O outono da vida é quando você começa a sentir falta de roupa no outono. Na primavera da juventude nem se sente o frio outonal. Me lembro pulando em piscina no frio do final de maio, bastava o dia ensolarar, mesmo na água gelada o corpo se aquecia nadando até ficar sem fôlego, aí ia ficar ao sol. Lembro como se fosse outra pessoa aquele eu que não sentia frio.

Só no outono da vida descobri que as chamadas estações da vida realmente existem e funcionam. Agora estou no inverno e, olhando para trás, vejo que tive primavera e verão bons, nada a reclamar, e que comecei a reconhecer o outono de cada ano justo quando passei do outono da vida.

Meus avós temiam muito o sereno, o friozinho da noitinha que, no outono, parecia suportável mas podia resfriar quem ficasse ou, pior ainda, dormisse no sereno. Contava-se de gente que pegou sereno e acabou na cama ou até no cemitério, mas me parecia coisa de um velho tempo. Até que entrei no inverno da vida e eis que, mesmo sentado diante de fogueira, mal o sol deitou e já a nuca arrepia e a cabeça esfria, cadê o boné e o casaco de gola.

Mas foram os pés os primeiros a perceber o outono da vida: aqueles mesmos pés que viam tevê descalços, um dia passaram a pedir meias. E algo me diz que estarei chegando ao final do inverno da vida quando, depois das orelhas, começar a sentir frio no nariz. Não que isso valha para todos, cada um terá seu próprio trato com meias, luvas, boinas e cachecóis, conforme vamos percorrendo as quatro estações da vida.

Certo é que cada estação tem seu destino. Na Estação da Primavera, o destino é crescer. Na Estação do Verão, o destino é ser. Na Estação do Outono, o destino é amadurecer. Na Estação do Inverno, não se pensa mais em destino...

Lembro do velho mestre e seu curioso discípulo:

- Mestre, por que as folhas caem no outono?

- Porque estiveram nos galhos desde a primavera.

- Falando sério, mestre.

- Eu falo sempre sério, os outros é que dão risada.

- Não é melhor, mestre, ver a queda das folhas como já começo da primavera e das flores e frutos?

- Sim, como aquela pedra é pedaço vivo do Universo. Mas não será melhor pensar como seria se as folhas nunca caíssem?

- Como assim, mestre?

- Assim seriam sempre as mesmas velhas folhas empoeiradas. Com o tempo, seriam tão roídas de insetos que a árvore morreria por falta de folhas, e a árvore enfim cairia porque suas folhas não cairiam.

- Está brincando, mestre?

- Mas não é melhor brincar com o que não se pode entender? Pois quer saber mesmo porque as folhas caem? Porque em cada uma há um deus, como há um deus em cada abelha, cada estrela. E esse deus depois de certo tempo diz chega, acabou seu tempo, ou melhor, nosso tempo, pois é um deus que morre e renasce com tudo também. E a folha caindo ainda pode dançar ao vento! Portanto dance!

- Agora, mestre?!

- Sim, o único tempo é sempre agora!

- Mas dançar aqui, mestre?!

- Sim, por dentro, dance por dentro!

Pois só isto parece que é certo: o melhor de toda estação são os bons momentos.

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.