Do total das comercializações realizadas pelo varejo mundial em 2023, 19% foram fechadas no ambiente virtual. O comércio eletrônico já vinha crescendo ano a ano globalmente, mas foi durante a pandemia de Covid-19 que ganhou o maior impulso. No Brasil, no primeiro ano da crise sanitária, em 2020, o setor movimentou R$ 126,3 bilhões, com 11% de participação de mercado. Alavancadas pelas medidas de restrição e isolamento social, apenas naquele ano as vendas on-line avançaram 68%, alcançando em 12 meses o resultado projetado para um período de cinco anos. A expansão foi comemorada pelos lojistas, mas os bons resultados econômicos nem sempre vêm acompanhados de benefícios a outros setores.

Na questão ambiental, esse crescimento repentino das vendas on-line teve um impacto negativo e acirrou as discussões sobre o consumo consciente e a gestão de resíduos, especialmente nas grandes cidades. Com a expansão do comércio eletrônico, aumentam também o consumo de energia, o transporte de mercadorias e a geração de resíduos, que compõem algumas das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa do setor do e-commerce.

Há tempos, a ONU (Organização das Nações Unidas) vem alertando o mundo sobre as más consequências do crescimento populacional, do aumento da renda e do consumo desenfreado sobre o meio ambiente. A organização internacional apontou alta de 70% na produção global de resíduos sólidos entre 1990 e 2016.

Nos últimos dias, o tema voltou a ser debatido com maior intensidade em razão do Prime Day 2024, promoção mundial realizada pela Amazon, uma das maiores do planeta em comércio eletrônico. A empresa não informou cifras nem percentuais, mas revelou ter contabilizado, nesta edição, o maior volume de vendas desde que a campanha foi criada, há cinco anos.

A cada produto despachado, mais papelão, plástico e isopor vão parar nos centros de coleta dos municípios, nem sempre preparados para gerir adequadamente esses resíduos. Ações de vendas como a da Amazon ajudam a fomentar um setor que só cresce. A indústria mundial de embalagens movimentou US$ 1,2 trilhão em 2023 e deve crescer 3,6% até 2028. A região Ásia-Pacífico responde por 40% desse total e a categoria embalagens industriais e de transporte representa 43% das vendas de embalagens feitas no mundo.

No Brasil, o volume de resíduos sólidos gerados por ano é de cerca de 80 milhões de toneladas. Desse total, apenas 27% são reciclados ou compostados. O restante acaba sendo descartado em aterros sanitários ou lixões. Segundo a ISWA (International Solid Waste Association), associação não governamental que atua na promoção e no desenvolvimento da gestão profissional de resíduos em todo o mundo, apenas 4% dos resíduos sólidos recicláveis produzidos pelos brasileiros retornam ao processo produtivo, índice bem abaixo de países vizinhos, como o Chile e a Argentina, por exemplo, com média de 16%.

Olhando localmente, o cenário não é muito diferente. Em Londrina, a geração de resíduos recicláveis deu um salto durante a pandemia. Dados fornecidos pela CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) mostram que entre 2019 e 2020, a comercialização de recicláveis aumentou 21,10%, passando de 6.872,65 toneladas em 2019 para 8.323,33 em 2020. Em 2021, 2022 e 2023, esse volume teve um leve recuo, mas ficou sempre acima do nível registrado no período pré-pandemia. Neste ano, no primeiro semestre, as sete cooperativas que atuam na reciclagem no município comercializaram 4.696,90 toneladas. Se esse ritmo for mantido, até dezembro deve ultrapassar a marca de 2020, chegando a 9 mil toneladas.

Pesquisadora na área de resíduos e coordenadora do Ninter (Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos) da Universidade Estadual de Londrina, a professora Lilian Aligleri afirmou que um dos maiores desafios de sustentabilidade da sociedade moderna é a geração excessiva e a gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, especialmente nas grandes e médias cidades. Na origem do problema estão o consumo desenfreado e o descarte inapropriado de resíduos sólidos.

“Os pacotes e embalagens que esperamos ansiosamente chegarem em nossas casas, muitas vezes, escondem algumas armadilhas no que se refere aos impactos públicos. Há produto que chega a ser embalado em quatro diferentes embalagens. Isto sem falar que muitas embalagens de produtos ainda estão lacradas em filme plástico. Muitos dos materiais que vêm nos pacotes via e-commerce, ao serem abertos, já são considerados lixo porque descartamos como resíduo reciclado”, afirmou Aligleri, destacando o ciclo de vida curto das embalagens.

No caso das embalagens plásticas, a situação é ainda mais preocupante porque no processo de reciclagem, frequentemente o plástico é transformado em produtos de qualidade inferior, em um processo denominado downcycling. “É comum a ideia equivocada de que todo material plástico ou com o símbolo de reciclagem é efetivamente reciclado. Muitos materiais que possuem o símbolo de reciclagem na embalagem não são reciclados após a coleta seletiva, tornando-se rejeitos e sendo destinados a aterros sanitários”, alertou.

Isso acontece porque embora tenham potencial de reciclabilidade, não encontram mercado consumidor. Embalagens multicamadas e certos tipos de plásticos exemplificam essa situação. Embora tecnicamente recicláveis, economicamente são inviáveis para a maioria dos processos de reciclagem. “O e-commerce gera muito resíduo com potencial de reciclabilidade, mas que nem sempre são reciclados e retornam para uma cadeia reversa de economia circular.”

