O reajuste das tarifas de água e esgoto em 9,6299%, que entraria em vigor a partir do dia 31 de outubro, continua suspenso por determinação da Agepar (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná) após audiência de mediação entre o Governo do Paraná e a Sanepar no dia 31 de agosto. O reajuste foi homologado no dia 25 de agosto, após a agência congelar as revisões tarifárias dos serviços públicos regulados no Estado por 120 dias, mas o governo estadual fez um pedido de suspensão do aumento. A Sanepar tem até o próximo dia 16 para prestar esclarecimentos.

Imagem ilustrativa da imagem Com custos afetados, lucro líquido da Sanepar cai e companhia quer reajuste
| Foto: Sanepar/AEN

Segundo justificativa dada pela Sanepar na época, o aumento solicitado e na ocasião autorizado pela Agepar “repõe custos da empresa com energia elétrica, pessoal, produtos químicos nos tratamentos de água e de esgoto, manutenção e operação de redes, estações e equipamentos e faz frente aos investimentos da Companhia.” A companhia destacou que no período de 2005 a 2010 as tarifas foram congeladas enquanto a inflação média chegou a 30%, o que impactou nos custos. O último reajuste tarifário dos serviços de saneamento havia sido aplicado em abril de 2019.

O terceiro trimestre da Sanepar foi encerrado com queda de 33% no lucro líquido, que caiu de R$ 243,64 milhões em 2019 para R$ 164,58 milhões em 2020, conforme levantamento do Valor Econômico. A queda é atribuída à queda da receita (-1,6%) em função da diminuição do consumo de água e esgoto resultante da crise hídrica no Estado, e ao aumento dos custos e despesas operacionais na ordem de 10%. No período, o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da companhia caiu para R$ 392,2 milhões (-19%), com redução da margem de 41% para 33,6%.

De acordo com Luiz Felipe Gouvea de Souza, responsável pela mesa de operações em Renda Variável da Bravus Investimentos, o congelamento do reajuste, assim como a crise hídrica no Paraná e o Marco do Saneamento, lei de universalização do saneamento básico aprovada em julho, vêm afetando os preços das ações da Sanepar, que apresenta queda dos ativos.

Na avaliação de Souza, o reajuste é necessário para a companhia poder fazer frente às empresas de capital privado no cumprimento da meta estabelecida pelo Marco do Saneamento. A lei prevê o acesso à coleta de esgoto por 90% da população (hoje o número não chega a 75%, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), e ao fornecimento de água potável por 99% da população até o fim de 2033.

“O Marco do Saneamento vai ser aberto para empresas privadas, que vêm com muito mais capital que empresas estatais. Para a Sanepar se manter ao longo do tempo, é preciso reajuste. Isso vai aumentar a receita da empresa e torná-la competitiva.”

Com o Marco do Saneamento, que vai direcionar mais de R$ 700 milhões para universalização do saneamento no país, o reajuste aprovado e os níveis de chuva voltando à normalidade, a tendência é de valorização das ações da Sanepar e a recomendação é de compra do ativo, afirma Gouvea.

IMPACTO NOS CUSTOS

Em nota, a Sanepar destacou que no período de 2005 a 2010 as tarifas foram congeladas enquanto a inflação média chegou a 30%, o que impactou nos custos da companhia, incluindo reajustes de funcionários, insumos e serviços. "Mesmo assim, a empresa manteve uma média anual de investimentos de R$ 661 milhões nesse período. A partir de 2013, os investimentos tiveram um incremento de 49% passando a média anual de quase R$ 1 bilhão. O Plano Plurianual de Investimentos (PPI) para o período 2020 a 2024 é de R$ 7,6 bilhões", diz a nota.

A companhia também observou que, em 2019, reduziu a distribuição de dividendos aos acionistas de 50% para 32%, e que a diferença dos recursos foi direcionada para projetos de saneamento.

"Entre as 26 estatais de saneamento do País, o melhor índice composto de percentual coletado e tratado de esgoto é o da Sanepar", continua a nota. "Em 2019, a Sanepar atingiu 74,2% no Índice de Atendimento com Rede Coletora de Esgoto (IARCE), enquanto a média nacional é de 74,2%. É importante destacar que 100% do esgoto coletado pela Sanepar é tratado. No Brasil, esse índice é de 46,3%."

Lucros elevados nos anos anteriores

Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) publicou uma análise que mostra que o lucro líquido da Sanepar entre 2011 e 2018 cresceu 71,26% em relação ao lucro obtido entre 2003 e 2010. A Receita Operacional Líquida também aumentou 50,22%, e os dividendos distribuídos aos acionistas, tiveram incremento de 164,11%. Já o montante investido pela Sanepar, corrigido pelo IPCA/IBGE, teve crescimento de 35% na comparação entre os dois períodos.

Na avaliação da entidade, os expressivos reajustes tarifários aplicados pela Sanepar não resultam no crescimento dos investimentos na mesma proporção que os dividendos distribuídos aos acionistas, o que contradiz a justificativa de que o aumento das tarifas visa “fazer frente aos investimentos da companhia”. “As tarifas aumentaram de modo expressivo nos últimos anos junto com os dividendos distribuídos para os acionistas, sem que os investimentos fossem ampliados na mesma velocidade e proporção", diz o estudo.

Segundo o Dieese, em alguns anos do período de 2003 a 2015 os investimentos realizados chegaram a ser duas a três vezes maiores do que o Lucro Líquido auferido. Em 2019, entretanto, os investimentos foram 4,90% menores do que o Lucro Líquido (R$ 1,027 bilhão contra R$ 1,080 bilhão).

De 2003 e 2010, o valor investido pela companhia, de R$ 5,4 bilhões, era 6,2 vezes maior que os dividendos distribuídos aos acionistas (R$ 878,9 milhões). De 2011 a 2018, a proporção caiu pela metade: o valor investido, de R$ 7,4 bilhões, foi apenas 3,2 vezes maior que os dividendos distribuídos (R$ 2,3 bilhões).

O ritmo da ampliação da cobertura da rede de esgoto, segundo o Departamento, também diminuiu ao longo dos anos. O índice de cobertura subiu de 43,9%, em 2002, para 62,1%, em 2010, e 74,2% em 2019. As variações do índice nos intervalos entre os três anos foram de 41,46% e 19,48%, respectivamente, o que mostra que a rede de esgoto apresentou uma ampliação menos expressiva nos anos mais recentes.

A partir de 2011, a Sanepar elevou de 25% para 50% do Lucro Líquido Ajustado a distribuição de dividendos aos acionistas. “Os acionistas ganharam de duas formas, não somente pelo aumento do percentual distribuído, mas também pelo aumento da lucratividade da empresa, impulsionada pelos reajustes tarifários”, diz o estudo do Dieese. Segundo a entidade, se a companhia tivesse distribuído 25% do Lucro Líquido, o mínimo legal, teria economizado R$ 1,2 bilhão em valores atualizados, o equivalente a um ano inteiro de investimentos.

Para o Dieese, os aumentos tarifários ocorridos entre 2011 e 2019 foram os maiores responsáveis pelo crescimento da Receita Operacional Direta da companhia (93,68%), já que na mesma época o volume faturado ou o número de ligações de água e esgoto não apresentaram crescimento significativo.

“Portanto, parece que literalmente os consumidores ‘pagaram a conta’ da nova política de distribuição de dividendos para os acionistas”, conclui o estudo. “Os aumentos tarifários expressivos dos últimos anos comprometeram e muito o orçamento da população, reduzindo seu poder aquisitivo, principalmente dos mais pobres e carentes.”