Embora seja um setor muitas vezes menosprezado por uma parcela da sociedade, a cultura tem grande importância não apenas pela valorização das tradições, costumes e memória de um povo e pela promoção das artes, mas também porque faz girar a economia do país. Em 2020, o setor cultural e da indústria criativa no Brasil teve participação de 3,11% no PIB (Produto Interno Bruto), superando outros setores de grande relevância na composição do indicador econômico, como a indústria automotiva (2,50%), e ficando bem perto da indústria da construção civil (4,06%).

A dificuldade de perceber a grandeza econômica desse setor talvez resida no fato de que a economia da cultura se sustenta sobre bens imateriais. Mas para além de qualquer subjetividade, as estatísticas dão a dimensão concreta da enorme capacidade de geração de riqueza, emprego e renda dos ativos culturais produzidos no país.

Levantamento feito pelo Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural mostra que entre o quarto trimestre de 2022 e o quarto trimestre de 2023, o emprego no setor registrou variação positiva de 4%, com a abertura de 287 mil postos de trabalho em todo o território nacional, totalizando 7.747.315 profissionais empregados.

Outro estudo, realizado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), apontou que, em 2023, os R$ 139 milhões repassados pela União ao governo do Rio de Janeiro por meio da Lei Paulo Gustavo movimentaram R$ 852,2 milhões na economia fluminense, ou seja, a cada R$ 1 liberado, R$ 6,51 foram injetados na economia. Dinheiro investido em contratações de profissionais, estrutura, locação de espaços, aquisições de equipamentos, transporte, alimentação, hospedagem, entre outras despesas necessárias para fazer os projetos acontecerem.

A mesma lei de incentivo foi responsável pela criação de 11.526 postos de trabalho no Rio de Janeiro, sendo 75,4% diretos e 24,6% indiretos. Os dados apurados pela FGV foram divulgados em julho, em matéria da Folha de S.Paulo.

Ainda não há um levantamento semelhante no Paraná. A Secretaria de Estado da Cultura contratou o Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) para ser o observatório da cultura no Estado e medir o impacto econômico do setor. “A cultura passou a ser enxergada como um ativo econômico. É uma mudança recente. Apesar de a pandemia ter sido um desastre para a economia, foi transformadora. As pessoas começaram a perceber a importância da cultura. Todo mundo usou a arte para se manter saudável mentalmente e percebeu o quanto a arte trazia um certo conforto”, disse a secretária estadual de Cultura, Luciana Casagrande Pereira.

Contribuíram também para fortalecer ainda mais a cultura no país algumas movimentações feitas pelo Congresso Nacional. Ao aprovar leis de fomento que preveem a descentralização dos recursos, os congressistas permitiram que as verbas, antes repassadas diretamente pelo Ministério da Cultura, ganhassem maior capilaridade e chegassem a todos os municípios, em todas as regiões do país, até mesmo em lugares remotos. A Lei Aldir Blanc é um exemplo, assim como a Lei Paulo Gustavo. “Essas iniciativas deram certo e os recursos chegaram na ponta”, avaliou a secretária.

Uma das iniciativas do governo federal é a PNAB (Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura), instituída em outubro do ano passado pelo decreto 11.740/2023 e que prevê a destinação de R$ 3 bilhões ao ano, por cinco anos, para o setor cultural, totalizando um investimento de R$ 15 bilhões até 2027. Com investimento direto e com execução descentralizada, os recursos são repassados da União aos estados, Distrito Federal e municípios. Para o Paraná, foram destinados R$ 71.157.183,29 em 2024 para serem repassados ao setor cultural até o próximo dia 31 de dezembro. Seis editais estão com as inscrições abertas sendo que o Edital de Fomento – MultiArtes tem vagas específicas para cada macrorregião histórico-cultural e para a macro nordeste, que compreende 93 municípios, entre eles, Londrina. Dos mais de R$ 71 milhões disponibilizados ao Paraná neste ano, R$ 5,6 milhões serão investidos em projetos da macro nordeste.

Em cada macrorregião, a coordenação é feita pelos núcleos regionais de cultura, uma extensão da Secretaria de Estado da Cultura. “Trabalhamos diretamente com os gestores municipais de cultura, auxiliando a implantação dos sistemas municipais de cultura, e com os agentes municipais de cultura, orientando e oportunizando a participação nos editais da secretaria”, disse a assessora regional de Cultura, Ana Paula Mariano. “Nestes editais, em específico, nós, assessores, atuamos enquanto agentes facilitadores, auxiliando os agentes culturais e realizando as inscrições assistidas dos que não possuem condições de elaborar os projetos sozinhos.”

Essa é uma forma de fazer os recursos chegarem ao maior número de pessoas possível. “Se a gente fizer um trabalho bem feito, que não devolva recurso ao governo federal, e conseguir medir o impacto na população, vira uma política pública consolidada, como o SUS (Sistema Único de Saúde), vem recurso carimbado”, ressaltou Casagrande.

