Ao entrar na Deduch Store, Thalita Gonçalvez segue para o fundo da loja e sobe a escada espiral que leva até o estúdio de tatuagem. O ambiente é colorido, repleto de quadros na parede e miniaturas de personagens de desenhos famosos. “A gente nem terminou de decorar ainda”. Mas é ali que ela faz a mágica acontecer, tanto criativa quanto burocrática. A louca das pesquisas, como gosta de dizer.

LEIA MAIS:

Claudio Willer: uma vida (e tanto) de poesia e prosa

Aos 29 anos, a artista visual nasceu em Paranavaí (PR), mas as memórias que cultiva ficam na fronteira entre Cambé e Londrina. Na juventude, tomou gosto pelo atletismo; já o gosto pela arte vem de muito antes, quando o sulfite era a tela e a tinta guache se transformava nas formas que ela tentava imitar - ou criar. Talvez fosse o futuro dando pinceladas no passado.

Com o olhar distante, ela relembra a infância na periferia. A família, mesmo com poucos recursos, foi uma grande incentivadora. Aos 15 anos, ganhou dos pais a primeira câmera fotográfica. “Eles foram comprar no Paraguai”. A partir daí, começou para nunca mais parar.

No auge da adolescência, entrou de cara nos estudos. A cobrança para ser alguém na vida, para decidir as décadas futuras em farelos de segundo. Mas no fundo ela já sabia. E como não podia ser diferente: se aventurou no curso de Artes Visuais. Entre idas e vindas, a fotografia de espetáculo a pegou de vez. A magia por trás dos movimentos únicos, capturados no instante decisivo.

Tela de Camila Deduch e Thalita Gonçalvez: explosão de cores
Tela de Camila Deduch e Thalita Gonçalvez: explosão de cores | Foto: Arquivo Pessoal

Com um sorriso tímido, os olhinhos brilhando e a ansiedade querendo tomar conta, Camila Deduch lê e relê as anotações feitas no celular enquanto senta na poltrona do estúdio de tatuagem, que fica na parte de cima da Deduch Store. Coisas que ela não quer esquecer - de contar e de sempre manter vivas na memória. Aos 40 anos, relembra um pouco da história da família, que saiu de Sorocaba e veio para Ortigueira quando Camila ainda nem pensava em dar os primeiros passos.

O coração e a mente vagueiam por universos distintos em um piscar de olhos. “Eu sou uma pessoa sonhadora”. Apaixonada por pintura desde criança, abandonou o hábito por anos. “Mas aquilo fica preso lá dentro. Você para e em algum momento você volta”. Como o fruto nunca cai longe do pé, conta da mãe, sua companheira de sonhos. “O sonho da nossa família era estudar na Universidade Estadual de Londrina”.

E sonhos podem ser apenas sonhos para quem não corre atrás. Mas Camila correu. Aprovada em Artes Cênicas - outro sonho -, viveu o momento mais feliz e o mais triste. Um mês antes de embarcar na jornada dos sonhos, a mãe descobriu um câncer em estágio avançado. Ela faleceu em poucas semanas. Talvez o mundo não seja justo, nem mesmo bonito. Talvez seja um pesadelo.

Mas há quem veja beleza nos momentos mais sombrios. “A UEL foi como ter uma razão para viver”. Camila via a mãe nas árvores, que vibravam com o vento e irradiavam luz. Nos tempos difíceis, siga a luz, seja ela qual for. “Eu sentia a minha mãe ali”. Talvez ela realmente estivesse. Cuidando, guiando. E a vida seguiu o fluxo, como precisa ser.

CAMILA E THALITA: UM ENCONTRO DE TALENTOS

Camila era dona de um estúdio de tatuagem em um período em que a profissão era dominada por homens. Talvez fosse o gosto pela pintura voltando aos poucos. Tímido.

E então, em um ato do destino, Camila e Thalita decidiram que iriam a uma festa. Bar Valentino. 05 de dezembro de 2012. E elas foram. E se encontraram.

