Imagem ilustrativa da imagem Mesmo com setor elétrico em alerta, bioenergia segue subaproveitada
| Foto: Gustavo Pereira Padial

Ao mesmo tempo que a falta de chuvas coloca reservatórios de hidrelétricas em alerta e acende um sinal amarelo sobre possíveis restrições no fornecimento de energia no Brasil neste ano, fontes alternativas continuam subaproveitadas.

Uma delas é o biogás, gás naturalmente produzido pela decomposição de resíduos e efluentes orgânicos. Segundo a ABiogás, entidade do setor, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo, com 43,2 bilhões de Nm³/ano.

Esse potencial de produção se encontra, sobretudo, nos resíduos do setor sucroenergético (48,9%), na proteína animal (29,8%), na produção agrícola (15,3%) e no saneamento (6%) e tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de diesel com o biometano, produto derivado do biogás.

O Paraná é o quarto Estado com maior potencial de geração de energia elétrica a partir do biogás (3,8 bilhões de Nm³/ano), proveniente principalmente da proteína animal (42%), seguido do setor sucroenergético (28,9%), da produção agrícola (26,3%) e do saneamento (2,8%). Com este potencial, o Paraná teria a capacidade de gerar 15.147 GWh/ano e substituir 3,6 bilhões de diesel por biometano.

Para especialistas, trata-se de uma deficiência de aproveitamento no momento em que o setor elétrico causa preocupação. No começo do mês, uma nota técnica feita pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) apontou que os reservatórios de ao menos oito usinas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste podem estar praticamente vazios até novembro.

No dia seguinte, a entidade mudou o tom do alerta, ressaltando que as medidas preventivas adotadas vão garantir o abastecimento de energia, mas a crise pela falta de chuvas assusta. Com a piora do cenário, o governo decidiu buscar usinas térmicas a gás sem contrato para reforçar a capacidade de geração no país.

Segundo Alessandro Gardemann, presidente da ABiogás, menos de 2% do potencial de geração de biogás é de fato utilizado. Além de renovável e descentralizado, o gás não é importado de terceiros e o preço não é impactado pelo dólar, ressalta.

Existe uma geração espontânea pela decomposição de resíduos, de 120 milhões de m³ por dia, na área urbana e no campo, diz o vice-presidente da associação, Gabriel Kropsch. "O biogás está sendo produzido todo dia, a questão é fazer investimentos na captura e no aproveitamento dessa fonte. Com projetos consistentes, a velocidade de implementação é rápida, levando no máximo dois anos para que uma planta comece a dar resultado", diz.

Ele ressalta que um dos gargalos para o setor é a falta de recursos, já que o investidor precisa levantar fundos próprios. "Em outras fontes, o investidor entra em um leilão e depois vai ao mercado levantar recursos; no biogás, ele tem de ter dinheiro. Como muitos dos equipamentos ainda são importados, também faltam incentivos."

A Nova Lei do Gás, sancionada em abril pelo presidente da república, deve aumentar a segurança jurídica para investimentos na geração de gases, avalia Cícero Bley, diretor da Bley Energia. Em 2018, foi assinada no Paraná a Política Estadual do Biogás e Biometano, mas na avaliação de Bley, a lei estadual tinha pouca representatividade, e deve ser potencializada com a sanção da lei federal.

"A lei estabelece segurança jurídica para investidores que estão vindo, investidores estrangeiros atrás desse grande mercado brasileiro que é o de energia, e que não conseguia sair da hidráulica, até porque toda legislação se concentrava nela. O biometano, o biogás passaram a ser entendidos como fontes reais de energia e a procura começou a aumentar de forma muito grande", diz o diretor.(com Folhapress)

PROJETOS SE MULTIPLICAM NO ESTADO

 A empresa de Alessandro Gardemann, a Geo Energética, com sede em Londrina, possui um projeto de geração de biogás em Tamboara (Noroeste), em parceria com uma produtora de cana
A empresa de Alessandro Gardemann, a Geo Energética, com sede em Londrina, possui um projeto de geração de biogás em Tamboara (Noroeste), em parceria com uma produtora de cana | Foto: Gustavo Carneiro

Aos poucos, Alessandro Gardemann, presidente da ABiogás, avalia que a indústria vai se consolidando no País. Fundada há oito anos, a ABiogás começou com apenas oito associados - hoje tem 82. A empresa de Gardemann, a Geo Energética, com sede em Londrina, possui um projeto de geração de biogás em Tamboara (Noroeste), em parceria com uma produtora de cana. Recentemente, a capacidade da planta foi ampliada de 4 MW para 10 MW, e também foi instalada no local uma planta piloto para geração de biometano com capacidade de geração de 1.500 metros cúbicos por dia. O projeto teve investimento de R$ 22 milhões aprovado pelo Fundo Clima do BNDES.

