Caminhando pelo vale, vejo que há vários verdes na paisagem, um grande verde avançando morro acima e vale afora, e outros verdes em mata ciliar ou pequenos bosques aqui e ali, ou mesmo uma árvore só, com seu próprio tom de verde entre tantos verdes.

Resolvo visitar essa arvorezinha, ver de perto esse verde tão vivo. Mas entre eu e ela há uma cerca, um pasto e outra cerca, além da qual, beirando um grande barranco que deve ter sido uma pedreira, está a arvorezinha redonda de tão enfolhada.

Além da distância e das cercas, deve haver um dono, pois afinal a Eca, como já apelidei a arvorezinha, vive na terra e toda terra tem dono. Mas não há ou não vejo cachorros, e moleque aprendi que, sem fazer qualquer barulhinho e não ficando a favor do vento, dá para enganar cachorro.

Varo a cerca levantando o arame e passando agachado, ouvidos atentos. Mas nada ouço, então atravesso o pasto andando meio curvado, como quando menino brincava de mocinho com revólver de espoleta.

A Eca está logo ali depois da segunda cerca, que não será preciso atravessar, pois daqui vejo bem que é uma arvorezinha tão arredondada que só pode ser estrangeira.

Bom dia, diz uma voz nas minhas costas e me viro levantando, dou com quem só pode ser o dono, até com boné de sitiante. Então me apresento, digo nome, ele diz que se chama Zé, José, digo, e ele diz não, é só Zé. Explico ao Zé que gosto de plantas, por isso entrei para conhecer essa espécie exótica, apontando a Eca.

Exótica? Ele tira o boné para coçar a cabeça, explico que é visivelmente uma árvore do hemisfério norte. Mas como ela veio parar aqui, ele pergunta se coçando desconfiado, digo que deve ter sido para jardinagem, o paisagismo vem desde o tempo das caravelas.

Ele balança a cabeça admirado, aponta outra arvorezinha redonda e diz que sim, ali no sítio antes morou gente que fazia jardins, que depois ele deixou virar capoeira. E nunca tinha pensado nisso, que as plantas também viajam pelo mundo.

As frutas também, acrescento, pois a manga veio da Índia, o mamão e o abacate do México, as uvas da Europa, a laranja da China... Ele pergunta se sou agrônomo, digo que sou só curioso e gosto muito de frutas. Pois muito obrigado, diz ele, pergunto porque, ele sorri dizendo que valorizei sua salada de frutas.

Então digo que, como invasor, estou onde nem devia estar e... Que isso, contradiz ele, que eu fique à vontade e volte quando quiser pra visitar a árvore estrangeira.

Voltarei, garanto, até porque o sítio não tem cachorro. Tem sim, ele revela, mas é tão bravo que de dia fica preso, senão eu já tinha conhecido a boca do bicho. E me convida para conhecer a porteira, por onde eu devia ter entrado, digo, e de onde aponto minha casa no vale, convido a passar lá para um café, sem o cachorro.

Ele ri, aperto sua mão calejada e volto para a estradinha. Ele vai para sua casa e talvez contará à mulher que o sítio teve uma invasão, e eu, agradecendo pelo novo amigo, de longe aceno para a Eca, a árvore do Zé, uma espécie zeótica.

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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