Na última terça-feira (23) completaram-se dez anos da morte de Ariano Suassuna. O escritor, filósofo, poeta, advogado, artista plástico e dramaturgo paraibano deixou ao Brasil um legado no qual se sobressai um quesito central: a valorização da cultura nacional.

Suassuna nasceu em Paraíba do Norte, hoje João Pessoa, mas passou boa parte da vida no Recife, daí a ideia de que ele seria pernambucano. Na verdade, isso não importa tanto, o que ele irradiou para o Brasil e o mundo foi a cultura nordestina, algumas de suas obras, como o célebre "Auto da Compadecida", foram traduzidas em várias línguas, levando o nome do País e, especialmente do Nordeste, a lugares inimagináveis.

Criador do Movimento Armorial nos anos 1970, Suassuna propunha a fusão da cultura erudita com a cultura popular nordestina.

Foi como um "autor raiz" que vi uma única vez Ariano Suassuna em Londrina. Ele veio a convite do secretário da Cultura Luciano Bitencourt, na gestão Nedson Micheleti (PT), para fazer uma palestra no Teatro Ouro Verde, em 2006, como parte da programação da Feira Nordestina que, durante alguns anos, existiu para marcar a forte presença dessa população e sua cultura na cidade, fato nem sempre lembrado ou sistematicamente esquecido.

Lembro-me do clima solene no teatro, quando a figura alta de Ariano Suassuna ocupou o palco. Vestido com roupas claras, ele sentou-se numa mesa comprida onde, depois da cerimônia de abertura, só dava ele. Era verdadeiramente um mestre dando uma aula-espetáculo que durou quase duas horas.

Atrás dele, projetavam-se num telão desenhos e figuras do cordel, ícones do Movimento Armorial que marcavam a presença da cultura profunda do Nordeste numa cidade do Sul do País. Uma espécie de mitologia brasileira surgia naquelas gravuras de vaqueiros e cantadores folclóricos.

A própria vida do escritor foi uma mistura de arte e drama. Seu pai, deputado federal e governador da Paraíba, foi assassinado no Rio de Janeiro por questões políticas quando Ariano tinha três anos. Tratava-se de uma inimizade entre a família Suassuna e a família Pessoa que virou estopim da Revolução de 30. O próprio João Pessoa foi assassinado alguns meses antes num tempo, não muito distante, em que as rivalidades políticas e pessoais no Brasil eram resolvidas a bala.

Por razões óbvias, Suassuna nunca se conformou com o fato de sua cidade natal, Paraíba do Norte, ter o nome trocado por João Pessoa.

Tomei conhecimento dessas rivalidades de forma mais intensa quando trabalhei como assistente do escritor paraibano José Joffily, que morava em Londrina quando escreveu: "Anayde Beiriz - Paixão e Morte na Revolução de 30", livro que resgata parte das disputas que culminaram no movimento revolucionário. Por um gesto de generosidade de Joffily, fui designada para fazer o prefácio do livro focado na imagem de Anayde Beiriz, uma personagem trágica que daria origem ao filme "Parahyba Mulher Macho" (1983), de Tizuka Yamazaki.

Suassuna deixou um enorme legado cultural ao Brasil e ao mundo, uma obra imensa envolta em dramas, disputas e alegrias. Ele transitou por tudo isso como um autor emblemático que, de vez em quando, vem à minha memória ocupando o palco do Teatro Ouro Verde como um pedaço vivo da História.