Em Londrina, Cícero Bley atua como consultor em dois projetos: um na empresa de composto orgânica Humorgan, e outro na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Na Humorgan, a previsão é que na semana que vem entre em operação uma microusina para geração de biometano, que será utilizado para movimentar os veículos da indústria. Na UEL, uma estação faz o aproveitamento de resíduos gerados no campus. "Londrina pode se tornar um polo importantíssimo para referência de projetos bem sucedidos", comenta Bley.

Em Arapongas, um projeto de geração de biogás e biometano de parceria entre a Prefeitura da cidade, o Sima (Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas) e a Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) deverá movimentar 300 empilhadeiras da indústria moveleira do município, que hoje dependem do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo). "O GLP sobe a cada 15 dias. E esse gás vem de Campinas (SP) todos os dias. Isso forma uma dependência energética muito forte para a indústria moveleira", explica o diretor.

BIOMETANO É APOSTA DA COMPAGÁS

Com características parecidas com as do gás natural, o biometano é a nova aposta da Compagás (Companhia Paranaense de Energia), distribuidora de gás natural de economia mista. "40% do PIB do Paraná é proveniente da agroindústria. Essa indústria gera resíduos, e tudo isso hoje é pouquíssimo aproveitado", diz Rafael Lamastra Junior, diretor-presidente da companhia. Segundo Lamastra Junior, como o biometano e o gás natural têm especificações técnicas semelhantes, ambos podem compartilhar da mesma rede de distribuição.

Com isso em mente, a companhia está mapeando projetos com o gás no Estado, que tem potencial de substituir o diesel em veículos e abastecer indústrias e cooperativas. "Nós somos uma distribuidora de gás natural, mas não podemos deixar de atender, entender e acompanhar esse processo", salienta o diretor-presidente da Compagás. "Apesar de o gás natural já ter redução de emissões na faixa de 25%, o biometano é melhor ainda. Tem redução de 85%. Pensando na empresa para daqui 30 anos, em algum momento teremos biometano nos nossos dutos."

A rede de gás natural, segundo Lamastra Junior, ainda se concentra na Região Metropolitana de Curitiba e a companhia atende cerca de 50 mil clientes. O setor industrial é o seu maior consumidor. "Estamos desenvolvendo um trabalho com a Sanepar, que tem uma estação de tratamento gigantesca em Curitiba. Estamos em fase de assinar um acordo de cooperação porque eles têm interesse que a rede produza biometano. E está muito perto da nossa rede."

Em Londrina, a Compagás avalia a geração de biometano a partir de estações de tratamento da Sanepar, e está auxiliando o município nos estudos de um projeto de geração de biometano a partir do aterro sanitário. Em Maringá, também há um projeto semelhante em estudo. Em Arapongas, a companhia estuda a geração de biogás e biometano para a indústria moveleira. "Estamos buscando com o mapeamento estimular que projetos parem em pé", ressalta Lamastra Junior.

Em chamada pública para compra de gás realizada pela companhia, dos dez interessados, apenas um - de São Paulo - é de biometano.

Embora o Paraná tenha um grande projeto de geração do gás em Tamboara, a logística é inviabilizada pela distância. "Em São Paulo, já estão com escala maior e logística bem resolvida. Por isso que essas iniciativas dentro do Estado ainda não vingaram. Fundamental é estar perto da nossa rede", explica o diretor-presidente.

Ainda no segundo semestre, no entanto, a companhia pretende lançar uma chamada pública específica para biometano, que poderá atender redes e demandas locais, afirma Lamastra Junior. "Aí posso abrir mão do custo de logística, que às vezes pode inviabilizar."