Reunir crônicas para um livro é visitar de novo os acontecimentos. Ao separar 50 crônicas, entre as centenas que escrevi, para o livro "A Cidade na Retina", a ser lançado em breve, revi lugares, pessoas e situações que formam o cenário de uma vida.

A maioria dessas crônicas se passa em Londrina, outras em Campinas e São Paulo, onde também vivi.

Nestas e outras cidades me alegrei, entristeci e, sobretudo, passei por tantas experiências diferentes que formam avenidas existenciais, atmosferas, relacionamentos com outras pessoas, laços que se juntam e se dissolvem.

A vida urbana oferece uma riqueza imensurável de impressões. Não à toa, os surrealistas elegeram a condição de flanar pelas cidades como a da liberdade que permite o maravilhamento em situações do cotidiano, em busca da dimensão real de nossa passagem pelo mundo.

As cidades, suas esquinas, seus becos e seus personagens estão à disposição e à espera da criatividade que transforma nossa leitura da vida.

Não se trata apenas de dobrar uma esquina, mas perceber que aquela esquina oferece um canal de vento especial, o cheiro do restaurante ou a placa com um nome histórico.

No cotidiano, imersos em preocupações, nem sempre prestamos atenção às cenas urbanas, mas estão ali os nossos filmes diários, o enredo, as narrativas a serem escritas, a confusão e a ordem que, no meu caso, formam a alma da crônica.

Minha relação com as cidades vem desde a infância, quando meu pai me tomava pela mão ensinando como atravessar a rua.

Desde então foram muitas travessias, da avenida Paraná à avenida São João, com a manha de cortar as praças para encurtar caminhos, em vez de apressar o passo.

A travessia da cidade merece mais calma que pressa, mais contemplação que mera passagem, mais atenção aos detalhes do que o afobamento de chegar antes.

Nem sempre é importante chegar primeiro, mas caminhar, integrando-se à paisagem como os insetos, o urubu que plana, a ave que faz o ninho nos semáforos. Assim praticamos uma entrega aos olhares que, no fim das contas, são o fio da mais uma história.

Não a história grande, mas a pequena, do cotidiano que pode parecer igual mas é múltiplo como o pôr do sol que não se repete ou as nuvens sempre em novos desenhos.