A iniciativa “Crespinhos” tem ajudado crianças a amarem seus cabelos do jeito que são. Porém, antes de falar sobre elas, é necessário lembrar as gerações anteriores, que criaram o movimento. Tudo começou há mais de duas décadas, quando amigas de Londrina sentiram a necessidade de se unir para tratar de vários assuntos, principalmente voltados a pessoas negras. Com o passar do tempo, oficializar estes objetivos e juntar estas ideias se tornou algo ainda mais importante. Foi foi assim que nasceu o coletivo Black Divas.

“O coletivo veio como uma referência de intelectualidade, não só beleza. Tem o trabalho estético, mas também tem um trabalho importantíssimo que é da visibilidade da mulher negra, do empoderamento. Trabalhamos a sororidade, e isso para nós é importantíssimo”, conta Sandra Mara Aguillera, uma das fundadoras do coletivo.

Em seus 21 anos de existência, o coletivo já teve várias iniciativas, como "A Marcha do Orgulho Crespo de Londrina", mas encontrou no cotidiano a necessidade de trabalhar também as novas gerações, que possuem na textura de seus cabelos crespos traços de identidade e não somente luta, como também empoderamento.

Os irmãos Johanna Cristal e Emmanuel Francisco, que ganharam o concurso Miss e Mister Beleza Negra, contam que o projeto foi importante para aumentar a confiança
Os irmãos Johanna Cristal e Emmanuel Francisco, que ganharam o concurso Miss e Mister Beleza Negra, contam que o projeto foi importante para aumentar a confiança | Foto: Mayara Tavares

O “Crespinho” foi criado a partir de uma situação ocorrida em uma escola. "Uma diretora nos chamou, dizendo que uma criança tinha tomado 'QBoa' (desinfetante) para ficar branca, e já tinha acontecido outros momentos. Nós fizemos uma intervenção, realizando oficinas com as crianças e educadores. Trabalhamos a formação e, naquele momento, achamos pertinente trazer isso. Porque quando viram o que a gente estava fazendo, dançando, cantando, falando sobre o pertencimento da comunidade negra, eles falaram ‘não é possível, têm pessoas que não sofrem preconceito’. Então os olhos brilhavam”.

Sandra Mara Aguillera, uma das fundadoras do coletivo Black Divas: visibilidade e empoderamento
Sandra Mara Aguillera, uma das fundadoras do coletivo Black Divas: visibilidade e empoderamento | Foto: Mayara Tavares

HINO

Atualmente, o projeto possui até mesmo um hino. Priscilla Garcia, 38, é a compositora da música e entende bem a importância de lembrar a beleza do cabelo crespo, algo que ela não teve em sua infância.

“Eu não me encontrava, porque quando a gente é criança, quer ser como todas as crianças são; então achava o meu cabelo feio, porque ele era diferente, e ninguém chegou em mim e falou ‘olha, o seu cabelo é bonito do seu jeito’. Por isso que eu acho a iniciativa importante, deixar isso para as crianças hoje em dia”.

Priscilla Garcia criou um hino sobre a importância de lembrar a beleza do cabelo crespo
Priscilla Garcia criou um hino sobre a importância de lembrar a beleza do cabelo crespo | Foto: Mayara Tavares

As duas filhas de Garcia, uma de três meses e outra de nove anos de idade, fazem parte da iniciativa. A mais velha possui um ponto de vista positivo sobre ter cabelo crespo. “Eu amo meu cabelo. A parte que eu mais gosto, é que posso fazer tudo com ele; posso colocar trança, fazer dread, posso trançar do jeito que eu quiser”, diz Giovanna Garcia, mostrando com orgulho as tranças que sua mãe havia feito em seu cabelo.

CONFIANÇA E ACOLHIMENTO

E não são somente as meninas que sentem o impacto do projeto em suas vidas e percebem a importância de amarem seus cabelos. Emmanuel Francisco, 10, faz parte da iniciativa desde cinco anos de idade e percebe uma evolução. “(O Crespinhos) melhorou a confiança em mim mesmo. Eu aprendi até a desfilar”.

Ele e sua irmã, Johanna Cristal, 12, ganharam o concurso Miss e Mister Beleza Negra de Londrina em 2019. “Sinceramente, foi muito legal, porque a minha confiança melhorou um pouco depois de eu ganhar o desfile, foi bem legal”, diz Johanna, explicando ainda que o Crespinhos fez com que ela se sentisse acolhida.

A mãe deles, Alessandra Aparecida Santos, também percebe o carinho que seus filhos têm pelo movimento. A família é de Cambé (Região Metropolitana de Londrina) e sempre vem a Londrina para participar de todas as iniciativas do Crespinhos.

“Eu só tenho a agradecer, porque as nossas crianças são a nossa continuidade, inclusive a continuidade do coletivo Black Divas, e os meus filhos, como estão desde pequenos mesmo, a gente percebe que eles participam com amor de verdade. Eles ficam muito empolgados em dia de evento, se preparando desde cedo”, conta Santos.

Alessandra Aparecida dos Santos diz que toda sua família sempre está presente nos eventos do Black Divas, principalmente os com atividades voltadas para os Crespinhos
Alessandra Aparecida dos Santos diz que toda sua família sempre está presente nos eventos do Black Divas, principalmente os com atividades voltadas para os Crespinhos | Foto: Mayara Tavares

A iniciativa Crespinhos tem suas portas abertas para todas as crianças que queiram participar, assim como está na letra do hino do projeto: “ele é crespinho do cabelo loiro, ela é crespinha do cabelo black. Nós somos maravilhosos e podemos usar dread, o cabelo é nosso e ninguém se mete, gosto do meu cabelo assim do jeito que ele é”. A letra e a iniciativa perpetuam os principais objetivos dos Crespinhos: aceitação e representatividade.

FINANCIAMENTO PÚBLICO

O projeto Crespinhos está presente nos eventos e ações realizadas pelo coletivo Black Divas. O mais recente ocorreu no último sábado (11), no Jardim Bandeirantes (zona oeste) - a 59ª Feira Black Empreendedorismo, contando com a 3ª Mostra Cultural realizada pelo coletivo.

Imagem ilustrativa da imagem 'Crespinhos': o empoderamento cresce através das gerações
| Foto: Mayara Tavares

Esta não foi a primeira edição do evento, mas foi a primeira vez que eles conseguiram financiamento público, a partir da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022). A feira abriu espaço tanto para comerciantes venderem comida, entre outros produtos, quanto para jovens dançarinos se apresentarem, além de muita música.

Para as crianças do Crespinhos, também houve uma atividade especial: a produção de slimes. Jô Moreno, 34, que ajudou as crianças na produção, conta que a atividade foi escolhida para que as crianças experimentassem as texturas, além da oportunidade de ter contato e contar com a colaboração das outras pessoas. "A gente precisa sempre de alguém para dar uma forcinha a mais para misturar, porque tem que ter paciência. E também tem essa brincadeira com as cores."

Da esquerda para a direita, Giovanna Garcia, Jô Moreno, Johanna Cristal e Emmanuel Francisco
Da esquerda para a direita, Giovanna Garcia, Jô Moreno, Johanna Cristal e Emmanuel Francisco | Foto: Mayara Tavares

Supervisão - Patrícia Maria Alves - editora