Textos preciosos guardados em gavetas. Muitas autoras de dramaturgia em Londrina seguem produzindo, apesar da falta de visibilidade. Foi o que apurou até o momento o projeto de pesquisa “Dramaturgia e teatro contemporâneo e suas experimentações”, coordenado pela professora Sonia Pascolati, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas (CLCH) da Universidade Estadual de Londrina -UEL. O projeto parte de uma pergunta bastante simples e pertinente para justificar sua atividade: quem e quantas são as mulheres autoras de dramaturgia em Londrina?

A partir dessas questões, o projeto buscou mapear as dramaturgas da cidade, em um primeiro momento. Na segunda etapa, concentrou-se em reunir os textos dessas autoras, enviados por elas mesmas à equipe do projeto, e estudá-los em reuniões quinzenais, feitas pelas cerca de 10 integrantes do projeto (todas mulheres, atualmente). O número de autoras, segundo Sonia, é expressivo, mas muitas vezes desconhecido da população. “As próprias mulheres, ao serem questionadas por nós, não se reconhecem como autoras de dramaturgia. Uma das entrevistadas até questionou: mas temos autoras de textos de teatro em Londrina?”.

A atriz Ana Karina Barbieri graduou-se em Artes Cênicas pela UEL em 2014 e, desde então, já produziu peças de teatro como artista independente na cidade. “Não me considero uma escritora, pois construo a dramaturgia na sala de ensaio, em conjunto. Não sento para escrever uma peça”, afirma Barbieri , que já teve peças encenadas em festivais pela cidade, como o Festival Internacional de Londrina (Filo).

A atriz é uma das participantes do projeto de pesquisa. Apesar de não se considerar uma autora, Ana Karina incursiona com muita frequência nos meandros da criação artística. Ela escreveu a peça autobiográfica “Na gaveta de baixo”, que estreou em 2019 e já foi apresentada mais de 20 vezes em cidades do Paraná e São Paulo. O solo faz uma referência à escritora Clarice Lispector e à dançarina moderna Martha Graham, que, como vozes femininas, ecoam no “corpo-atriz” de Ana.

Já o espetáculo “As Três Marias” é um dossiê poético em torno de mulheres da família de Ana Karina. A montagem foi produzida pela Cia do Terno de Dança-Teatro a partir de investigações em fotos, documentos, reportagens de época e relatos íntimos, momentos de enfrentamento e de superação, situações de vitórias e perdas vividas pela mãe e por duas tias da artista que protagoniza a encenação. “As Três Marias” relata histórias de mulheres comuns, que enfrentaram uma trajetória comum, com adversidades comuns.

PESQUISA COMO DESCOBERTA

Os números falam por si: existem muitas autoras na cidade, embora elas ainda não tenham a devida visibilidade e tenham que cavar espaços para serem encontradas. A estudante do Curso de Letras e integrante do projeto Adalgiza Arantes Loureiro vai para o terceiro ano de estudos sobre textos de dramaturgia em Londrina e reúne, em sua Iniciação Científica, 40 textos de um total de 65 textos mencionados em entrevistas por 31 autoras da cidade (parte deles não foi disponibilizada para estudo). “A cada entrevista, com uma autora, puxamos um fio para outra entrevista e, se encontramos mais autoras, vamos atrás delas”, explicou.

A Iniciação Científica de Adalgiza, um projeto derivado do projeto de extensão coordenado pela professora Sonia, concentra-se na identificação das temáticas tratadas nos textos para teatro. O levantamento de Adalgiza comprovou que a maioria dos textos trata de temáticas como violência e questões envolvendo identidade racial, por exemplo. Outra temática abordada com frequência é dos textos escolares, muitos produzidos por professoras. “Elas, às vezes, constroem esses textos junto com as crianças, em sala”, comenta.

Esse processo dialógico e conjunto de produção, ainda segundo as pesquisadoras, é o que faz com que muitas mulheres autoras se questionem se são autoras ou não. “Até pela própria conceituação do que é a dramaturgia contemporânea, elas não se sentiam, no início, pertencentes a esse universo de autoras”, explicou Sonia. Por isso, o próprio autoconhecimento e autoafirmação ficam prejudicados.

O projeto deve entrevistar, ainda, mais 10 autoras da cidade, e o número pode aumentar caso surjam mais interessadas no percurso. Após a análise desses textos, o grupo tem a intenção de, futuramente, publicar uma coletânea com alguns dos textos analisados no projeto. “Isso é importante para fixar a produção dessas mulheres, fazer com que elas tenham a devida visibilidade com uma produção física”, avalia Sonia.

Confira a lista das mulheres entrevistadas até agora para o projeto: Adriane Gomes, Alana Gentil Ana Curotto, Ana Karina Barbieri, Ana Letícia Ferreira, Aneliza Paiva, Beatriz Ganeo, Bruna Cassemiro, Camila Cristina, Camila Feoli, Camila Fontes, Camila Taari, Chris Vianna, Carol Ribeiro, Daniele Pezentis, Drica Nunes, Duda Pesentis, Edna Aguiar, Gracielle Selicani, Jackeline Seglin, Juliana Galante, Laura Franchi,

Letícia Pocaia, Luli Rodrigues, Maíra Kodama, Maria Angélica Abramo, Maria Julia Ferretti, Maria Clara Villela, Mariana Chinchilla, Mariana Ferrari, Marina Stuchi, Naomi Freire, Natália Viveiros, Rafaela Martins, Raissa Bessa, Raquel Sant'Anna, Raquel Palma, Renata Santana

Simone Andrade, Solange Mello, Thainara Pereira, Thais Artoni, Thaís D'Abronzo, Vanessa Nakadomari.

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