Pergunta da leitora da FOLHA: Há um enfoque psicológico que diz que algumas pessoas têm uma tendência a repetir comportamentos, de tempos em tempos e vivenciar circunstâncias praticamente idênticas, não importando se os mesmos sejam prazerosos ou angustiantes. Já presenciei este fato acontecer com pessoas próximas, com variados distanciamentos entre as ocorrências e creio que seja uma abordagem a ser considerada. Na sua opinião, é possível que este padrão de comportamento e vivência se repita após um intervalo de 45 anos e que as duas ocorrências sejam praticamente iguais, com a alteração de apenas um dos elementos envolvidos?

A psicanálise nos mostra que quando não temos um mínimo conhecimento sobre nós mesmos, sobre a maneira que funcionamos e como nos relacionamos com o mundo e com os outros, vamos acabar sempre repetindo o mesmo repertório, sem muitas mudanças e com isso tendemos a sofrer.

É até comum nos deparamos com pessoas que estão sempre presas a determinadas repetições infindáveis. Algumas, por exemplo, só se relacionam (amizades ou romanticamente) com os mesmos tipos e sofrem sempre das mesmas coisas. É aquele tipo de pessoa que geralmente se fala: “mas por que será que não aprende com o que já aconteceu?”. Geralmente, quem está dominado pela compulsão à repetição não percebe o que está fazendo consigo próprio. Vive atuando de forma inconsciente.

Uma das grandes sacadas da psicanálise é nos possibilitar pensar sobre como nos conduzimos ao longo da vida. Porque se isso não acontecer vamos agir inconscientemente, ou seja, reagir sem nem perceber sobre como nos portamos, como nos ligamos e o que procuramos no outro e na vida. Ficaremos assim, aprisionados ao que muitos chama de destino. Destino nada mais é quando uma pessoa não tem o menor contato consigo mesma e se repete interminavelmente.

O tempo não existe na mente. Um dia ou 45 anos podem ser a mesma coisa quando se trata de conteúdos mentais. Por isso mesmo podemos nos repetir por anos a fio e nem se dar conta. O criador da psicanálise, Freud, percebeu tudo isso com muita competência tanto que escreveu o texto Recordar, repetir e elaborar (1914) que mostra que o paciente não tem ciência do que se passa dentro de si, mas expressa o que se passa consigo através da atuação. Essa atuação (ação de repetição) é o sintoma que o analista pode captar para que seja trabalhado ou elaborado junto com o paciente.

No antigo filme de 1993, Feitiço do Tempo, o personagem do ator Bill Murray fica aprisionado num único dia que se repete constantemente. Tudo é a mesma coisa, todas as situações e acontecimentos são meras repetições e ele fica aborrecido inicialmente para depois cair numa severa depressão. Porém, o filme tem final feliz porque ele se dá conta que não é lá fora que acontece a repetição, mas dentro dele e que externamente é apenas o que ele cria ao seu redor. Quando ele muda, quando ele para de se repetir e passa a se relacionar consigo e com os outros de outra maneira o dia que se repetia ‘magicamente’ para de se repetir e uma nova vida começa.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina