Quando a mãe da atriz Larissa Manoela parou de seguir a filha em uma rede social poucos meses atrás, os rumores de uma crise na relação familiar ganharam força.

Parte desse quebra-cabeça entre a filha única e seus pais foi revelado no domingo (13), ironicamente Dia dos Pais, momento em que Larissa Manoela falou ao Fantástico sobre o rompimento de sua relação com eles. Depois disso, a atriz deu nova entrevista ao Fantástico, no último domingo (20), tendo ainda abordado o assunto com indiretas nas redes sociais, assim como a mãe, que também deu entrevista ao SBT.

Paranaense de Guarapuava, Larissa Manoela, hoje com 22 anos, começou a sua carreira ainda criança, aos 4 anos, o que fez com que seus pais fossem seus empresários desde o início. Um de seus primeiros trabalhos foi no filme “O palhaço”, dirigido pelo ator e diretor Selton Mello, mas foi com a personagem Maria Joaquina, no remake de Carrossel (SBT), que ela atingiu a fama. Em 2022, sua carreira ganhou mais um destaque: Larissa alçou o protagonismo da novela “Além da ilusão” (Globo).

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Na primeira entrevista ao Fantástico, ela conta que a divergência com os pais se iniciou quando ela fez 18 anos e começou a querer saber mais sobre os ganhos resultantes de seu trabalho. No último ano, esses questionamentos teriam ficado mais incisivos, deixando a relação familiar cada vez mais balançada.

Larissa divulgou, no programa dominical, áudios de conversas que teve com a mãe. Neles, ela diz coisas como: “Eu nunca quis nada teu. Nada. Eu vou te falar uma coisa. Pra você, eu só vou ser título de mãe” e “Quer me chamar de mercenária, pode chamar. Mas o que eu não vou abrir mão de um centavo é cuidar do seu dinheiro. O resto, você pode fazer aquilo que você quer”. Na prática, apesar dos 51 milhões de seguidores no Instagram e contratos de publicidade com marcas internacionais e nacionais, além de três empresas em seu nome, Larissa Manoela não podia muito…

Ela relata que recebia uma mesada e, para além disso, precisava constantemente pedir dinheiro para os pais - mesmo quando se tratava de pequenos gastos. O clima ficou ainda mais tenso quando Larissa descobriu que tinha apenas 2% de direitos sobre uma das empresas em seu nome - o restante era dividido entre seus pais.

Apesar das tentativas de Larissa de renegociar a porcentagem nas empresas de uma forma mais igualitária, seus pais não aceitaram. O desfecho foi dramático: Larissa os retirou da administração de suas empresas, tem negociado contratos para ficarem sob sua responsabilidade e abriu mão de patrimônio estimado em R$ 18 milhões, que ficará para eles.

Em carta divulgada também no Fantástico, o advogado de defesa dos pais de Larissa argumenta que a atriz sempre teve acesso a cartões de crédito, e que a menina é quem tem se recusado a falar com os pais, ressaltando o quanto essa situação demonstra ingratidão e causa discórdia familiar.

“Eu me sentia violada, mas não tinha voz e nem habilidade para expressar isso”

Larissa não está sozinha na seara de atrizes mirins que tiveram uma relação complicada com seus pais, o que costuma gerar consequências também na vida adulta.

CARREIRAS PRECOCES

Há outros casos de artistas que também começaram suas carreiras na infância e que igualmente passaram por cenários parecidos de controle parental, não só do patrimônio, mas também da vida pessoal. Um dos mais emblemáticos dos últimos anos é o da cantora Britney Spears, que lutou para se ver livre da tutela de seu pai, que dominou sua vida pessoal, seu dinheiro e sua carreira por 13 anos. A batalha pela própria autonomia gerou muita comoção, virou o movimento #FreeBritney e finalmente chegou ao fim em 2021.

Um exemplo mais recente é o da atriz Jennette McCurdy. Conhecida por seu papel como Sam Puckett em iCarly (Nickelodeon), ela publicou no final de 2022 um livro autobiográfico. O título? "Estou feliz que minha mãe morreu." Na obra, ela conta seu ponto de vista como atriz mirim e o quanto a relação com a mãe controladora lhe rendeu traumas, vícios e distúrbios alimentares.

