Faz tempo que não sei de Glauco Mattoso. O escritor que incorpora a poesia brasileira como um "cavalo" de Gregório de Matos Guerra sempre foi muito veloz. Glauco deve estar entocado em seu apartamento nas noites frias de São Paulo, enquanto em Londrina, distante no tempo e no espaço, releio alguns e-mails que trocamos quando morei em Campinas e frequentava saraus na capital paulista com devoção de estreante.

Os e-mails de Glauco vão de 2014 a 2016, esparsos. Pedro José Ferreira da Silva, cego pelo glaucoma, daí o codinome Glauco Mattoso, enviava freneticamente seus sonnettos - palavra escrita assim em sua homenagem - disparando de seu computador adaptado à deficiência visual tiros poéticos de sua enorme produção, feita na velocidade de quem não tem tempo a perder.

Glauco tem dezenas de livros publicados. Uma criação e tanto de sonetos que adaptam a língua portuguesa à gíria mundana, combinação que converte o estilo dos trovadores em expressões novíssimas, cheias de lirismo fetichista.

Na fase da correspondência recebi poemas esparsos e um livro inteiro com o título SONNETTUDO ou OPERA INSOMNIA, que ele preparava como e-book com 5.555 sonetos, sua produção à época atualizada até 2014.

Numa noite de sarau no Centro Cultural São Paulo, conheci Glauco Mattoso pessoalmente. Ele declamou sonetos sob um foco de luz que atravessava sua presença contida num palco grande demais, como imaginei sua vida.

A plateia imobilizada ouvia aquele gigante da poesia que não sei por onde anda. Dele, reproduzo um dos sonetos que recebi em nossa correspondência que durou pouco tempo, tendo em vista sua obra imensa e sua figura intensa que renderiam uma biblioteca inteira de lembranças, poemas e impressões.

CENSURADO [1999]

Sabendo que a censura não me trava,

pediram-me um sonnetto sem calão

p'ra pôr na anthologia de salão

que o tal do [censurado] organizava.

*

Queriam até tônica na oitava,

mas nada de recurso ao palavrão.

Usei o ingrediente mais à mão,

porém sem [censurado] não passava.

*

Desisto. Quanto mais remendos metto,

mais ropto vae ficando o [censurado].

Poema não é texto de pamphleto

*

p'ra ter que se estampar todo truncado!

Pois esta [censurado] de sonnetto

que va p'ra [censurado] [censurado]!