Leste e oeste se chocam em “Ouro Puro/Rheingold” (2022), o mais recente filme do cineasta alemão de ascendência turca Fatih Akin, que o Cine Ouro Verde/UEL exibe a partir da próxima segunda feira (28). Esta produção, que coloca o diretor de volta às ruas da Alemanha urbana após o polêmico drama de 2019 sobre um serial killer, “O Bar Luva Dourada”, é uma espécie de cinebiografia com assunto igualmente notório: o rapper curdo, chefe de uma gravadora e às vezes presidiário Giwar Hajabi, também conhecido (e muito, por aquelas bandas) como Xatar.

Nascido numa caverna infestada de morcegos, debaixo de fortes bombardeios durante a guerra Irã-Iraque, Hajabi/Xatar – ainda com apenas 40 anos – teve uma vida no mínimo interessante. Suspeita-se que esse retrato, recheado de coisas estranhas, seja simplesmente a ponta de um iceberg muito sombrio (a extensão impressionante da carreira de traficante de drogas do personagem só é vislumbrada em uma breve montagem); mas uma atuação carismática e até vulnerável do astro alemão Emilio Sakraya é suficiente para nos manter sempre de prontidão.

O início é ousado, com uma configuração pretensamente épica que não consegue cumprir: Hajabi e os seus três cúmplices são entregues a uma prisão na Síria, onde são interrogados sobre um esconderijo de ouro desaparecido. Hajabi é torturado, mas finge ignorância, e antes que você possa dizer qualquer palavra de cinco silabas, temos um resumo de sua vida até este ponto.

O título do filme vem do Ciclo do Anel dos Nibelungos, de Wagner, referindo-se a um lendário veio de ouro que concederá vida imortal a quem o possuir. As obras de Wagner são muito admiradas pelo pai músico de Hajabi, Eghbal, um curdo que levou a família para a Alemanha após perseguição dos iranianos e depois dos iraquianos. Em sua nova vida, Eghbal quer que seu filho o siga no mundo da música e paga aulas de piano. Em vez disso, o adolescente Hajabi vende vídeos pornôs para seus colegas de classe e rapidamente passa a negociar maconha.

Há muito terreno a percorrer aqui, e alguns atores interpretam os Hajabis mais jovens antes da chegada de seu intérprete principal, Sakraya. Felizmente, ele aparece em um ponto crucial, depois que o jovem aprende os fatos brutais sobre brigas de rua com um cara durão local: “Você quer estar na rua? Sabe onde fica a rua? No chão! E quando o outro está no chão, você corre até ele e continua batendo nele até que ele termine.” Hajabi leva esse conselho a sério e derrota uma gangue local em uma onda de vingança incrivelmente violenta, ganhando assim o apelido de “Xatar”, uma palavra curda que significa “O Perigoso”.

Na mesma época, ele se interessa pela música rap, mas seu futuro como músico famoso da Alemanha fica em segundo plano. Enquanto isso, Akin retorna ao assunto do ouro desaparecido: depois de quebrar acidentalmente várias caixas de cocaína líquida durante uma tempestade, Hajabi é o mentor de um assalto potencialmente lucrativo envolvendo dentes de ouro colhidos de cadáveres em casas funerárias. Isto nos leva de volta ao início, embora, mais uma vez, pareça faltar alguma coisa na recapitulação, omitindo referências de legalidade de quaisquer outras peripécias que certamente se acumularam na viagem de Hajabi/Xatar.

Antigas acusações de filmes com este crime glamoroso são aplicáveis e, às vezes, parecem verdadeiras, uma vez que Hajabi não mostra muito remorso e simplesmente abandona o crime quando tem dinheiro suficiente para fazer as coisas legalmente. No entanto, Akin o contextualiza como um filho da guerra (seu primeiro nome significa literalmente “nascido do sofrimento”), e este “Rheingold” certamente convence como um filme de gangster muito moderno, com excelente uso de rap e R&B como a música que irá eventualmente domar a fera selvagem. Às vezes as coisas caminham para uma espécie de comédia de assalto ao estilo do ex-senhor Madonna, Guy Ritchie (mas sem o pleno entretenimento de, por exemplo, “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”), tão desajeitados os peronagens parecem. Um estudo aprofundado do envolvimento do protagonista no género musical multiétnico por excelência talvez tivesse tornado a parábola do filme mais focada e envolvente.

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