Rio de Janeiro - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou nesta quinta-feira (20) a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central de manter a taxa básica de juros, a Selic, em 10,5% ao ano. Ele questionou a autonomia do órgão e afirmou que a decisão atendeu a especuladores.

"O presidente da República nunca se mete nas decisões do Copom ou do Banco Central. O [ex-presidente do BC Henrique] Meirelles tinha autonomia comigo tanto quanto tem esse rapaz de hoje. Só que o Meirelles eu tinha o poder de tirar, como o Fernando Henrique Cardoso tirou tantos, como outros presidentes tiraram tantos", disse Lula, em entrevista à rádio Verdinha, de Fortaleza (CE).

"Resolveram entender que era importante alguém que tivesse autonomia. Autonomia de quem? Autonomia de quem para servir? Autonomia para atender [a] quem? Eu estava numa reunião discutindo que nós temos a possibilidade de ter um déficit de R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões. Aí eu fico olhando do outro lado da folha que me apresenta, só de juros no ano passado foi de R$ 790 bilhões que a gente pagou. Só de desoneração foram R$ 536 bilhões que a gente deixou de receber."

Lula afirmou que a decisão atendeu a "especuladores que ganham dinheiro com os juros". "Quando a gente faz uma coisa e aquilo resulta num benefício coletivo, aquilo é um investimento extraordinário que estamos fazendo. Estamos investindo no povo brasileiro. A decisão do Banco Central foi investir no sistema financeiro, nos especuladores que ganham dinheiro com os juros. E nós queremos investir na produção", afirmou.

"Foi uma pena, porque quem está perdendo com isso é o povo brasileiro. Porque, quanto mais a gente pagar de juros, menos temos dinheiro para investir aqui dentro. Não vejo mercado falar dos moradores de rua, catador de papel, desempregado. Eu não vejo o mercado falar das pessoas que necessitam do Estado."

O presidente afirmou na entrevista que quer fazer "gasto de qualidade com o povo brasileiro". "Não quero gastar o que eu não tenho. Quero fazer gasto que seja necessário. Pagar salário para o povo é necessário. Melhorar o gasto da saúde é necessário. Melhorar a qualidade da educação é necessário."

Ele também criticou a ausência de pagamento de imposto de renda sobre dividendos, bem como reafirmou a promessa de isentar da taxa pessoas que recebam até cinco salários mínimos.

MERCADO

O dólar até abriu em queda firme na manhã desta quinta-feira (20), mas devolveu as perdas e passou a operar em alta no início da tarde. A abertura otimista teve como catalisador a decisão unânime do Copom (Comitê de Política Monetária), do BC (Banco Central), de manter a taxa básica de juros do Brasil no atual patamar de 10,50% ao ano, mas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao comitê azedaram os mercados.

Na Bolsa, houve um movimento parecido: o Ibovespa começou o dia em forte alta e ultrapassou os 121.500 pontos na máxima, mas desacelerou e voltou ao patamar dos 120 mil.

A decisão do Copom veio em linha com o esperado pelo mercado, que temia uma nova divisão entre os diretores sobre a política de juros. Em maio, as autoridades indicadas por Lula divergiram do restante do comitê, acendendo alertas sobre possíveis interferências políticas na instituição.

No início desta semana, críticas de Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, aumentaram ainda mais a tensão. A decisão unânime fez com que as tensões diminuíssem.

"Depois dos ruídos causados na última reunião, dessa vez o colegiado chegou num consenso. Os nove diretores votaram de forma igual, e isso foi muito importante para reforçar que as decisões foram tomadas de forma técnica eliminar qualquer dúvida sobre a credibilidade da política monetária", afirma Marcelo Bolzan, sócio da The Hill Capital.

Como mostrou a Folha, a própria equipe econômica do governo avaliou que a decisão foi acertada e crucial para evitar uma deterioração nas condições de mercado do país.

Nesta quinta, no entanto, o presidente Lula voltou a atacar o Banco Central ao afirmar que a interrupção do ciclo de corte de juros foi uma pena e que quem perdeu com essa decisão foi o povo brasileiro.

"A decisão do Banco Central foi investir no mercado financeiro e nos especuladores. Nós queremos investir na produção", afirmou o presidente, em entrevista à Rádio Verdinha, em Fortaleza.

Por isso, o mercado teve uma abertura bastante positiva, mas o movimento minguou.

Às 13h, o dólar subia 0,25%, cotado a R$ 5,455, enquanto o Ibovespa subia 0,11%, aos 120.394 pontos. A moeda americana chegou a R$ 5,385 na mínima do dia, antes das novas falas de Lula.

Em comunicado sobre a decisão, o Copom afirmou que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por elevação das projeções de inflação demandam maior cautela.

O comitê afirmou também que se manterá "vigilante" e que "eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta".

Para Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, uma decisão equilibrada era fundamental para evitar efeitos negativos na economia.

"Caso tivesse sido mais hawkish [duro], o Copom poderia tornar o ambiente ainda mais propenso a acidentes nessa transição turbulenta. Assim como as reformas econômicas são as possíveis, não as desejadas, entendemos que o Copom teve êxito em entregar a melhor decisão possível", diz Cunha.

Já Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, destaca que o comunicado indicou que a Selic deve ser mantida em 10,50% nas próximas reuniões.

"O Copom mostrou que cortes no curo prazo não estão no radar. Não quer dizer que vai parar para sempre, mas com esse cenário alternativo, a barra está muito alta tanto para subir como para reduzir os juros. Os juros devem ficar em 10,50% por todo ano de 2024", afirma Carvalho.