Vinho Paranaense no MOM (Museu Oscar Niemeyer) para promoção do vinho paranaense, mas ele foi cancelado devido à pandemia. Ele ressalta que o Brasil ainda possui um mercado muito pequeno, com um consumo de apenas dois litros per capita por ano. Para comparar, os portugueses possuem um consumo de 62,1 litros per capita ao ano.

BOA SAFRA MELHORA IMAGEM

Sobre a safra boa deste ano do Rio Grande do Sul ele explica que essas uvas ainda não chegaram à vinícola paranaense. “Esses vinhos não estão disponíveis no mercado e vão demorar um pouco para chegar. Eles serão comercializados em 2022 ou 2023, mas a notícia da boa safra trouxe uma imagem bacana para o vinho nacional. Atualmente temos trabalhado com uvas das safras de 2014, 2015 e 2016. Essas duas últimas foram excelentes safras. As da safra 2018 da Franco Italiano permanecem em barricas para serem lançadas em 2021 e 2022”, destacou.

A Franco Italiano usa mais uvas paranaenses do que gaúchas na produção total. “O grande diferencial de nossa vinícola é a estratégia de usar uvas de vários microclimas. Na linha de vinhos finos usamos uvas de Santa Catarina e de Minas Gerais. Com isso a gente consegue focar no microclima que a gente considera ideal. Tem uma coisa no mundo do vinho chamada terroir, em que o microclima de determinada região promove características específicas em uma ou duas variedades no máximo. Nenhum país do mundo consegue produzir 10 variedades de uvas excepcionais”, destacou.

Ele reforçou que o Brasil não foi explorado nem em 30% de seu potencial de produção de vinhos, e o Paraná muito menos. “Cada microclima possui características próprias e o Brasil é um país de dimensão continental, com vários microclimas. Por isso não há uma uva brasileira. Cada região produz diferentes variedades de uvas e com isso é possível ter uma diversidade de vinhos fantástica”, apontou.

RADIOGRAFIA DO VINHO PARANAENSE

O Paraná possui 28 vinícolas das quais 12 estão associadas à Vinopar (Associação de Viticultores do Paraná). Segundo relatório preliminar da vitivinicultura paranaense, a área total de vinhedos no Estado é de 153 hectares e em 2018 a produção foi de 2,254 milhões de litros de vinho de mesa por ano, a de vinho fino foi de 99,250 mil litros por ano, a de espumante foi de 60,3 mil litros por ano, de grappa foi de 4,2 mil litros por ano e de suco de uva foi de 388,8 mil litros por ano. O relatório aponta que das uvas viníferas utilizadas na produção de vinhos finos 51 toneladas (7,6%) foram de produção própria no Paraná. Outras 11 toneladas foram compradas no Estado (1,6%) e 562 toneladas (84%) foram compradas do Rio Grande do Sul no ano passado. O total de uvas processadas em 2019 no Paraná foi de 668 toneladas.

QUEDA NAS VENDAS

O que virá para o setor de vinho após a Covid-19? Muitas incertezas, diz Adriano Miolo, superintendente do grupo Miolo.

Os dados mundiais mostram que as vendas caíram nesse período de isolamento social, mas o consumo aumentou. Isso porque os consumidores, principalmente os europeus, queimaram seus estoques de casa.A reposição caseira de vinho pode não ser imediata, uma vez que a pandemia vai deixar um rastro de estragos nas economias de países ricos e em desenvolvimento. "Será um período de muitas incertezas e vamos recomeçar do zero", afirma o executivo da Miolo.

O Brasil já estava no fundo do poço e isso ocorre exatamente em uma fase em que as perspectivas melhoravam. Miolo diz que ainda há uma luz para as vinícolas brasileiras. O setor vem fazendo investimentos em novas tecnologias e na qualidade das videiras e do vinho há uma década. Pode colher os frutos agora. "Como está não dá para sobreviver mais. Afinal, de cada dez garrafas de vinho fino comercializadas no país, apenas uma é nacional", diz.

No setor de espumante, a situação é inversa à do vinho. De cada dez garrafas consumidas no mercado interno, apenas duas são importadas, diz Miolo. Mas o que ele classificou como excelentes safras de 2018 e de 2020, esta última considerada pelo executivo como a melhor da história do país, pode atrair público. Os vinhos dessas safras vão ficar girando pelo mercado por pelo menos cinco anos. É tempo para o brasileiro redescobrir a bebida, afirma.

Miolo diz que a mudança da legislação, permitindo a produção de vinho com graduação alcoólica de até 16º em 2019, também terá sua parcela de contribuição porque amplia a qualidade.Com esse patamar alcoólico são produzidos vinhos nobres e que garantem um período maior de guarda. "Precisamos aproveitar as safras excepcionais, como as de 2018 e de 2020, para esses tipos de vinho. Na última década, tivemos apenas quatro safras muito boas no Rio Grande do Sul."

O ponto desfavorável desse momento é que não se sabe como vai ser o pós-Covid. Os efeitos da recessão mundial e nacional, além da inadimplência, são decisivos nesse segmento. "É um cenário de difícil previsão". Mas Miolo diz que é preciso considerar página virada os problemas vividos pela vitivinicultura até o momento. "A partir de agora, é preciso buscar competitividade". O dólar pode ajudar: os estoques dos importadores, comprados a um dólar de menor valor, estão acabando e, mesmo após a queda da semana passada, o dólar ainda é negociado ao redor de R$ 5.

Os novos produtos devem chegar com preços maiores. "É competitividade na veia", afirma. Mas não há oferta de vinho nacional para atender toda a demanda pelo produto de alta qualidade. Nas contas de Miolo, o Brasil consome 310 milhões de litros por ano. Deste volume, 130 milhões de garrafas são de vinho fino. E a produção local é de apenas 50 milhões de litros. O executivo acredita na indústria nacional porque, segundo ele, qualidade todo país tem - assim como vinhos médios e medíocres. Mas o preço interfere muito na comercialização. Ele cita o caso do Chile, que domina o mercado brasileiro com preços baixos. "Eles aproveitaram muito bem o conceito de imagem do país, vendendo os vinhos baratos que estão no mercado brasileiro."

A Argentina tem até mais produto com qualidade, mas não conseguiu difundir essa imagem por aqui, afirma. Além da concorrência dos países do Mercosul, incluindo o Chile que tem taxa diferenciada, o Brasil deverá sofrer também uma disputa de membros da União Europeia, se ocorrer o acordo dos blocos do Mercosul e da UE. Portugal já avisou que, quando confirmado o acordo, quer desbancar o Chile como maior fornecedor dessa bebida ao Brasil.

O cenário para a frente poderá ser melhor, na visão da indústria. Os produtores apostam muito na reforma tributária, que poderá dar ao vinho uma tributação semelhante a dos alimentos, bem abaixo da que recebe atualmente. Com relação à eventual concorrência do produto europeu, o governo prometeu a criação de um fundo de amparo ao setor. O temor, no entanto, vem de uma eventual piora na taxação do setor, como a ventilada criação do "imposto do pecado", sugerido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. (MAURO ZAFALON/FOLHAPRESS)