O desconforto que se sente ao ler o título que McCurdy escolheu para sua obra não é por acaso. As figuras parentais (e principalmente a materna) são vistas como sagradas, detentoras de um amor incondicional que se imagina ser incapaz de fazer qualquer mal aos filhos. Mas a realidade para além dessa idealização não é bem assim. Em um dos trechos do livro, Jennette fala sobre isso:

“Eu a coloquei em um pedestal e sei como esse pedestal foi prejudicial à minha vida e ao meu bem-estar. Esse pedestal me manteve empacada, atrofiada emocionalmente, vivendo com medo, dependente, em um estado quase constante de dor emocional e sem as ferramentas para apenas identificar essa dor, que dirá lidar com ela. Minha mãe não merecia seu pedestal. Ela era uma narcisista. Recusava-se a admitir que tivesse algum problema, apesar do quanto esses problemas foram destrutivos para toda a nossa família. Minha mãe abusou de mim emocional, mental e fisicamente de formas que terão um impacto eterno sobre mim. [...] Eu me sentia violada, mas não tinha voz e nem habilidade para expressar isso. Eu estava condicionada a acreditar que qualquer limite que eu quisesse seria uma traição, então eu fiquei em silêncio”.

UMA QUESTÃO DE SAÚDE MENTAL

Jennette McCurdy chama sua mãe de “narcisista”, e o debate sobre esse assunto vem ganhando ainda mais força com o caso de Larissa Manoela. Rafael Biazin, psicólogo e mestre em Psicanálise - Clínica e Cultura pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), chama atenção para o fato de as recentes discussões sobre pais narcisistas se transformarem em uma ânsia por patologizar relações e diagnosticar um transtorno que explique o nosso inconformismo com esses casos: “Isso é para tentar dar um nome para o insuportável: o fato de quem prejudica a filha ser o pai e a mãe, o que coloca em xeque a nossa leitura sacra do que é a família. O narcisismo não é um conceito execrado para a psicanálise, mas fora desse campo tem tomado uma outra direção”, explica Rafael.

A outra direção é o que tem se chamado de Transtorno de Personalidade Narcisista, como esclarece a psiquiatra Tatiana Schmidt, de Blumenau (SC): “É uma pessoa que tem padrão de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia… vive focada em si e tem dificuldade de compreender a dificuldade dos outros. Isso porque a questão do narcisista não é com o outro, é consigo mesmo”.

A indicação de Tatiana para quem acredita se relacionar com pessoas assim é buscar ajuda, procurando tratamento psicológico para conseguir compreender essa dinâmica e assim sair dela, já que isso traz impactos para a saúde mental. “É muito importante que busquem ajuda, já que a pessoa que tem Transtorno de Personalidade Narcisista muito raramente vai fazer isso, porque ela não percebe que precisa. Então quem costuma procurar ajuda são as pessoas que convivem com narcisistas, já que sofrem com isso e assim procuram orientação”.

Apesar da relevância da discussão, Tatiana alerta que, para fazer um diagnóstico psiquiátrico, seja de Transtorno de Personalidade Narcisista seja de outros distúrbios, é necessário uma avaliação profissional direcionada a cada caso. No entanto falar sobre o assunto lança luz nos abismos que muitas vezes envolvem as relações parentais, servindo de alerta para que pessoas que passam por casos parecidos percebam que vivem em uma relação tóxica e assim possam impor limites e procurar ajuda de alguma maneira.

"E eu cheguei a falar isso pro meu pai. Eu falei: 'eu prefiro perder o empresário do que perder o meu pai'. Eu a todo instante tentei fazer com que essa conversa, esse assunto, ele fosse desdobrado de uma maneira simples", Larissa Manoela desabafa em uma de suas falas ao Fantástico. Apesar da tentativa pela manutenção dos laços afetivos, Tatiana alerta: “A quebra do vínculo é muitas vezes o que traz saúde mental para quem convive com o narcisista, seja filho, cônjuge ou qualquer outra pessoa”.