O avanço de lavouras e áreas de pastagens sobre APPs (Áreas de Proteção Permanente) e Unidades de Conservação, assim como o extrativismo sem controle adequado e empreendimentos turísticos e imobiliários que não respeitam as leis ambientais são algumas das ações humanas que levam à degradação do meio ambiente. Além da baixa capacidade de fiscalização e da dificuldade de repressão às irregularidades pelos órgãos competentes, a flexibilização das normas de proteção ambiental é mais um problema a ser enfrentado.

No Paraná, o IAT (Instituto Água e Terra) vinha utilizando uma abordagem um pouco mais flexível do Código Florestal de 2012 para promover a regularização de atividades consolidadas em áreas de Mata Atlântica até 2008. Entre essas atividades estão as agrossilvopastoris e o ecoturismo.

A conduta da autarquia ambiental do governo paranaense foi amplamente criticada e discutida entre os ambientalistas e a comunidade acadêmica que viam na prática mais uma ameaça à preservação do bioma da Mata Atlântica. Por isso, uma decisão proferida pela Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no último dia 12 de agosto, é recebida com certo alívio entre os especialistas e defensores da causa ambiental.

Por maioria de votos, a Corte decidiu restabelecer a decisão liminar que proibiu o IAT de prosseguir com as regularizações de imóveis rurais consolidados em APPs e reservas legais de Mata Atlântica.

A ação no STJ foi movida pelo IAT depois que o TRF-4 (Tribunal Federal da 4ª Região) manteve a liminar com a proibição que havia sido concedida em primeiro grau. Em junho de 2021, o então presidente da Corte, ministro Humberto Martins, suspendeu a decisão por identificar risco de lesão à economia pública, mas agora, a maioria dos ministros teve um entendimento diferente e prevaleceu o voto divergente do ministro Herman Benjamin. Por oito votos a quatro, ficou decidido que o IAT terá de interromper as regularizações.

Todo esse impasse começou com o Despacho 4.410/2020, do Ministério do Meio Ambiente, à época comandado por Ricardo Salles, que recomendou a aplicação do Código Florestal em áreas de Mata Atlântica. O Código se distancia da Lei da Mata Atlântica, que em seu artigo 5° afirma que a vegetação primária ou secundária, qualquer que seja o estágio de regeneração, não perde essa classificação, mesmo em caso de intervenções não autorizadas ou sem licenciamento.

Em um julgado, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou constitucionais os artigos 61-A e 61-B do Código Florestal, permitindo a continuidade de atividade rural, de ecoturismo ou turismo rural em áreas consolidadas até 2008, mesmo que sejam APPs.

As divergências de entendimento que levaram à judicialização da questão, porém, fizeram com que Salles revogasse o Despacho. Mas mesmo com a revogação do dispositivo, o IAT continuou seguindo a norma.

Considerado um dos biomas mais ricos do planeta, com maior biodiversidade, a Mata Atlântica é a segunda maior floresta em extensão do Brasil. Sua área compreende a Costa Leste, Sudeste e Sul do Brasil e se estende até parte do Paraguai e da Argentina. O bioma abrange 15% do território nacional, em 17 estados, concentra 80% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e 72% da população nacional vivem em áreas de Mata Atlântica. Dela, dependem serviços essenciais, como o abastecimento de água, a regulação do clima, a agricultura, a pesca, a geração de energia elétrica e o turismo.

Mas tão grande quanto a sua extensão e importância para a biodiversidade é a sua devastação. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, atualmente restam apenas 24% da floresta original, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas. O Paraná tem 99% do seu território coberto por Mata Atlântica.

Mesmo que essa decisão (restabelecimento da liminar pelo STJ) seja temporária, tem força para fomentar essa discussão e quando o STJ mantém o entendimento da prevalência da Lei da Mata Atlântica, traz precedentes para casos futuros”, avaliou a pesquisadora do Laboratório de Ecologia Vegetal da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e doutoranda em Ecologia e Conservação, Luana Meister. Para a Lei da Mata Atlântica, reforçou a pesquisadora, não importa se as atividades econômicas estão consolidadas. Se foram construídas em APPs, terão que ser removidas.

Em 2021, ao suspender a liminar proibindo a regularização de áreas consolidadas em terrenos de Mata Atlântica, o ministro do STJ Humberto Martins ponderou que o Código Florestal foi amplamente discutido no Legislativo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a preservação ambiental e o avanço econômico. O magistrado, na ocasião, considerou que a proibição teria impacto econômico no agronegócio, na geração de empregos, na arrecadação de impostos e no cálculo do índice de participação dos municípios e na concessão de crédito agrícola.

No último dia 12, porém, o ministro Herman Benjamin afirmou que o risco é inverso e alertou para a possibilidade de prescrição. “Se nós não deliberarmos neste momento no sentido de afastar a suspensão, quando isso for decidido no mérito, estará tudo prescrito. Estamos falando de milhares de infrações administrativas praticadas”, destacou o magistrado.

A suspensão de liminar é uma medida excepcional que não tem natureza jurídica de recurso e a decisão do STJ não diz respeito sobre a legalidade ou não da aplicação do Código Florestal em área de Mata Atlântica, apenas avalia o risco da liminar concedida pelo TRF-4.

“Estamos imersos na cidade ou no campo e a gente esquece, muitas vezes, que a água que a gente bebe, a comida que consome, o ar que respira, vêm de uma série de processos ecossistêmicos que ocorrem a Mata Atlântica. Tem toda a regulação do ciclo hidrológico, sequestro de carbono para regulação do clima, processos de erosão, polinização e tem os benefícios culturais. Quando a gente vai para Morretes, Antonina, Ilha do Mel, Guaraqueçaba e o Parque Nacional do Iguaçu aproveitar o lazer e o turismo, a gente está se beneficiando diretamente da Mata Atlântica, do bem-estar proporcionado pela natureza preservada”, disse Meister, ressaltando a importância do bioma para todo o Estado e lembrando que a riqueza natural do Paraná e da Mata Atlântica nem sempre tem o foco no fortalecimento desse uso.

O IAT considerou a decisão do STJ “um retrocesso” porque “remete a uma decisão anterior à promulgação do Código Florestal. Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa do governo estadual, a autarquia ambiental afirmou que o Paraná “é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade” e disse ainda que a Procuradoria Geral do Estado estuda uma medida junto ao STF.