Em Londrina, observou Aligleri, o sistema formal de coleta seletiva encontra-se colapsado e segundo ela, alertas sobre os riscos ambientais, sociais e financeiros desse colapso vêm sendo emitidos há tempos. “Basta um olhar para a realidade local. Cooperativas com barracões lotados e com resíduos para serem triados a céu aberto, com alto risco de proliferação de vetores de doenças, áreas abandonadas pelo sistema de coleta seletiva, catadores informais com veículos irregulares trafegando por toda a área urbana, ganhos dos catadores cooperados que não chegam a um salário mínimo e inúmeras reclamações dos moradores.”

Como parte da solução, a professora propõe a revisão e o redimensionamento urgentes do sistema atual de coleta seletiva, com novo modelo de gerenciamento. Paralelamente, considera imprescindível ampliar as ações de sensibilização social e ambiental dos moradores para a disposição adequada dos resíduos, incentivando a população a adotar o reuso dos materiais e a aumentar sua participação no sistema de reciclagem.

A diretoria de Operações da CMTU informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o crescimento na geração de resíduos recicláveis em Londrina é monitorado, principalmente, por meio das notas fiscais de vendas de materiais. Os documentos são repassados pelas cooperativas à CMTU e servem como termômetro do volume gerado e coletado nas residências. A companhia disse ainda que o contrato com as cooperativas tem margem de crescimento para a inserção de novos cooperados como forma de contemplar eventual aumento da demanda.

População paga duas vezes pelo transporte dos recicláveis

A CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) estima em cerca de 20% o volume de resíduos encaminhados à reciclagem, mas que sem aproveitamento, acabam indo para o aterro sanitário. No ano passado, foram 1.854,935 toneladas de rejeitos coletados pela companhia nos barracões das cooperativas. O número já foi maior, em 2019 foram 2.501,52 toneladas.

Dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), do Ministério das Cidades, indicam um índice bem abaixo dos 20%. O sistema de informações do governo federal mostrou que, em 2022, Londrina teve 4,74% dos resíduos gerados encaminhados para o sistema de coleta seletiva com aproveitamento real desses resíduos para novos ciclos de transformação. Os outros 95,2% de materiais gerados no município foram encaminhados à central de tratamento de resíduos, resultando em um custo direto de R$ 202,01 por tonelada aos cofres públicos. Ou seja, a população paga para que a prefeitura colete o material reciclável e paga também para que esse mesmo material seja transportado das cooperativas ao aterro sanitário por inviabilidade de reciclagem.

Separação incorreta, sujidade, contaminação e a falta de uma cadeia de compradores interessados no material triado pelos catadores são motivos pelos quais nem tudo o que é separado pela população retorna ao processo produtivo.

Os dados do SNIS embasaram a elaboração do Relatório de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Londrina 2020-2022, trabalho realizado pelo Observatório de Resíduos Sólidos de Londrina, uma iniciativa do Ninter (Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos) da Universidade Estadual de Londrina e que faz um monitoramento sistemático da política e da gestão de resíduos no município.

O estudo apontou uma estabilidade na quantidade de material coletado seletivamente pelos recicladores londrinenses, somando 16,25 quilos por habitante no triênio analisado. O cálculo considera a quantidade total em toneladas recolhida pelos coletores em relação a população total do município.

Na comparação com as maiores cidades do Paraná, observa-se que Londrina tem destinado uma maior quantidade de material per capita, sinalizando um maior comprometimento da população local com a separação e destinação adequada dos materiais, contribuindo para uma economia mais circular. Por outro lado, a massa de resíduos separada por habitante tem uma representatividade muito pequena em relação ao total produzido.

Quando comparada com outros dez municípios brasileiros com mais de 400 mil habitantes que não são capitais de estados e com serviço de coleta seletiva implementado em 100% da área urbana, a massa per capita de resíduos recolhida em Londrina fica abaixo da média geral, que foi de 19,88 quilos por habitante em 2022. São José do Rio Preto (SP) e Caxias do Sul (RS) se destacam, com 52,22 e 44,61 quilos por habitante, respectivamente.

Segundo o relatório do Ninter, esse dado indica que a cidade tem potencial para ampliar a quantidade de resíduos destinada à coleta seletiva e que uma melhoria da gestão pelo poder público local, juntamente com uma ação forte de educação ambiental, poderia potencializar ainda mais a segregação dos resíduos por parte da população.

Mas além do poder público e da população, a responsabilidade pela destinação correta desses resíduos também deve ser cobrada de quem produz. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei em vigência desde 2010, instituiu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a obrigatoriedade de sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos. A norma vale para embalagens plásticas, papel, papelão, de metal ou vidro. “Mas a meta das indústrias sobre os materiais que colocam no mercado ainda é reduzida e, desta forma, o custo tem recaído majoritariamente sobre os municípios”, ressaltou a pesquisadora na área de resíduos e coordenadora do Ninter, professora Lilian Aligleri.

Em 2024, segundo o Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), as indústrias têm a obrigação de reciclar apenas 30% das embalagens que colocam no mercado. Nos últimos anos, lembrou a pesquisadora, a meta não foi atingida e a grande massa restante tornou-se custo público.(S.S.)