Thalita e Camila: conectadas pela arte, elas trabalham e vivem juntas há 12 anos
Thalita e Camila: conectadas pela arte, elas trabalham e vivem juntas há 12 anos | Foto: Jessica Sabbadini

A menina apaixonada por pintura e fotografia de espetáculo se encontrou com a sonhadora estudante de cênicas. Talvez o destino, talvez o acaso. Dois dias depois já estavam namorando e um mês depois foram morar juntas. Quem disse que o amor obedece alguma lei, princípio ou paradigma?

“A gente tinha uma sintonia desde o início”. A câmera da Thalita queria registrar as apresentações da Camila. E a Camila queria ser registrada pelo ponto de vista da Thalita. “A arte conectou a gente”. A parceria no relacionamento também alçou novos espaços. Thalita começou a trabalhar com a Camila. Ficou com a parte burocrática, como costuma dizer.

Mas o mundo virou de cabeça para baixo quando a ideia de fazer tatuagens em aquarela surgiu em uma das pesquisas da Thalita. Na época, usava o Google mesmo; hoje, o Pinterest é sua fonte de inspiração. Esse tipo de pintura era uma novidade em 2013.

Um elefante colorido com a técnica tatuado na pele de uma amiga e o poder de um post nas redes sociais foi o boom do negócio. Elas começaram a receber clientes de todo o Brasil e de países do exterior. “Ser mulher e trazer algo novo em uma cidade dominada por tatuadores foi o ponto de partida de tudo o que veio pela frente”.

O relacionamento, a parceria e o amor foram se desenvolvendo com os anos, que hoje já somam 12. “A gente se desenrola muito bem”. Thalita cria. Camila reproduz. Thalita desenvolve. Camila executa.

Em 2019, vieram novos desafios. Ficaram dois meses tatuando na Europa. Sete países e nove cidades. A internet ajudou, mas é o talento que faz toda a diferença. “Pessoas da Inglaterra foram para a Itália se tatuar com a gente”.

Arte que esbanja criatividade
Arte que esbanja criatividade | Foto: Arquivo Pessoal

Nesse período, a paixão de Camila pela pintura voltou de vez. E voltou para ficar. Pintou, pintou e pintou mais um pouco. Autorretratos, animais e paisagens. De tudo um pouco, mas sempre remetendo as vivências e, claro, aos sonhos. E com isso veio o convite para expor no Museu de Arte de Londrina.

Mas então tudo mudou. A pandemia foi fazendo vítimas, trazendo o caos e o medo. A exposição foi adiada. Tudo fechou as portas. Sem previsão de atender novos clientes, a alternativa foi aperfeiçoar cada vez mais as habilidades e os gostos. Camila começou a pintar mais e mais e Thalita provou o gostinho da tinta na tela. Agora não era mais guache e sulfite.

Mas não há como mudar o que já foi selado pelo futuro. Em 2021, Camila participou de uma seleção para expor no Carrossel do Louvre. E foi aceita. O quadro? Um autorretrato do pássaro dela, que nasceu das memórias que tem da mãe. “Dá para acreditar que a minha primeira exposição foi no Louvre?”. A partir dali, ela expôs em museus na Alemanha, Áustria, Inglaterra, Escócia e Dubai.

No processo, Thalita foi desenvolvendo o gosto pela pintura abstrata. Começou a vender telas e a atrair olhares atentos. Neste ano, participou pela primeira vez do Carrossel do Louvre e teve suas telas expostas em diversos outros países. Para Camila, o Carrossel do Louvre já virou amigo íntimo. E aguarda Nova Iorque ansiosamente para março de 2023.

Nesse ano, abriram um ateliê em São Paulo e se dividem entre lá e cá. O que une a dupla, só as divindades podem dizer. Mas o amor que sentem uma pela outra e pela arte ajuda. E cada dia cresce mais. “A gente se entende mais do que se desentende”.

A racionalidade de Thalita e a emoção de Camila formam o combo perfeito, tanto no trabalho quanto na vida. O futuro que querem é recheado de quadros, de tintas de todas as cores. A aquarela perfeita. O desejo agora é levar o trabalho cada vez mais longe, para todos os cantos do mundo e além.

Outra tela de Camila Deduch e Thalita Gonçalves: de Londrina para os museus do mundo, formas e cores harmoniosas
Outra tela de Camila Deduch e Thalita Gonçalves: de Londrina para os museus do mundo, formas e cores harmoniosas | Foto: Arquivo Pessoal

...

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link