Com as atuais manchetes diárias sobre o recrudecimento do Covid (e o reforço aliado, a variante Ómicron), não se sabe exatamente se “Don't Look Up” (Não Olhe Para Cima), comédia repleta de estrelas da Netflix, assaltou a ansiedade do espectador no melhor ou no pior momento. Felizmente, o foco não se trata de uma pandemia, mas há perturbadoras pistas no mais recente filme de Adam McKay que, para muitos, parecerão muito próximas da realidade, ou talvez para outros possam até ser catárticas. Com um cometa ameaçando colidir com a Terra, “Não Olhe para Cima” investiga, à sua maneira assustadoramente divertida, como pode ser difícil difundir uma mensagem necessária na era das fakenews. E de outros malefícios.

Embora tenha sido escrito com a crise climática em mente (o cometa, na verdade, é metáfora para o aquecimento global), há muitas coisas no filme que poderiam facilmente ter sido escritas sobre a pandemia. E McKay não se intimida por nada, e por mais que o filme faça rir, também pode levar à irritação. E esse é o objetivo. Não tem a intenção de ser sutil, mas resta saber se ele é algo que você deseja ver, considerando a situação de contagiante flagelo que estamos vivendo.

A esta altura do calendário, a inércia do imenso feriadão de Natal e quase Ano Novo deixou o público a mercê do estratégico golpe de mestre da Netflix, o que leva a crer que a trama de “Don’t Look Up” já é do conhecimento do planeta (por ora ainda inteiro...). Assim, é dispensável detalhar a trama que, sumariamente, coloca dois astrônomos insignificantes, mas talentosos (Di Caprio e Jennifer Lawrence), tentando por todos os meios convencer a patética presidente dos EUA (Meryl Streep, fazendo um Trump de saias) de que o fim do mundo virá em seis meses, por conta de um cometa de 5 a 10 quilômetros de extensão que deverá extinguir a Humanidade com a potência de milhões de bombas atômicas.

Imagem ilustrativa da imagem 'Não Olhe  Para Cima': um filme terrivelmente atual

Obviamente insistente, a heróica dupla de cientistas não quer deixar o planeta explodir. E envolvem, além da mídia televisiva (Cate Blanchett e Tyler Perry), um mega-empresário (Mark Rylance), bilionário de uma corporação de tecnologia com mais poder do que os próprios políticos (parece familiar ?), que se envolve cada vez mais em decisões e projetos. Mas em um mundo onde as pessoas acreditam em tudo que lêem nas redes sociais, a dupla poderá usar o ciclo de notícias de 24 horas para fazer o mundo olhar para cima antes que seja tarde demais? Sejamos honestos: não há lá muita esperança...

Não é de bom tom antecipar mais nenhuma das múltiplas voltas que o filme dá, mas a comédia oscila entre medidas de última hora para enfrentar a dimensão apocalíptica da história e questões afetivas (os astrônomos têm lá seus casos colaterais). Mas este é um equilíbrio complicado que McKay tenta encontrar entre o humor maluco e a história mais de tragédia obscura, e nem sempre funciona. Em particular, a montagem demora um pouco para se ajustar, pois as cenas parecem terminar abruptamente ou se sobrepor sem motivo aparente. Na melhor das hipóteses, os cortes abruptos aumentam o sentido do humor, mas em muitas outras ocasiões eles parecem ser um capricho de estilo.

Como resumo desta ópera interpretada por um elenco de luxo (Mark Rylance, como o bilionário, rouba toda e qualquer cena),Adam McKay construiu um filme que serve ao seu propósito. Sua versão do fim do mundo não é apenas “científica” (há cálculos, telescópios e foguetes), mas também há moral (políticos que enganam apoiadores dispostos a morrer por essas e muitas outras mentiras). Estamos então diante de uma notável sátira de uma sociedade hiperconectada, mas ao mesmo tempo vazia. Uma oportunidade fantástica de – entre hashtags, memes e desafios absurdos – nos vermos refletidos sem ter a pressão extra de saber a hora exata em que "um cometa" realmente virá e acabará com tudo isso.