O tio João era casado com a irmã do meu pai, a tia Orelia. Eles moravam em Terra Boa e certo dia recebemos uma carta dele, como era de costume naquela época. A carta dizia o seguinte:

“Aos cunhados

Pego na pena para manda notícias daqui e saber de vocês aí. Aqui estamos bem Graças a Deus. A Maria, mulher do Vardemá, está grávida e vai ganhar o neném no final do ano. O Zeca manda pedir benção pros padrinhos. A Náide e o Juvêncio foram para a Aparecida do Norte na romaria da Capela pagar promessa. Trouxeram um bonito relógio e muitas medalinhas para todos. Também trouxe um terço para Tia Rina. Vamos ter uma boa colheita de café e vamos comprar uma caminhonete três quarto. Agente precisa aqui na roça. O Didi já está indo no Nardo, vizinho, para aprender a guiar. O Nardo que é filho do compadre do Rodorfo, disse que ele vai bem e que vai dá um bão chofer. A Dirce quer casar no fim do ano. O rapaz já pediu ela em casamento. Só vamos esperar ela completar idade para casar. Ela falou que quer que o tio Dilino e a tia Rina vai ser os padrinhos. A Creozilda vai se formar no corte de costura no mês que vem. Tá costurando bem. A Orelia comprou uma peça de algodão cru e ela já fez lençol, fronha e costurou os bornaus para as crianças ir para a escola. Ficou bão compadre. Outra coisa o Lau filho do Gervazio vai recebe o diploma de bater maquina de escreve ele qué trabalha na cidade. Fui no dotor Sergio dentista e vou ter que tirar os dentes tá tudo com piorreia fazê o que né. Sabe quem teve aqui no mês passado cunhado, foi o Zé e a Titona. Eita mulher danada essa nossa cunhada, ficaram aqui uma semana não lavou uma peça de ropa e nem arrumava a cama muito forgada pro nosso gosto. A Orelia ficou fula da vida. Agora compadre vou fazer a festa de São João e gostaria que vocês viessem. Vai ter o terço, fogueira e vamos levantar o mastro. Já preparei o pau de sebo para a rapaziada brincar. Vou colocar uns tostão no topo. Vai ter pão doce, anisete, chocolate xadres, doces. Convidei o Padre Beto para vim mas ele já tem outro compromisso. Vamos esperar vocês.

Todos nois mandamos abraço a todos daí

Seu cunhado João Malaco”.

Imagem ilustrativa da imagem A carta do tio João
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Coitado, o tio era analfabeto e quem escreveu a carta foram os meninos.

Como nós gastávamos muito deles, uns três dias antes, fomos de jipe para a festa de São João do tio. Inesquecível. Tinha rojões, busca-pé, bombinhas, traques e uns fogos que pregado na parede do paiol, após acesa, roda e soltava umas faíscas coloridas. Era encantador para nós.

Sidney Girotto, médico e leitor da FOLHA

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