Presidente do LAVi (Londrina Audiovisual), governança do audiovisual que integra o ecossistema local de inovação, Luciano Pascoal reforça a importância econômica e social da cultura no desenvolvimento do município. “A cultura tem o poder de salvar vidas. Quanto mais se investir nesse setor, ganha todo mundo. As pessoas acham que inovação é só tecnologia, agro, construção, mas inovação também é investir no desenvolvimento social da cidade.”

O município de Londrina tem o Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), considerada uma iniciativa de vanguarda e que completou 20 anos em 2023. Em duas décadas, o programa incentivou 1.768 projetos culturais na cidade e injetou mais de R$ 66,4 milhões no setor. Os números estão reunidos no e-book comemorativo Vanguarda e Memória – Promic 20 anos, realizado pela Kinoarte – Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina.

Mas além dos investimentos públicos, salientou Pascoal, é preciso reforçar o trabalho de convencimento da iniciativa privada para ampliar os investimentos em projetos culturais. Incentivar os empresários locais a destinarem seus impostos às produções culturais como um meio de garantir que esses recursos fiquem na cidade e ajudem a impulsionar o desenvolvimento socioeconômico cultural. “A gente está falando de responsabilidade social dessas empresas, em sustentabilidade. Quando uma marca de uma empresa se associa a projetos que salvam vidas, a marca tem outro valor.”

“A execução de um longa-metragem, por exemplo, envolve umas 50 pessoas. Em Londrina, há centenas de pessoas trabalhando (no setor cultural) e centenas de profissionais sendo formados, o que tem um impacto gigantesco na economia da cidade. A cultura alimenta pessoas e gera profissionais”, destacou o presidente do LAVi.

Produções locais fazem de Londrina uma formadora de profissionais

Em julho passado, a produtora londrinense Kinopus Audiovisual rodou o filme Quase Inverno em Londrina e na região metropolitana. Um projeto de R$ 1,25 milhão viabilizado por verbas repassadas pelo poder público e que nas nove semanas de trabalho de pré-produção e de filmagens, mobilizou, diariamente, até 180 profissionais direta e indiretamente. E pelos próximos seis meses, o trabalho continua, com todos os envolvidos na pós-produção.

Entre os que atuaram no projeto até aqui, apenas um, o diretor de Fotografia, não foi contratado em Londrina, mas teve como assistentes profissionais da cidade. Segundo o sócio da Kinopus, Guilherme Peraro, essa é uma preocupação da produtora, fazer com que o dinheiro investido pelo poder público nas produções locais permaneça no município. “Faz parte da nossa visão de empresa aplicar tudo na cidade, com raras exceções. É difícil porque tem que estar sempre treinando e formando pessoal. A gente não consegue reter muito a mão de obra. A gente forma e não tem dinheiro para manter, eles acabam indo embora. Estamos em uma constante formação de profissionais”, relatou Peraro. “Mas hoje, a gente faz tudo em Londrina. Com o aumento da produção local, hoje isso é viável. Inclusive, os profissionais do audiovisual de Londrina estão vendendo seus serviços para outros locais.”

Este cuidado de oferecer oportunidades no mercado de trabalho local também é uma preocupação da produtora de cinema e roteirista Alessandra Pajolla. Ela teve dois projetos aprovados por meio de lei de incentivo, totalizando cerca de R$ 6,3 milhões. A verba, que será utilizada na realização de um longa-metragem e de uma série, foi liberada há duas semanas e agora ela começa a formar a equipe com quem irá trabalhar.

“O longa-metragem vai gerar uns 150 empregos diretos e a série, 300, entre equipe técnica e atores. Fora o transporte, alimentação e hospedagem”, contabilizou a produtora. “Desses R$ 6,3 milhões, quase tudo vai ficar no município.” A série e o filme devem ser finalizados até 2026.

Como uma das únicas mulheres contempladas nos editais dos quais participou, Pajolla também quer que o quadro de profissionais contratados para as produções tenha esse recorte e deverá priorizar as trabalhadoras em todas as etapas do projeto. “A ideia é ter mão de obra local, formar a mão de obra, dar um upgrade. Tem muita coisa que a cadeia do audiovisual gera que as pessoas desconhecem. O que está por trás é gigante. Tem a preparação de cenário, figurino, maquiagem. É muita gente envolvida.”

“A gente tem uma juventude periférica incrível fazendo arte e cultura. Quando você tem isso, você mobiliza a energia dessa juventude para um projeto cultural, uma alternativa que não é de violência. Há um ganho social, além da preservação da cultura e da memória”, destacou a produtora.

Na conta do retorno que suas produções devem propiciar para a economia local, Pajolla acrescenta ainda os benefícios intangíveis. “A série é uma obra ficcional que se passa em Londrina e a cidade terá um ganho de imagem. Eu conto duas histórias em que Londrina aparece como personagem.”(S.S.)