"Um galo sozinho não tece uma manhã:/ele precisará sempre de outros galos./De um que apanhe esse grito que ele/e o lance a outro; de um outro galo/que apanhe o grito de um galo antes/ e o lance a outro; e de outros galos/que com muitos outros galos se cruzem/ os fios de sol de seus gritos de galo,/ para que a manhã, desde uma teia tênue,/ se vá tecendo, entre todos os galos."

Os versos do poema Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto, são para a professora Kátia Simone Martins, uma referência da importância de união e sobretudo do protagonismo dos pais nesse momento de pandemia - para dar suporte aos filhos nos estudos em casa. Especializada em Artes e em Alfabetização, Martins leciona para alunos do P5 do Centro Municipal de Educação Infantil Valeria Veronesi, crianças de 5 e 6 anos de idade.

Professora Kátia Simone Martins, do Centro Municipal Infantil Valeria Veronesi, dando aula remota: "Sou afetuosa e minha maior preocupação é não deixar ninguém pra trás”
Professora Kátia Simone Martins, do Centro Municipal Infantil Valeria Veronesi, dando aula remota: "Sou afetuosa e minha maior preocupação é não deixar ninguém pra trás” | Foto: Divulgação

Há 16 anos na condução da Educação Infantil, a professora recorda que 20 de março foi o último dia de aula presencial. "Alguns já não estavam indo, o clima já era de estranhamento e com a suspensão oficial, uma porta foi fechada e tivemos que abrir uma janela", reflete. Ao assumir sua dificuldade com a tecnologia, Martins eleva todo o trabalho desenvolvido pela Prefeitura, assim como coordenação pedagógica. "As crianças acabaram me motivando ao falar que eu estava bonita nos vídeos e procurei ser eu mesma. Chamo os alunos de "lindeza", "belezinha", sou afetuosa e minha maior preocupação era que eu não deveria deixar ninguém para trás", explica.

Com uma dinâmica de aulas planejada e com base em enquetes com os pais e alunos, a educadora se desdobra, supera as dificuldades com a tecnologia e sabe que não pode deixar a peteca cair. "Venho de uma família muito pobre, sou o que sou graças à Educação e sabia que meu comprometimento nesse momento seria decisivo". A professora diz que está preparada psicologicamente para concluir o ano letivo de 2020 no modo online. "Em janeiro, eu estava na Rússia e os hábitos de higiene como a limpeza de corrimões me chamaram a atenção, assim como o comportamento das pessoas. Quando retornei ao Brasil e comecei a ler sobre o assunto, entendi a gravidade do novo coronavírus e quando fomos atingidos, sabia da seriedade", relata. "Não quero romantizar a situação, mas criamos laços que não tínhamos com os pais e eles próprios externam isso. Da mesma maneira que peço que tenham paciência comigo, eu sei que os pais não são os professores, mas tem sido muito presentes e generosos".

A CADA 15 DIAS , UMA ESTREIA PARA APRENDER BRINCANDO

Alunas assistindo à aula remota da Escola Municipal Maestro Roberto Pereira Panico que aderiu  ao "Projeto Ciência e Cultura, Vamos Brincar?" transmitido aos sábados no YouTube
Alunas assistindo à aula remota da Escola Municipal Maestro Roberto Pereira Panico que aderiu ao "Projeto Ciência e Cultura, Vamos Brincar?" transmitido aos sábados no YouTube | Foto: Divulgação

Na Escola Municipal Maestro Roberto Pereira Panico, localizada na região Leste de Londrina, além de os 530 alunos se manterem na ativa, uma programação diferenciada, focada em aprendizados, divulgação e popularização da ciência e da cultura da infância, começou no sábado (15) com o lançamento do "Projeto Ciência e Cultura, Vamos Brincar?", no Canal do YouTube do Programa WASH. A proposta é abordar a ciência, o universo da cultura, das artes, de uma forma divertida e leve.

De acordo com a diretora da unidade, Thatiane Verni Lopes de Araujo, desde a retomada remota dos atendimentos pedagógicos conforme orientações da Secretaria Municipal de Educação, a escola optou por ofertar o conteúdo didático por meio da plataforma Google Classroom, totalmente gratuita, com significativo aceite e acesso por todos os alunos." Mas assim como em todas as outras escolas da rede municipal, há a opção de os responsáveis retirarem o material impresso na unidade. A implantação se deu na análise de dados da pesquisa feita por formulários Google para verificar a conectividade das famílias, como seria o acesso e principalmente qual o nível de dificuldade de acessar a plataforma. "Percebemos grande interesse da nossa comunidade escolar em participar dessa interação por meio de recursos tecnológicos e daí a continuidade do programa de forma remota." O Programa Wash está em ação desde abril de 2019, sendo piloto na rede municipal de Londrina. " As aulas aconteciam de forma presencial sob a coordenação do Prof. Fernando Accorsi, do Instituto Federal do Paraná - IFPR.

UM PROFESSOR, MIL ALUNOS E TRÊS FILHOS

Imagem ilustrativa da imagem Aulas remotas oferecem desafios e conquistas a professores

O poema "José" de Carlos Drummond de Andrade foi publicado originalmente em 1942 e ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar. "E agora, José?/ A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?/ e agora, você?", é parte dos versos.

Com 21 anos dedicados à Educação, o professor de Química Fernando Viana já passou seus conhecimentos a um número incalculável de pessoas. São profissionais de diferentes profissões que guardam além das dicas valiosas, suas mensagens de perseverança. Atualmente, Viana dá aula em cinco escolas, e entre alunos regulares e monitorias, ultrapassa a casa dos mil estudantes. Em todas as escolas, ele explica que há a plataforma de estudo indicada, mas precisou de muita disciplina para dar conta do recado - e tomou uma decisão certeira ao lado da esposa, a farmacêutica Eliane. Pais de três meninos em idade escolar, Fernando,12 anos, Joaquim, 6 e José Arthur, 4, o casal decidiu migrar para o sítio dos pais dele, localizado em General Salgado, a 400 km de Londrina. "As crianças faziam as tarefas e iam para TV." Ao contrário do poema, Viana não se sentia sozinho, sem esperança, mas diante de uma realidade que precisava de novo cenário.

No refúgio, mas coberto de compromissos, Viana, que é especializado em Química no Cotidiano Escolar, revela que a rotina mudou para melhor - dentro das possibilidades. "De manhã, os meninos descem comigo no curral e ajudam a alimentar as galinhas e porcos, tomam leite de vaca, voltam e tomam banho. Eu expliquei que para ser, a coisa tinha que parecer séria, então ficou combinado de colocar uniforme, aproveitar a oportunidade e dar atenção para o professor que está do outro lado, se esforçando. De repente, o José começou a sala chamar de escolinha", conta. Empenhado como pai, o professor conta que quando seus alunos dispersam, põe na tela uma coelho de pelúcia para chamar a atenção. "Aqui a internet é um avião".

Ali no quarto transformando em escolinha, um mestre e três aprendizes entendem que é hora de união. "Cheguei a sugerir que a Eliane usasse um jaleco,mas não foi necessário. Ela também se empenha", brinca. "Dia desses a luz acabou. Menina do céu, que desespero", recorda. De volta ao sítio onde viveu até se mudar para Londrina para estudar na UEL, Viana conta que a tecnologia traz facilidades e que é preciso valorizar as ferramentas. "Desde os seis anos e meio de idade eu ia a cavalo para a escola. Eram sete quilômetros de distância e incentivo meus alunos a persistir. Vamos vencer a pandemia, vamos aprender pela tela e vai dar tudo certo", acredita.