A leitura do livro "Memórias, Simplesmente Memórias" (2015), de Antonio Villas Bôas Neto, citado nesta edição da FOLHA, me levou de volta ao meu primeiro texto publicado na imprensa do Norte do Paraná. Uma conquista para quem tinha 15 anos e acabara de ganhar um prêmio por uma redação escolar.

Lembro-me de chegar em casa e minha mãe, sorridente, me dar o jornal "A Voz do Povo" onde o texto sobre o Sesquicentenário da Independência - imaginem - tinha sido publicado. Para quem já queria ser jornalista, mas só tinha textos em caderninhos escolares, ver o próprio nome naquelas letras de imprensa foi uma realização. A primeira.

A "Voz do Povo", do senhor Nicolau Villas Bôas, objeto de muitas memórias no livro do filho Antonio, teve muita importância no Norte do Paraná, ele também foi dono de "A Tribuna" e "A Cidade", entre outros jornais.

Lendo "Memórias, Simplesmente Memórias", voltei décadas atrás, pelo menos até 1975 quando saí de Cornélio Procópio para trabalhar em Londrina e fazer cursinho para o vestibular de Comunicação Social na UEL (Universidade Estadual de Londrina). O país ainda não tinha saído da ditadura militar, ao contrário, vivia seus anos de chumbo, com estudantes e trabalhadores desaparecendo pela repressão.

Observo que seu Nicolau foi muito corajoso como diretor de um pequeno jornal do Norte do Paraná publicando abusos que envolviam a política e, por consequência, a vida dos cidadãos. Como diretor de jornal, ele também sofreu cortes e ameaças de censura, sendo muito digno em momentos como o da sua recusa ao título de "Cidadão Honorário de Cornélio Procópio." O editorial publicado em setembro de 1977 n'A Voz do Povo deve ser relembrado neste momento em que a imprensa continua sofrendo ataques por cumprir seu dever primordial: informar sobre os fatos.

Entre os trechos deste editorial, vale resgatar alguns parágrafos:

"O jornal 'A Voz do Povo' vem tentando, embora modestamente, cumprir sua missão de informar. No panorama informativo aquilo que acontece na legislação local, tem sido noticiado em dimensões de exercício funcional dos vereadores. Nada de questões particulares, nada de pessoal. Evidente que também ao informar o 'exercício funcional' de alguns vereadores, o leitor fica sabendo que a missão específica do legislar fica em segundo plano."

(...) Não faltam aqueles vilipêndios eivados de subjetividade como se a imprensa fosse culpada pelo que ali acontece de bom ou ruim. Afirmar que a imprensa é 'marrom' porque noticia e critica a atuação de certos vereadores subtende o mais grossseiro dos sofismas. Tal raciocínio falso nos levaria a aceitar a afirmativa de que a única responsável pelo adultério é a cama!" (...)

O jornalista não aceitou o título de cidadania que lhe foi conferido. A decisão implica na dignidade de dizer 'não', uma vez que o 'sim' corresponderia a erro consciente."

Comparo esta situação a outras que vivenciaria nos meus anos de jornalismo. Penso nas vezes em que, como agora, a imprensa é "culpada" por noticiar desmandos nas esferas municipais, estaduais ou federais. E vejo que para os "fiscais de um olho só" a imprensa sempre será responsabilizada por cumprir seu dever de denunciar aquilo que foge à ética na política. Pior, muitas vezes as críticas vêm com tintas moralistas de quem não tem moral alguma para julgar a imprensa ou o jornalista.

O que foi escrito em 1977 surpreendentemente ainda serve em 2022. Acredito que todo jornalista consciente, como o senhor Nicolau Villas Bôas, deve perceber a atualidade de algumas censuras ou tentativas de jogar para a imprensa a responsabilidade pelos erros que cabem tão somente à classe política. Isso é velho e também muito novo, muito atual nestes tempos em que tentam descredibilizar veículos de comunicação com fake news e nuvens de fumaça que obstruem a clareza no Brasil.

Seu Nicolau já tinha consciência disso nos anos 1970 e isso ecoa em mim até hoje.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.